Em julho, o Programa MAGIS Brasil promoveu as Experiências MAGIS no país. Entre os dias 20 e 24 de julho, aconteceu a experiência Peregrinos Urbanos, em Salvador (BA), mais especificamente na comunidade da Trindade, que ocupa uma igreja enorme na Cidade Baixa, que já funcionou como sede de uma irmandade numerosa e rica na cidade. “Estamos falando dos tempos de antigamente, muito provavelmente do Brasil Colônia, certamente do Brasil Império”, explica o padre Eduardo Henriques, que acompanhou os jovens durante a experiência.
Segundo o jesuíta, quem mora comunidade da Trindade vive um projeto de vida comunitário, com divisões de tarefas, solidariedade, ajuda mútua, oração e acolhida de novos peregrinos. “Peregrinar é o carisma da comunidade. Os membros, na sua maioria, vieram das ruas, isto é, foram pessoas em situação de rua. A comunidade é autossustentável e ecologicamente responsável”, afirma. “Cozinha-se à lenha. O aquecimento de água é solar, a atividade principal para arrecadar fundos é a venda de materiais recicláveis. À noite, todos dormem no meio da igreja, espalhados ordenadamente, tendo papelões por colchão, homens de um lado, mulheres do outro. Só vi uma cama, única riqueza de uma senhora bem idosa e cega”, relata padre Eduardo.
Na noite do dia 24 de julho, véspera de término da missão, os jovens fizeram a leitura de um texto, que foi preparado por eles, para a comunidade da Trindade. Leia a íntegra da mensagem:
Luzes da Trindade
Bahia é a terra que Jorge Amado eternizou em mares, amores, saudades. Terra de grandes belezas, oceano aberto, de possibilidades mil. Terra que Deus escolheu para abençoar grandemente.
Mas a beleza do solo baiano não está só nas longas extensões de céu e mar. Está no olhar das pessoas, está no gingado da fala, está na simpatia que por aqui é tão cara.
Está na gente da rua também. Rua: palavra pequena, dimensão enorme. É na rua, em seu olho, que estão talentos, corações enormes, um marzão de alegria e amor. Estão possibilidades. Eis aí a Trindade também. A doce Trindade.
Trindade que, durante cinco tão inesquecíveis dias, foi Bahia, Ceará e Espírito Santo. Foi Minas Gerais, Piauí e Rio de Janeiro (com uma pontinha e um sotaque todo especial do Peru). Foi tantas e uma só: a mesma Trindade que é bússola-mestra a guiar quem chega a um caminho de luz.
E aí tudo vem: o projeto “Levanta-te e anda” e o jornal Aurora da Rua estão aí para provar isso. E o que falar da Trindade do Mar? Tranquilidade sem fim, amor que chega de mansinho e com cheiro de maresia.
São iniciativas que provam a importância das luzes da Trindade. Outro dia estávamos observando: as luzes aqui são de vela, em sua maioria. Deve ser porque aquilo que ilumina mesmo os espaços que hoje, agora, contemplamos, seja vindo do coração, do sorriso, do abraço. Há luz, há brilho mais eficazes?
As veias da Trindade pulsam. E podemos sentir isso agora. É como nossa vida está, cheia de conquistas, vitórias e a graça maior: poder estar em comunidade com pessoas que tanto amamos. Viver em comunhão, afinal, é exatamente isso: dar e receber, sorrir e acolher. Em tudo amar e servir e tudo para a maior glória de Deus.
Nossas almas estão conectadas neste momento: somos nós, é um pouco de nossa identidade que permanece em cada móvel, em cada parede, no chão, no teto e nas escadas. Está espalhado por todos os lugares porque aqui é o nosso lar. Está aqui e não vai sair. Pelo contrário: alcança o cosmos, reúne energias para ser mais. Magis.
Isso tudo para nos revelar: quanta injustiça, hein? Quantos olhares de fora em que insistem em permanecer lá e não reconhecer que a pessoa de rua também é gente. Gente que sente, que chora, que ri, que trabalha, que abraça e beija, suspira e comemora. Gente cuja Trindade Santa é bandeira alta a embelezar o céu da Bahia.
Amanhã partimos para as nossas casas, mas sabemos que deixamos um lar aqui também. Um que é templo vivo, verdadeiramente igreja, comunidade, povo de Deus. E que suas portas sempre estarão abertas para acolher e fazer a morada ser acolhida por quaisquer manifestações de solidariedade e vida.
Gratidão, então, é o que temos para deixar. Nosso sincero e fervoroso agradecimento por momentos tão singulares, tão únicos, inesquecíveis. Estar aqui com vocês e poder levar tudo isso na bagagem é a prova que, independentemente de onde estivermos, nosso coração bate na mesma sintonia. Sempre.
Deus abençoe a doce e querida Trindade. Que o Papai do Céu passeie pela vida de cada um e não deixe que a chama que aí está tão acesa se apague. Que Jesus permaneça sendo templo vivo a marcar com a tinta da esperança os seus dias. Que o Espírito Santo também aja conforme a graça e a fé que nele depositamos. E que nenhuma dessas três pessoas faltem: cumprem o seu papel trino.
É algo incrível: a gente sai de casa pronto apenas para ingressar em mais uma viagem. Daí ela chega e lentamente quebra o invólucro que nos separa do que é verdadeiro como expressão de sentimento. E continua, até o fim, a mexer, a tocar, a ser bem mais que um rito de passagem. Solidifica-se como farol de infinitude. E é tudo isso que temos agora, aqui, conosco. Não vai sair nunca. São luzes. E nossa felicidade é enorme ao constatar isso. São as luzes da Trindade.
Já com saudades,
Peregrinos Urbanos – Magis Brasil, Salvador (BA), 2016
E que louvada seja a doce Trindade!