De Caracas a Roma: a história do Pe. Arturo Sosa

padre-arturo-sosa-36cgApós a eleição do novo Padre Geral da Companhia de Jesus, a equipe de Comunicação da 36ª CG (Congregação Geral) preparou uma entrevista em profundidade com o padre Arturo Sosa. Em uma longa conversa, o recém nomeado Superior Geral falou sobre sua história e vivências.

Sobre a sua eleição como Padre Geral

Como todos os eleitores, cheguei à Congregação perguntando-me quem seriam os melhores candidatos para o cargo de Padre Geral e, obviamente, não me via nessa lista. No primeiro dia de murmuratio1, comecei a procurar mais informação sobre os que eu considerava candidatos; no segundo dia, comecei a ouvir dizer que tinham feito perguntas sobre mim, ou que tinham perguntado por mim; no terceiro dia, comecei a preocupar-me, pois as conversas tornaram-se muito mais diretas e, no quarto, ainda mais. Nos três últimos dias, eu falei com 60 pessoas e muitos já me perguntavam pela minha saúde. Comecei a habituar-me à ideia, ainda que rezando para que os companheiros levassem a sério o que disse Santo Inácio, sobre não entrar na eleição com uma decisão fechada. No dia da eleição, ao ver os resultados, fui-me habituando à ideia, com uma intuição profunda de que tenho de confiar no bom juízo dos meus irmãos. Se eles me elegerem, terá sido por alguma razão e tentarei responder o melhor que puder.

Nesta eleição, parece-me que se valoriza a experiência de trabalho no nível local e internacional e não duvido que os últimos anos em Roma (Itália) tiveram algum peso na escolha. Mas, acima de tudo, entendo que eu sou um dos muitos jesuítas da Companhia de Jesus da América Latina que tentou colocar em prática o que as Congregações vêm dizendo nos últimos 40 anos. Entendo-o como uma confirmação da direção que a Companhia assumiu no tempo do padre Pedro Arrupe, Superior Geral entre 1965 e 1983. Entendo a eleição como uma confirmação de que há que seguir por aqui. Mas eu, pessoalmente, sou como muitos jesuítas da minha geração.

I – Origem e Formação

Família

Nasci no curtíssimo período de democracia que houve na Venezuela na primeira metade do século XX, em 1948. O meu nascimento foi no dia 12 de novembro e, no dia 24 desse mês, houve um golpe de estado contra o primeiro presidente eleito democraticamente no meu país depois da independência. Os meus avós viveram em grande pobreza, mas o meu pai já pertence à geração que construiu o país.

Éramos uma família muito grande, na qual partilhavam espaço várias gerações. Para mim, foi muito importante estarmos tão juntos. As nossas casas não tinham muro, não havia distinção entre um jardim e outro, todos vivíamos conjuntamente. Éramos uma família muito católica, ainda que pouco expressiva na sua religiosidade. Nesse ambiente, aprendi a ver a realidade a partir de uma perspectiva que procura ver além do que nos é dado, em que as coisas não são necessariamente como estão. Cresci lutando sempre para ir um pouco mais além do que havia.

“Eu vivi num constante abrir de olhos a uma realidade sempre maior, a ser desafiado a não ficar fechado naquilo que já conhecia”

Nesse sentido, era uma família muito sensível à realidade e convencida da necessidade de estudar. Motivaram-me sempre muito a conhecer a realidade, a abrir-me ao mundo, a aprender idiomas. O meu pai era um homem muito inquieto, viajava muito, dentro e fora do país. Se naquele tempo havia 10 pessoas na Venezuela que liam a revista Time, ele era uma delas. Era economista e advogado e esteve duas vezes no governo. Muitas vezes, convidava-me a acompanhá-lo em viagens dentro do país. Quando chegávamos a uma cidade que eu não conhecia, dizia-me sempre: “vamos pela circunvalação” e dávamos a volta à cidade enquanto me explicava tudo o que íamos vendo. Eu vivi num constante abrir de olhos a uma realidade sempre maior, a ser desafiado a não ficar fechado naquilo que já conhecia.

O colégio

O outro ambiente onde se desenvolveu a minha infância foi o colégio Santo Inácio, em Caracas, capital da Venezuela. Entrei no colégio na pré-primária, quando tinha cinco anos, e aí passei 13 anos, até que terminei o secundário. O meu pai também tinha sido aluno nesse colégio. Nessa altura, nos colégios da Companhia havia muitos jesuítas, sobretudo jovens: magisteriantes2 e irmãos. Para mim, era uma espécie de segunda casa. Segundo a minha mãe, a primeira, porque eu nunca estava em casa. Havia atividades desde segunda-feira e, por vezes, até ao domingo, dia em que havia missa no colégio. Para ser sincero, não me lembro da Química, nem da Matemática, mas lembro-me muito bem de ter criado grupos dentro do colégio, como a Congregação Mariana, a associação de estudantes…, tínhamos muita atividade desse tipo. Isso tem tudo a ver com o nascimento da minha vocação, ao ter experimentado a dimensão do sentido da vida quando nos entregamos aos outros.

NOTAS
1 A murmuratio – latim para “murmurações” – é a etapa prévia na Congregação à eleição do Padre Geral, onde se dedica quatro dias à oração pessoal e à conversa dois a dois entre os eleitores, para que cada eleitor vá dando passos no discernimento e no conhecimento dos possíveis candidatos.
2 Um magisteriante é um jovem jesuíta que está em uma fase específica da formação, entregando-se a alguma atividade apostólica em alguma obra da Companhia, neste caso em um colégio. A essa etapa de formação chamamos “Magistério”.

 

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