O Apocalipse é um livro que sempre chamou a atenção das pessoas, porém grande parte delas têm receio de suas mensagens. Em sua obra E o Cordeiro os vencerá, recém-publicada pela Edições Loyola, o padre Alberto Casalegno mostra-nos que o Apocalipse é uma obra cheia de esperança e com diversos aspectos positivos.
O jesuíta é mestre em Sagrada Escritura pelo Pontifício Instituto Bíblico e doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, ambos localizados em Roma (Itália). Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Belém, no Pará. Em entrevista, padre Alberto conta-nos o que o inspirou a escrever o livro e quais os principais pontos abordados.
Por que escrever sobre o livro do Apocalipse?
O Apocalipse é um livro fascinante, misterioso, cheio de símbolos. Sempre chamou a atenção dos leitores da Bíblia, como dos artistas e do povo em geral, esperando encontrar nele uma resposta a respeito do futuro misterioso da existência humana e do drama da vida.
Essa minha contribuição é fruto de vários cursos ministrados no Brasil e na Itália, sendo eu professor de Sagrada Escritura, com a tarefa particular – pelo menos nestas últimas décadas – de introduzir os alunos na compreensão do “Corpo Joanino”. Por isso, alguns anos atrás, publiquei um livro sobre o quarto evangelho, que foi traduzido do italiano para o português pela Editora Loyola. Neste ano, veio à luz “E o Cordeiro os vencerá”, depois de várias leituras e aprofundamentos da matéria — como aparece nas Notas e na Bibliografia—, juntamente com o esforço crítico para compreender muitas passagens do Apocalipse que, à primeira vista, parecem abalar a visão serena que a fé cristã nos proporciona.
“Procurei estudar, em pormenores, o texto grego do Apocalipse e escrever o trabalho que apresento aos leitores para mostrar que o sentido do Apocalipse é otimista, proporciona esperança e representa a grande revelação do amor incessante de Deus para com a humanidade pecadora.”
Todos sabem que, na narrativa, encontram-se imagens, em si, grotescas, símbolos aparentemente complicados e, várias vezes, horrorosos, que parecem evocar destruição, morte, punição, embora haja também imagens luminosas, consoladoras, que destacam a bondade e a misericórdia de Deus. Da mesma forma, encontramos frases que parecem apontar para a vingança que Deus reserva aos seus inimigos. Por exemplo, a expressão ‘o furor da ira de Deus” (Ap 14, 10.19) e algumas outras.
Procurei estudar, em pormenores, o texto grego do Apocalipse e escrever o trabalho que apresento aos leitores para mostrar que o sentido do Apocalipse é otimista, proporciona esperança e representa a grande revelação do amor incessante de Deus para com a humanidade pecadora. Acrescento que o livro deve ser compreendido à luz do Antigo Testamento, usando a inteligência e a capacidade de interpretar os símbolos, como o próprio autor, em várias ocasiões, nos recomenda. Por exemplo, dizendo: “Aqui é preciso discernimento. Quem é inteligente calcule o número da besta” (Ap 13,18).
Qual a linha de leitura que o senhor utiliza neste livro sobre o Apocalipse? Isto é, como a obra aborda o Apocalipse e como o livro foi organizado?
O Apocalipse não é uma previsão do que acontecerá no futuro, nem um informativo acerca dos fenômenos que acompanharão o fim do mundo, mas é uma “profecia”, como o próprio autor destaca em Ap 1,3 e Ap 22, 18.19. Isso significa que se trata de uma palavra de Deus, de uma revelação referente ao presente, aberta, porém, para o futuro. Essa palavra, dirigida às Igrejas da Ásia Menor no final do primeiro século, procura explicar qual é a finalidade da história humana, e não mostrar em pormenores qual será o seu fim. A revelação contida no Apocalipse acontece no tempo delicado (depois do ano 70), quando os romanos conquistaram a cidade de Jerusalém e destruíram o Templo. É o momento de abalo total, quando tudo parece desmoronar. Trata-se da situação em que nasce a literatura apocalíptica judaica. Os autores perguntam-se o que vai acontecer no futuro, procurando “levantar o véu” que impede enxergar os eventos que hão de vir. Esse tipo de literatura é, porém, muito diferente do livro do Apocalipse que é, como destaquei, uma “profecia”. No Apocalipse, usa-se o gênero literário apocalíptico, mas com símbolos bastante claros, muito menos complicados do que no livro de Henoc, dos Jubileus, do Testamento dos doze patriarcas, etc. No Apocalipse, não é preciso levantar o véu para ver o que acontecerá no futuro, porque o véu já foi levantado, o final está já no coração da história e corresponde ao evento salvador de Jesus, à vitória pascal da cruz contra “o príncipe deste mundo” (Jo 12,31), isto é, contra todo poder do mal que atua neste século.
No Apocalipse, afirma-se, assim, que a vitória da cruz irá se manifestar em plenitude no momento escatológico, renovando todas as coisas. Pode-se também dizer que o livro do Apocalipse anuncia que Jesus Cristo morto e ressuscitado é o único e verdadeiro Senhor. Satanás e todas as expressões do poder totalitário já foram derrotadas no evento pascal. O final da história consistirá na manifestação plena da força transformadora que brota do Ressuscitado em favor de todos os seres humanos, destruindo, definitivamente, os mecanismos que geram opressão, violência e morte.
“Pode-se também dizer que o livro do Apocalipse anuncia que Jesus Cristo morto e ressuscitado é o único e verdadeiro Senhor.”
O livro é profundamente litúrgico. É fruto das visões que João de Patmos — diferente do autor do quarto evangelho, que é o Discípulo Amado — teve durante uma liturgia celebrada pela comunidade cristã na ilha de Patmos, colônia penal romana. João estava nessa ilha por causa da sua profissão cristã e do testemunho de Jesus Cristo, adversada pelo Império Romano. Tinha, porém, certa liberdade e podia aproximar-se dos que partilhavam sua mesma fé, participando da liturgia dominical.
A narrativa é dividida em duas partes: a primeira, Ap 1,1 – 3,21, e a segunda, Ap 4,1-22, 21. Uma divisão que parece desequilibrada, determinada pela repetição do motivo “as coisas que devem acontecer”. Ao final da entrevista, vou fazer uma reflexão, em pormenores, sobre cada parte [confira no final da página].
No prefácio do livro, o senhor afirma que o Apocalipse é uma obra cheia de esperança e com diversos aspectos positivos. Por quê?
Poder-se-ia dizer que o Apocalipse representa, em primeiro lugar, o esforço de Deus, por meio do seu Cristo, para que todos os seres humanos sejam salvos, independentemente das culturas, línguas, raças e religiões às quais pertencem. É, porém, sempre e somente, a graça do Ressuscitado que redime e salva também as pessoas que historicamente nunca poderão ter acesso ao mistério de Verbo que se fez carne. O mal será superado, as forças da vida e da ressurreição prevalecerão, apesar das aparências históricas.
“Poder-se-ia dizer que o Apocalipse representa, em primeiro lugar, o esforço de Deus, por meio do seu Cristo, para que todos os seres humanos sejam salvos, independentemente das culturas, línguas, raças e religiões às quais pertencem.”
Por que, ainda hoje, as pessoas têm receio do livro do Apocalipse?
Talvez porque nunca o livro foi explicado de forma positiva. Poucos trechos aparecem na liturgia e quase nunca o livro é explicado como um todo por parte dos pregadores ou dos ministros da Igreja. Somente as seitas protestantes fazem uso frequente do Apocalipse, mas, somente, para corrigir os vícios dos adeptos, destacando as ameaças e os castigos divinos que pensam encontrar na narrativa.
Acrescento que a menção à ira e o furor de Deus, presentes no texto, não devem ser pensados de forma humana, dando a esses pormenores uma interpretação antropológica, isto é, pensando que se identifiquem com nossa ira e nosso furor. A ira e o furor de Deus correspondem ao zelo divino pela conversão dos pecadores, em vista da salvação. Como tais, opõem-se à ira das nações, que é desejo de vingança contra os súbditos que protestam contra as decisões dos sistemas que, muitas vezes, oprimem a liberdade humana.
Um exemplo pode ser esclarecedor. Em 14,20, Deus anuncia o julgamento, indicado na narrativa com as imagens da ceifa e da vindima. Deus não vindima, porém, derramando o sangue dos que o recusam, mas aceitando a oferta de amor do seu Filho, morto fora da cidade, cujo sangue se espalha por todo o universo, chegando a todos os pontos cardeais (1600 estádios = 4x4x1000), redimindo, desse modo, toda a humanidade. Da mesma forma, deve ser interpretada a frase de Ap 11,18 (porém não bem traduzida nas nossas Bíblias), na qual o autor opõe a ira das nações à ira de Deus. Como já disse, a ira das nações é ódio contra os cristãos, a ira de Deus é desejo de que todos os seres possam chegar à salvação.
Qual a importância da obra para as pessoas que procuram compreender as nuances da mensagem presente no livro do Apocalipse?
Para compreender a mensagem do livro, é necessário ler o próprio texto do Apocalipse, juntamente com um comentário, bastante atualizado. Além do meu texto, que representa uma das tantas interpretações possíveis e é fruto da leitura de muitas obras redigidas por exegetas contemporâneos, aconselho o livro de Elul, traduzido para o português, que aparece na bibliografia do meu livro. Outros textos na língua italiana, como os de Biguzzi, de Vanni ou de Simoens (sempre mencionados na bibliografia), são muito úteis para ter uma visão mais realista (e, provavelmente, mais verdadeira) do Apocalipse, sem interpretá-lo ao pé da letra. Seria interessante, para quem gosta de aprofundar a compreensão desse livro bíblico, fazer uma comparação entre vários comentários escritos em tempos diferentes e ver como as interpretações mudam. É preciso escolher a que mais concorda com todo o discurso bíblico, do Gênese até o Apocalipse. É bom lembrar também que devemos nos libertar de falsas e parciais interpretações do Apocalipse, que foram aceitas com simplicidade por muito tempo, afastando os leitores desse livro que conclui a revelação bíblica.
“É bom lembrar também que devemos nos libertar de falsas e parciais interpretações do Apocalipse, que foram aceitas com simplicidade por muito tempo, afastando os leitores desse livro que conclui a revelação bíblica.”
Para qual público o livro é indicado?
A linguagem do texto é bastante simples, as frases breves, compreensíveis. A redação é clara. Por isso, acredito que todos os que têm interesse em conhecer o livro que conclui a revelação bíblica possam ler com fruto esta minha publicação. Então, tanto leitores comuns como pessoas engajadas na pastoral, assim como pessoas curiosas para entender melhor esse livro, que em si sempre teve algo de enigmático. É preciso interpretar os símbolos e fazer relações com o Antigo Testamento.
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Reflexão do padre Alberto sobre as duas partes do livro do Apocalipse
PRIMEIRA PARTE
- Depois de um cabeçalho e um diálogo litúrgico (Ap 1,1-8), que indica que está se desenvolvendo uma liturgia —não se pode precisar se liturgia da Palavra ou da Eucaristia—, João recebe a visão do Cristo ressuscitado. A liturgia é o lugar privilegiado pelo contato com o divino. Jesus lhe aparece como o Filho do Homem. Manda escrever às sete Igrejas da Ásia, ao redor de Éfeso, onde reside a comunidade joanina, pedindo a conversão e a vigilância, destacando que a Igreja é sempre pecadora (Ap 1,9 – 3,21). O número sete é simbólico e, enquanto número da plenitude, destaca que as exortações são dirigidas à Igreja universal e têm valor para todas as comunidades cristãs, em qualquer tempo. Esse texto constitui a primeira parte. A exortação à conversão é finalizada à revelação do plano de Deus sobre a história humana; o tema é objeto da segunda parte do livro.
A conversão é necessária, pois as Igrejas são ameaçadas por dois graves perigos. Os primeiros fermentos da gnose, que propõem uma visão negativa do corpo e da matéria, convidam a pensar que o ser humano possa salvar-se sozinho, sem necessidade de um Salvador. É suficiente o conhecimento (gnose) da faísca divina que está presa no corpo. Através de rituais e purificações, o ser humano pode chegar até o mundo de Deus, passando pelas diversas esferas que o separam da realidade divina. Esse conhecimento da origem divina da alma humana leva a desconsiderar o comportamento ético, permitindo também uma vida devassa que, de fato, não comprometeria o conhecimento da dimensão divina que caracteriza cada pessoa humana. O grande perigo, então, é o sincretismo.
Outro perigo é representado pelos hábitos pagãos da sociedade romana. A paz alcançada por Augusto oferece conforto, bem-estar a todos. Porém, exige total obediência ao Imperador, considerado como um deus, e à deusa Roma, símbolo do poder romano, cujos templos encontravam-se em muitas cidades do Império. Não esqueçamos que o livro do Apocalipse foi escrito entre 90-96 d.C., na época do imperador Domiciano, o qual foi o primeiro a exigir honras divinas, mandando que o chamassem de “Senhor e Deus”. Além disso, a vida social exigia, muitas vezes, a participação nos banquetes sagrados em honra dos deuses das corporações de artes e ofícios aos quais os cristãos pertenciam, sem excluir atos de promiscuidade sexual ou de prostituição sagrada, em particular em honra de Baco.
SEGUNDA PARTE
- A segunda parte do livro do Apocalipse é muito mais extensa (Ap 4,1 – 22,5) e pode ser dividida em três ciclos. O ciclo do livro selado (4,1 -8,1), o ciclo da luta contra os poderes do mal (8,2 – 16,21), o ciclo do julgamento (17,1 – 22,5). A conclusão —na qual também se encontra um diálogo litúrgico— encerra o livro (22,6-21). Analisemos o texto:
2.1. O primeiro ciclo começa com a liturgia celeste ao redor do trono de Deus. Ele segura, na mão direita, um livro selado com sete selos que somente o Cordeiro de pé (= ressuscitado) e morto pode abrir. O livro representa a história da humanidade, que deve ser julgada por aquele que morreu e ressuscitou pela salvação do mundo. O juiz é o salvador. A abertura dos selos manifesta quais são as constantes da nossa história pecadora que sempre se repete: guerra, injustiça social, morte, grito por justiça, mas tudo é perpassado pela força redentora do Cordeiro morto e ressuscitado, representado pelo primeiro cavalo branco que aparece quando é aberto o primeiro selo. Trata-se do Ressuscitado (cf Ap 19,11-16), não do anticristo, como alguns interpretaram. É bom destacar que os selos não são pragas, mas dinâmicas que sempre se repetem nas vicissitudes humanas.
2.2. Segue-se o segundo ciclo, representado pelos poderes do mal que atuam na história. Trata-se do Dragão, símbolo quase transcendente do mal. Ameaça a Mulher que está para dar à luz um filho. É a imagem da Igreja/Maria que, constantemente, gera os seus filhos, o primeiro dos quais é Jesus. O poder totalitário romano — e qualquer outra ideologia absolutista— quer destruí-los.
O poder do mal é representado também pela primeira besta que sai do mar, descrevendo uma realidade que age concretamente sobre a terra (Ap 13,1-10). Identifica-se com o poder totalitário romano, que esmaga seus adversários. A primeira besta recebe ajuda da segunda besta, que vem do oriente, símbolo da ideologia e da propaganda que sustenta todo poder totalitário e opressor (Ap 13,11-18). A besta vence a comunidade cristã e mata seus representantes. Isso realça que a Igreja, no Apocalipse, não é triunfalista, mas é a Igreja que carrega a cruz de Cristo. Ela também passa pelo mistério pascal de morte e de ressurreição. A cruz é, porém, sinal de vitória porque, logo depois, aparecem os 144000 (12x12x1000), símbolo de todo o povo de Deus, destinado à salvação. Aparecem no monte Sião – ainda neste mundo –, mas já podem aprender o cântico novo que vem do céu. Estão próximos da salvação, embora derrotados pelos poderes humanos totalitários, sejam eles políticos, econômicos, ideológicos.
Nesse segundo ciclo, o interesse de Deus é que também se convertam os que trazem na cabeça e na mão o selo da besta, os pecadores, os ímpios. Por isso, a moldura de toda a seção é representada por dois septenários, isto é, por uma narrativa que apresenta um esquema literário com sete elementos. Trata-se, no início, do septenário das trombetas (Ap 8,2 – 11,19) e, no fim, do septenário das taças (Ap 15,1 – 16,21). As trombetas e as taças representam verdadeiras “pragas”, com a finalidade de converter a humanidade. Os relatos são moldados à luz da narrativa das pragas do Egito, que se encontra no Êxodo. Não se trata, porém, de fenômenos extraordinários, como levaria a pensar uma interpretação ao pé da letra, mas de fenômenos naturais ou históricos, apresentados por meio de símbolos que vêm do Antigo Testamento. As pragas são medicinais e, por meio delas, Deus procura abrir os olhos aos seres humanos e mostrar-lhes qual é o verdadeiro sentido da vida. Mais exatamente, o septenário das trombetas procura a conversão de todo o gênero humano, enquanto o septenário das taças procura a conversão do poder. Ambas as tentativas de Deus fracassam porque os seres humanos ficam grudados aos seus ídolos (Ap 9,20-21) e o poder recusa de escutar os apelos de Deus (Ap 16,9-11). Na sua providência, Deus envia apóstolos que profetizam, anunciando a palavra de Deus, como João de Patmos (Ap 10,1-11) e as duas testemunhas (Ap 11,1-19). Também a missão desses missionários — que representam a missão da Igreja enquanto tal — historicamente fracassa, pois as duas testemunhas são mortas. A última palavra, porém, é de Deus e é uma palavra de ressurreição. Apesar dos aparentes fracassos, Deus vence pelo poder da cruz e da derrota humana. Com efeito, algo começa a mudar na história dos homens: alguns começam a “dar glória a Deus” (Ap 11,13). Também o hino litúrgico, no final do mesmo capítulo, destaca que o Reino que pertencia ao mundo começa a se tornar reino de Deus e do Cordeiro.
2.3. O terceiro ciclo refere-se ao julgamento (Ap 17,1 – 22,5). Há o julgamento de Babilônia, qualificada de “mãe das prostitutas”, símbolo concreto da cidade de Roma, centro do Império dominador do mundo e inimigo dos cristãos, e há a glorificação de Jerusalém, apresentada como esposa do Cordeiro e como cidade santa. À luz dessas duas imagens, a bem-aventurança eterna é pensada com intimidade com Deus e com todos os salvos numa comunhão perfeita de amor (esposa), e como relações interpessoais, evocadas pela imagem da cidade.
Com essa apresentação, não se deve pensar que o Apocalipse destaque, de um lado, a condenação dos ímpios e, do outro, a glorificação dos justos, dizendo que os primeiros são destinados ao inferno, enquanto os segundos ao paraíso. O Apocalipse não tem essa visão dualista, como normalmente se pensa. É a própria prostituta que se torna esposa pela misericórdia de Deus e em virtude do sacrifício de Cristo Salvador. Com efeito, é a nossa história, a nossa realidade pecadora, que é redimida e salva. No livro, os únicos a serem condenados são os poderes do mal, os mecanismos de mal que existem na história, que são jogados no lago de fogo e de enxofre, símbolo tradicional da danação eterna.
No Apocalipse, nunca se fala da condenação de seres humanos, embora o autor alerte e admoeste a comunidade para que viva de forma responsável sua vida humana. De fato, Babilônia é jogada ao mar, não no lago de fogo e enxofre. Os aliados da besta e do falso profeta são mortos pela espada que sai da boca do Cavaleiro, que é uma espada redentora: pune para salvar (Ap 19,21). O único texto que parece apontar para danação de um ser humano é Ap 20,15, mas o texto é mal traduzido nas nossas Bíblias, pois se trata de uma possibilidade. A proposição não é afirmativa, mas concessiva: “Se, por acaso, alguém não se achava inscrito no livro da vida[…]”. Com isso, o livro não quer afirmar que todos os seres humanos serão salvos, pois a salvação depende da nossa resposta ao apelo de Deus. De fato, somos seres livres. O texto quer realçar que o plano de Deus, o seu desejo, é que todos alcancem a salvação, pois ele é Amor. Com satisfação, pode-se notar que os aliados da besta e de Babilônia – os reis da terra e as nações – participam da bem-aventurança da Jerusalém celeste (Ap 21,24). Por quê? Como? Só Deus sabe!