A distância de cerca de 5.000 km que separa a Amazônia e a PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) não foi um entrave para a realização da SEMEA – Semana de Estudos Amazônicos, que reuniu lideranças indígenas e ribeirinhas, professores e pesquisadores em torno de discussões sobre o tema A Floresta e os Povos Tradicionais que nela vivem. Realizado entre os dias 24 e 26 de outubro, o evento contou com plantio de árvores amazônicas no bosque da universidade jesuíta, missa, muita música e uma imensa maloca — espaço comunitário, de ritual e de interação, existente em uma aldeia indígena —, que foi montada na instituição.
Organizada pelo Observatório de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), a SEMEA está em sua segunda edição — a primeira aconteceu em 2016, na Unicap (Universidade Católica de Pernambuco). Segundo o secretário executivo do OLMA, Luiz Felipe Lacerda, a ideia de realizar o evento surgiu concomitante à criaçãoo Observatório, em conjunto com o desejo da Unicap de realizar alguma atividade ligada à Amazônia, uma preferência apostólica da Província dos Jesuítas do Brasil – BRA. A SEMEA nasceu em Recife (PE) e agora toma fôlego no Rio de Janeiro. “Nosso objetivo é realizar uma semana de estudos amazônicos em universidades que, preferencialmente, não são amazônicas”, conta Lacerda.
De lá para cá, alguns objetivos mudaram. Lacerda fala que a primeira edição do evento foi uma articulação inicial com a Província e com os atores envolvidos com a temática da Amazônia. “O resultado da 1ª SEMEA foi dar visibilidade para essa questão. A partir daí, surgiram outros encaminhamentos, como projetos, ações, apoios vinculados à Amazônia. Agora, com a vinda para a PUC-Rio, esperamos que a gente continue pautando esse tema, porque os problemas Amazônicos e indígenas avançaram. A gente busca pautar e dar visibilidade para essas questões. Esse segundo ano mostra que a SEMEA veio para ficar.”
Lacerda afirma que o foco é sensibilizar a comunidade acadêmica e, em paralelo, conectar-se à rede interna: pesquisadores das universidades jesuítas, religiosos que estão dentro das comunidades indígenas, coordenadores de ações, centros e projetos. “O intuito principal é promover a integração e a troca de conhecimento. A floresta é essencial para a vida e só vai existir enquanto houver gente morando lá dentro. Um evento sobre a Amazônia, fora da Amazônia e sem a presença de lideranças indígenas e ribeirinhas não tem legitimidade. A gente fica reproduzindo a velha lógica de falar sobre em vez de falar com.”
Amazônia e seus povos na universidade
Essa não é a primeira vez que a PUC-Rio recebe um evento importante sobre a Amazônia. Padre Josafá Siqueira, reitor da universidade, conta que, em 2007, aconteceu o Amazônia Aqui. Nesse ano, o tema da Campanha da Fraternidade envolvia diretamente a floresta. Dez anos depois, os desafios continuam. “A Amazônia não pode ser pensada de cima para baixo, ela tem que ser pensada de baixo para cima. Vamos repensar a Amazônia, vamos dar a nossa contribuição no sentido da defesa desse grande patrimônio ecológico e cultural do nosso país”, fala.
“Vamos repensar a Amazônia, vamos dar a nossa contribuição no sentido da defesa desse grande patrimônio ecológico e cultural do nosso país”
Pe. Josafá Siqueira, reitor da PUC-Rio
Dentro da PUC-Rio, a SEMEA foi articulada pelo Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima). “Tudo começou quando fomos assistir ao primeiro SEMEA, na Unicap, em Recife (PE). Nós, brasileiros, esquecemos um pouco a Amazônia, não incorporamos a importância disso para o planeta”, afirma o professor Luiz Felipe Guanaes, diretor do Nima. Um dos objetivos da SEMEA é inserir a Amazônia e os conhecimentos de seus povos no debate acadêmico e levar a produção universitária para a Amazônia. Nesse sentido, Guanaes fala que “o grande desafio é a universidade colocar seu conhecimento não numa visão segmentada, em ruptura, mas em uma visão de integração, de conjunto. É por aqui que se justifica o SEMEA. É sensibilizar pessoas e atraí-las para a discussão”.
Falando sobre a floresta
Nessa 2ª edição do SEMEA, dentre os temas debatidos, estavam o direito socioambiental na Amazônia; o papel das mulheres indígenas na participação comunitária e familiar; a integração pró-Amazônia; a temática das lutas e pesquisa; práticas sustentáveis; gestão, parto e saberes tradicionais; o Programa MAGIS Brasil na Amazônia, ação apostólica da Província dos Jesuítas do Brasil junto à juventude; conflitos socioambientais e o papel da universidade; e diálogos inter-religiosos no Amazonas.
A Encíclica Laudato Si´ esteve presente em várias mesas. Moema Miranda, diretora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), disse que “a Igreja Católica deu um passo muito importante com o Papa Francisco. Na Encíclica Laudato Si’, ele fala uma coisa muito importante: não existem duas crises separadas, uma crise ambiental e uma crise social, mas uma complexa crise socioambiental”.
A Laudato Si´ é um documento elaborado pelo Papa Francisco, que critica o consumismo, o desmatamento e o cuidado irresponsável com o meio ambiente. “Nessa Encíclica, Francisco já deu os primeiros sinais de que a Amazônia é uma questão prioritária para a Igreja. Outro movimento importante é a convocação do Sínodo dos Bispos para a Amazônia em 2019”, comenta padre Josafá.
O reitor da PUC-Rio fala que o documento considera a Amazônia como um pulmão do planeta, mostrando a importância da floresta para o futuro da humanidade. “A Amazônia não é um espaço vazio, sempre foi ocupado pelos povos indígenas e pela biodiversidade. A Laudato Si´ nos convida a ter outro olhar sobre o planeta, sobre a casa comum. Não é um olhar de utilidade. Essa dimensão utilitarista é o que tem levado a esses grandes problemas a que nós temos assistido ao longo das décadas sobre a Amazônia.”
Como um fio condutor das ideias da Igreja Católica, da Província dos Jesuítas do Brasil e dos povos indígenas que lá moram, a espiritualidade é vivenciada das mais diferentes formas. Marcivana Rodrigues Paiva, indígena Seteré Mawé, do Amazonas, sintetiza essa relação: “no início da ocupação do Brasil, nós éramos muitos. O que praticamente nos dizimou foram os conflitos que tínhamos. Hoje, dizemos que estamos vivendo, sobrevivendo, há mais de 517 anos nesse território, muito graças à nossa espiritualidade. Essa coisa que está presente conosco onde nós estamos, seja na cidade, seja lá na base, na aldeia… É a espiritualidade indígena que nos faz viver, continuar resistindo há mais de cinco séculos”.