Nos últimos meses, o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados – SJMR, no Brasil, deu passos importantes. Em entrevista ao informativo Em Companhia, o padre Agnaldo Pereira Oliveira Júnior, diretor nacional do SJMR Brasil, conta um pouco mais sobre essa missão. Confira:
Hoje, como está estruturado o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados no Brasil?
Gostaria de começar esta entrevista contextualizando a nossa atuação no Brasil tendo presente a realidade mais universal da mobilidade humana hoje. Inicio recordando uma fala de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, em que ele diz que “não se pode entender a história da humanidade se não consideramos a influência que tiveram, para o bem e para o mal, os fenômenos migratórios”. Podemos dizer que o modo como está ocorrendo, atualmente, esse fenômeno migratório no mundo inteiro é, para nós, um ‘sinal dos tempos’ no século XXI. Não só um desafio que parece superar nossa capacidade de ação, mas também uma oportunidade para escutar a palavra de Deus por meio dos migrantes e refugiados.
“Hoje, podemos dizer que a Província dos Jesuítas do Brasil – BRA, em sintonia com essas preocupações apostólicas universais, conta com uma rede nacional do nosso serviço a essas pessoas, por meio do Serviço Jesuíta aos Migrantes e Refugiados […]”
Estamos diante de algo que tem mudado o mundo, está em constante transformação e sinaliza que chegou, para o Brasil, o momento de tomarmos mais e melhor consciência do que implica nosso País ter se tornado um lugar de atração para certos fluxos migratórios. Em décadas passadas, foi o País das oportunidades para migrantes europeus e japoneses e, hoje, tem atraído fluxos mais significativos de alguns países latino-americanos, caribenhos, africanos e do Oriente Médio.
Para a Companhia de Jesus, na palavra do nosso Superior Geral, Pe. Arturo Sosa, em sua passagem pelo Brasil, o “serviço ao complexo e desafiante mundo dos migrantes e refugiados está em sintonia com uma das principais preocupações apostólicas para os jesuítas na atualidade”. Hoje, podemos dizer que a Província dos Jesuítas do Brasil – BRA, em sintonia com essas preocupações apostólicas universais, conta com uma rede nacional do nosso serviço a essas pessoas, por meio do Serviço Jesuíta aos Migrantes e Refugiados, em Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG) e, recentemente, em Boa Vista (RR). Três equipes atuam conjuntamente a muitas outras instituições, cada uma delas lidando com aspectos e fluxos migratórios bem diferenciados, buscando dar o melhor de si para prestar um serviço integral e de qualidade a essas pessoas.
Qual o papel principal de cada escritório?
Motivados pelos quatro verbos sugeridos pelo Papa Francisco, em sua proposta para o Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas) para os Migrantes e Refugiados – acolher, proteger, promover e integrar –, como forma de resposta aos desafios que apresentam os deslocamentos forçados de milhões de pessoas, a missão de cada escritório do SJMR é: “Promover e proteger a dignidade e os direitos da população migrante e refugiada mais vulnerável no Brasil, acompanhando seu processo de inclusão e autonomia e incidindo na sociedade para que reconheça a riqueza da diversidade cultural que a mobilidade humana possibilita”. Trata-se de defender e promover essas pessoas mais vulneráveis e mostrar à sociedade a dimensão positiva da migração, para não deixar que o medo e os mitos deem a tônica dos discursos e das nossas ações.
Cada escritório lida com um fluxo migratório muito característico:
O SJMR Porto Alegre (RS) desenvolve o Programa Brasileiro de Reassentamento Solidário de Refugiados, por meio de um acordo entre a Companhia de Jesus, a ONU – pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR – e o governo brasileiro. Nesse programa, são reassentados em nosso país vários refugiados que já se encontravam protegidos em outro país, mas, devido a uma grande concentração ou mesmo a continuação do fundado temor de perseguição, continuam demandando mais proteção internacional e, portanto, necessitam partir para um país mais seguro.
Para os próximos anos, o SJMR Porto Alegre tem em vista fazer o acolhimento e a integração de refugiados vítimas do conflito nos países do Triângulo Norte da América Central (El Salvador, Honduras e Guatemala), além de sírios e venezuelanos. Já vamos para o 15º ano do desenvolvimento desse importante trabalho na Região Sul.
O SJMR Belo Horizonte (MG) caminha para seu 5º ano de existência e atende, em maioria, o fluxo migratório haitiano que se encontra, mais ou menos, instalado na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Eles representam cerca de 70% do público atendido em nosso escritório, embora outras nacionalidades também cheguem ao nosso centro e acessem os serviços que temos a oferecer, como colombianos, bolivianos, peruanos, venezuelanos, ganenses, angolanos, nigerianos, senegaleses, marroquinos, sírios, entre outros.
Além de contar com um trabalho de proteção social e jurídica, eles aprendem português, são orientados em relação a seus direitos e deveres dentro da cultura brasileira, se preparam para o mercado de trabalho com a elaboração de currículos, preparação para entrevistas e qualificação laboral, além de contatos com empresas e empregadores, acessam os benefícios sociais aos quais têm direitos etc.
O SJMR Boa Vista (RR) é o mais novo escritório. Surgiu, primeiramente, com a presença de um voluntário no segundo semestre de 2017, fazendo um mapeamento da situação e participando da ação coletiva no pré-atendimento na Polícia Federal de Boa Vista. Esse novo centro encontra-se onde, hoje, está o maior fluxo de migrantes que atravessaram nossas fronteiras: um grande número de venezuelanos que deixaram a Venezuela por causa da situação socio-político-econômica do país. A região conta também, em menor quantidade, com imigrantes haitianos e cubanos.
Qual a importância dessa atuação do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados?
Em seu parecer, o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, afirma que “administrar a migração é um dos desafios mais profundos da cooperação internacional nos dias atuais” e eu estou convencido disso.. E, lamentavelmente, a Comunidade Internacional não está coesa na resposta a esse desafio, deixando assim que, ano após ano, muitas vidas continuem sendo sacrificadas por falta de defesa do direito de migrar – sobretudo em situações de deslocamentos forçados – para buscar proteção internacional em países seguros.
Não podemos esquecer de que a Companhia de Jesus já vem, há algumas décadas, realizando um importante trabalho na área da migração e do refúgio, de forma que somos conhecidos e trabalhamos em conjunto com as agências da ONU (ACNUR e OIM) em muitos países.
Igualmente no Vaticano, no recém-criado Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que contempla os Conselhos Pontifícios: Justiça e Paz, Cor Unum, Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes, Pastoral para os Agentes de Saúde; cuja seção dedicada aos migrantes foi colocada ad tempus sob o comando do Papa, auxiliado pelos subsecretários Pe. Fabio Baggio (scalabriniano italiano) e Pe. Michel Czern (jesuíta canadense). Uma forma de mostrar a atenção que o Papa Francisco dedica ao tema das migrações e do refúgio.
“Não podemos esquecer de que a Companhia de Jesus já vem, há algumas décadas, realizando um importante trabalho na área da migração e do refúgio, de forma que somos conhecidos e trabalhamos em conjunto com as agências da ONU (ACNUR e OIM) em muitos países”
Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que é um dos pontos-chave do seu pontificado. Como ele mesmo afirma: “Não pode haver hoje um serviço ao desenvolvimento humano integral sem uma especial atenção ao fenômeno migratório”, portanto todas as instituições eclesiais deveriam avaliar como elas estão atentas a essa solicitação do Papa Francisco, ou como poderiam estar mais abertas às necessidades dos migrantes e refugiados. Em alguns dos seus discursos, ele tem provocado as congregações religiosas, sobretudo na Europa, que os conventos, mosteiros, atualmente vazios por falta de vocações, não devem tornar-se hotéis, mas são para a “carne de Cristo” na pessoa do migrante e do refugiado.
Nesse primeiro ano do meu trabalho como diretor nacional do Serviço Jesuíta aos Migrantes e Refugiados no Brasil, tenho investido minhas forças para irmos montando nossa rede nacional com os escritórios do SJMR. Como tem sido grande a demanda de reuniões e viagens para a articulação desse serviço e também o esforço empreendido para garantir os recursos necessários para os escritórios funcionarem bem, não tive ainda tempo suficiente de contatar, por exemplo, outras forças dentro da Província BRA, como a Rede Jesuíta de Educação, na qual podemos fazer um interessante trabalho de sensibilização com os alunos para combater a xenofobia. Quem sabe poder contar também com uma política de bolsa de estudos para alguns migrantes e refugiados, como em algum colégio isso já é hoje realidade; com as faculdades e universidades para pesquisas e levantamento de dados sobre a realidade da migração e do refúgio etc.
Concluo dizendo que é um trabalho apaixonante poder ser instrumento na vida desses nossos irmãos estrangeiros, sobretudo os mais vulneráveis. Há muito trabalho pela frente. Mas sei que posso contar com a abertura e a boa vontade dos meus companheiros que estão em outras áreas, para estreitarmos ainda mais os laços e criarmos ponte por onde os migrantes e refugiados possam transitar de forma segura e ordenada.