Em carta, o presidente da CPAL (Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina e Caribe), padre Roberto Jaramillo Bernal, fala sobre a situação da América Latina e a importância da iniciativa Todos Somos Irmãos, que visa ajudar o povo venezuelano. Confira, abaixo, a mensagem publicada na Palavra da CPAL, edição de agosto:
ONDE ESTÁ O TEU IRMÃO?
A situação política e social de todo o continente continua piorando. A corrupção tem provocado metástases nos países do continente, corroendo os sistemas políticos, jurídicos e legislativos, os pactos sociais, as instituições públicas e privadas, o mundo empresarial, entre outras instituições. A Igreja não escapa de pecados e de culpa. É verdade que nem ‘todo mundo’ se deixou corromper e que, nessa reserva moral e ética, paira a esperança de dias melhores. Mas o panorama não deixa de ser desolador.
São paradigmas dessa crise generalizada a violência oficial que, em quatro meses, fez mais de 450 assassinatos políticos e tem milhares de pessoas presas e feridas na Nicarágua, assim como a intransigência obtusa do governo venezuelano que continua pregada ao poder e a seus privilégios, quando, às claras, o país sangra social, econômica e politicamente. A bênção de Nicolás Maduro (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Miguel Díaz-Canel (Cuba) ao regime autoritário de Daniel Ortega (Nicarágua) é uma mostra patética do poder da corrupção.
Mas não são menos paradigmáticas dessa nauseabunda situação a normalização política do ‘golpe’ dado no Brasil, justo no momento em que a Odebrecht (empreiteira) operava a maior máfia corruptora do milênio, e as atuais dificuldades de governabilidade do ‘gigante da América’, onde os altos juízes (na sua maioria também acusados de corruptos) competem e fingem substituir os políticos, porque parece que não há nenhum que se salve.
É triste ver a incapacidade da OEA-Organização dos Estados Americanos (não do secretário, mas a falta de decisão dos países que a compõem) para defender a democracia em Honduras, ou para exigir o respeito pelas decisões soberanas na Bolívia, ou para fazer valer a ordem constitucional no Paraguai. E ainda nos falta ver o que acontece com os acordos de paz na Colômbia, com a economia no Equador ou na Argentina, com a reforma judicial no Peru e com a governabilidade de países como a Guatemala ou El Salvador.
“Como podemos garantir que, através das diversas missões em que atuamos[…], estamos permitindo que Deus toque e transforme a consciência de pessoas e grupos?”
Ante essa complexa situação, ressoaram, novamente, neste 31 de julho, festa de Santo Inácio de Loyola, as perguntas que o Pe. Arturo Sosa, Superior Geral da Companhia de Jesus, nos dirigiu no ano passado, no evento Impactando, realizado em Lima (Peru): qual seria hoje a resposta de Inácio e de seus companheiros? Se eles estivessem fundando hoje a Companhia de Jesus, que missão e que forma lhe dariam? Se contemplarmos – com os olhos da Trindade – um mundo onde a corrupção afetou não apenas as estruturas sociais, políticas e culturais, mas o núcleo das consciências, qual seria o nosso maior e mais fundamental desafio? Como podemos garantir que, através das diversas missões em que atuamos (em tão grande diversidade de trabalhos), estamos permitindo que Deus toque e transforme a consciência de pessoas e grupos?
“Padre, vocês fazem muitas coisas”, dizia-me ontem uma pessoa com quem eu conversava; “[…] e todas elas são lindas. Mas só uma é indispensável: mudar a vida das pessoas. E isso só Deus pode fazer. Vocês estão aí para ajudá-Lo; se não for assim: estorvam”.
NOSSA AJUDA À VENEZUELA
A partir da CPAL (Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina e Caribe), queremos contribuir da maneira que nos seja possível para que os venezuelanos encontrem solução e reconstruam uma nação justa e próspera. Para isso, não há outro caminho além do diálogo franco e a reconciliação na justiça. A soberania dos povos deve, sem dúvida, ser respeitada: a de uns igual à dos outros, sob pena de cair em outros mandatos ilegítimos. Não acreditamos, nem queremos, em intervenções que só venham a aprofundar a dor e o sofrimento do povo. São urgentes a mobilização e a colaboração internacionais para reforçar a possibilidade de encontrar – na Venezuela – caminhos de resolução política.
Sem negligenciar esse desafio que parece ser de médio prazo, a crise humanitária não espera. Este é um chamado para ir além das leituras ou posições ideológicas e oferecer respostas concretas aos milhares de venezuelanos que estão à nossa volta: onde está o teu irmão? (Gn 4, 9). É um desafio humanitário e humanizador para todos nós.
Por isso, na CPAL, convidamos todos os amigos que leem esta nota e todos os que colaboramos no corpo apostólico da Companhia de Jesus na América Latina e no mundo a deter-nos um momento, perguntar-nos e decidir como coletivos e pessoas moralmente responsáveis: o que vou fazer – o que vamos fazer – para aliviar a dor de quem é agora o meu semelhante, meu próximo?
Para responder a essa indagação, temos colocado em andamento quatro iniciativas. A primeira é um reforço substancial da capacidade técnica e operacional dos jesuítas da Rede Jesuítas com Migrantes (RJM), especialmente na Venezuela, na Colômbia e no Brasil. São centenas e milhares de pessoas concretas com suas histórias, seus medos, seus pés cansados; deixando para trás o país onde nasceram e construíram sonhos, acariciando, agora, a esperança de um futuro melhor em outras terras. Queremos atendê-los com carinho, com respeito, com a dignidade que merecem. As atuais equipes do Serviço Jesuíta aos Refugiados (SJR) e a Migrantes (SJM) nas três fronteiras estão sobrecarregadas e conseguem atender, apenas, uma pequena porcentagem das pessoas que migram. Por isso, nos próximos meses, a RJM, com especial concurso da SJR da América Latina e Caribe, vai aumentar, substancialmente, a resposta que damos nessas três fronteiras, tendo também em conta outros destinos, como Equador, Peru e República Dominicana.
Temos decidido, em segundo lugar, estabelecer um mecanismo, o mais simples e, ao mesmo tempo, o mais eficaz possível, para fazer com que coincidam o nosso desejo de ser solidários com as necessidades que tem o corpo apostólico da Companhia de Jesus (jesuítas e leigos) e seus parentes mais próximos na Venezuela. É verdade que não podemos ajudar TODO o povo venezuelano, mas não podemos deixar de fazê-lo com aqueles que temos mais próximos de nós. Dada a hiperinflação (100.000% no ano), gestos modestos de ajuda podem fazer uma grande diferença para aqueles que estão no país (comunidades jesuítas e obras).
“[…] o que vou fazer – o que vamos fazer – para aliviar a dor de quem é agora o meu semelhante, meu próximo?”
Para tornar concreta a nossa solidariedade pessoal, familiar, comunitária ou institucional, será lançada, na primeira quinzena de agosto, a Campanha Todos Somos Irmãos, com a qual serão propostos irmanamentos entre comunidades e entre obras da Companhia de Jesus na América Latina e na Venezuela, fazendo coincidir o que nossos companheiros apostólicos precisam com o que cada um de nós pode oferecer.
Em terceiro lugar, temos posto a funcionar uma comissão que prepara a realização de um amplo seminário que considere A crise da Venezuela e sua relação com as democracias latino-americanas. Não se trata de um evento acadêmico, mas a geração de um espaço de reflexão política (no melhor dos sentidos) sobre a realidade venezuelana e os desafios regionais de sua superação. Queremos contribuir com seriedade e altura intelectual num debate propositivo no qual os venezuelanos terão um protagonismo especial. Esse seminário acontecerá na última semana de janeiro, com a participação de figuras destacadas da Venezuela e de países da América Latina, Estados Unidos e Europa.
Por último, na página web (www.cpalsocial.org), estamos unindo forças em uma campanha de lobby em que se propõe que cada um e cada uma de vocês exerça o seu direito cidadão em solidariedade com o povo venezuelano, encaminhando aos respectivos Ministros de Relações Exteriores e aos Presidentes da República uma nota que contém, em seu corpo principal, estas três demandas:
- que, no país (de cada um de vocês), seja oferecido apoio humanitário urgente e especial à população venezuelana;
- que o governo do seu país exerça, da melhor maneira, as suas funções para que o governo venezuelano aceite a urgência de abrir canais de ajuda humanitária internacional;
- e que faça o melhor e maior esforço para resolver, politicamente, a crise venezuelana.
Vocês poderão encontrar toda a informação e os recursos necessários para enviar essa solicitação no link: www.cpalsocial.org/venezuela. Pedimos-lhes para distribuí-lo e multiplicá-lo entre amigos, conhecidos, parentes, redes sociais, colegas de trabalho, instituições, organizações etc.
Na espera de chegar até vocês com mais informações sobre a Campanha Todos Somos Irmãos, envio-lhes um abraço fraterno!