Em algumas semanas, milhões de brasileiros irão escolher, por meio do voto, seus representantes para os poderes Executivo e Legislativo. Um momento importante para o País que, há alguns anos, passa por grave crise ética, econômica, política e social. Para além de partidos políticos ou correntes ideológicas, as eleições nos dão uma nova oportunidade de fortalecer nosso compromisso como cidadãos empenhados pelo bem comum. Inclusive, este deveria ser o principal horizonte para todos nós ao vivenciarmos a política, como candidatos e eleitores.
Nesse contexto, a Igreja concebe a política como uma das formas mais preciosas de caridade, pois deveria estar orientada ao bem-estar social, à justiça e à igualdade. “O Papa Francisco qualificou a política como uma das formas mais altas da caridade, de exercer a promoção da vida. O grande problema é que esse valioso instrumento é corrompido por dinamismos egoístas e soberbos, que o transformam em algo sujo e nocivo”, afirma padre Ailsom José Salaroli, vigário na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Santarém (PA). Segundo o jesuíta, apesar dessa realidade, não podemos negar a sua importância para a sociedade e excluí-la do atuar eclesial. “É missão cristã envolver-se na política manifestando, profeticamente e com o espírito evangélico, uma dinâmica promotora de vida e inclusão”, defende.
O padre José Laércio de Lima, secretário para Paróquias, Igrejas, Santuários e Capelanias da Província dos Jesuítas do Brasil – BRA, também reforça essa ideia. “Todos nós somos convidados a vivenciar a vida política, seja pelo voto consciente e livre, seja pelo compromisso direto partidário ou pela atuação política direta, pois precisamos ajudar na construção de um mundo justo e fraterno”, ressalta.
Assim, a construção de um Brasil mais igualitário passa pela compreensão de que a política é, antes de tudo, um serviço à população, que deveria ser o principal chamado daqueles que se candidatam a cargos públicos. No entanto, infelizmente, os altos salários e os benefícios extras ainda são os principais atrativos para aqueles que pleiteiam funções no Executivo e no Legislativo.
Apesar do cenário atual, como cidadãos, não devemos perder a esperança de que esse quadro pode ser revertido. A agente de pastoral Fátima Aparecida Moraes, 53 anos, acredita que é possível mudar o Brasil, mas ressalta que isso só acontecerá a partir da participação de todos na vida política. “Precisamos nos informar, nos conscientizar, ou seja, tudo passa pela educação. Temos que participar dos espaços políticos, não é só votar, temos que acompanhar, cobrar, reivindicar nossos direitos”, afirma.
Trabalhando há 21 anos na paróquia jesuíta São Francisco Xavier, em Belo Horizonte (MG), Fátima fala sobre a importância de nos percebermos como corresponsáveis pelo País em que vivemos. “Reitero que precisamos nos informar. É importante, por exemplo, conhecer a Constituição Federal, as demais leis específicas que regulamentam cada direito. Se não conhecemos, não participamos do processo, ficamos de fora. Uma questão são as verbas públicas federais, que são repassadas por meio de projetos do Executivo e dos Conselhos Estaduais e Municipais. E estes são paritários, pois metade dos conselheiros são do governo e a outra metade são representantes da sociedade civil, cidadãos como eu e você. É aí que se definem as políticas públicas e o repasse de verbas para executá-las. Por isso, é essencial conhecer a estrutura (veja ao lado) e os mecanismos dos poderes Legislativo, Executivo, Ministério Público e Judiciário”, reforça.
CRISTÃO NA POLÍTICA
Os cristãos têm papel importante na construção de uma sociedade com cidadãos mais ativos politicamente. Como seguidores de Cristo, somos impelidos a não nos calar em meio às injustiças e às desigualdades sociais. A agente pastoral Fátima lembra que Jesus foi um ser político durante sua vida toda. “Ele se preocupava com as pessoas, tinha cuidado com os mais fracos e, por meio dos gestos mais simples, tinha compaixão dos sofredores. Se queremos seguir Cristo, temos que agir como Ele”, defende.
Padre Laércio afirmar que animar os cristãos no âmbito da atuação política também é papel da Igreja. Para ele, a Igreja, pelo exemplo de Jesus, tem a missão de incentivar homens e mulheres a segui-Lo de modo mais atuante, comprometido e libertador. “Hoje, viver a fé no campo da política exige do cristão católico ir além de um proselitismo vazio. Precisamos levar, de verdade, o Evangelho de Jesus Cristo às realidades duras e desafiadoras nos dias atuais”, ele diz.
O jesuíta lembra que 2018 é o Ano do Laicato no Brasil e reforça que o papel do leigo é fundamental para a política no sentido de buscar o bem comum. “Ser leigo é viver uma vocação específica; sendo uma vocação, é um chamado a ser povo de Deus não longe da realidade, mas inserido na sociedade; é um chamado à atuação, ao serviço, como protagonista de uma Igreja em Saída e que vive a alegria do Evangelho”, destaca. Segundo ele, isso exige dos leigos consciência social crítica, que fará com que “os cristãos não caiam nas armadilhas atuais de retorno à barbárie, ao fechamento e a um passado vergonhoso de negação de direitos e de obtusidade intelectual”, ressalta.
Lidiane de Aleluia Cristo, colaboradora do SARES (Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental), também reforça a fala do padre Laércio sobre a importância da conscientização política. “Atualmente, há cristãos bem conscientes do seu papel na sociedade. Por outro lado, também há muitos que estão em um abismo profundo de intolerância e de ignorância”, afirma a jovem de 29 anos.
Formada em Serviço Social, Lidiane ressalta que muitos cristãos esquecem que estão a serviço do Reino de Deus, que, em primeiro lugar, busca o compromisso em favor da vida. “A política é uma das formas de semear as ideias e práticas do Reino, mas o que vemos por aí são práticas contrárias e que acabam incentivando a exclusão, o abandono, a corrupção e a exploração. É preciso que nossa fé se mostre para além dos templos, missas e cultos. É preciso estar ao lado do povo”, diz.
“Os leigos são protagonistas de uma Igreja em Saída e devem ser capazes de manifestar a atitude samaritana em um mundo golpeado e ferido por tudo aquilo que não condiz com o Reinado de Deus”
Pe. Ailsom José Salaroli, vigário na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Santarém (PA)
Para o cristão, o atuar político, tanto no âmbito da política partidária, como no dia a dia, deve ser orientado pelos valores evangélicos. “Os leigos são protagonistas de uma Igreja em Saída e devem ser capazes de manifestar a atitude samaritana em um mundo golpeado e ferido por tudo aquilo que não condiz com o Reinado de Deus”, diz padre Ailsom. Ele alerta que o grande perigo é restringir a dimensão política ao partidarismo. “Geralmente, quando isso acontece, ficamos cegos e presos às nossas justificativas egoístas e não buscamos promover o diálogo respeitoso, que favoreça a busca pelo bem comum”, explica.
Na busca pelo bem comum, o papel da Igreja e das congregações e ordens religiosas, como a Companhia de Jesus, é ser agente da reconciliação e da paz, ainda mais em cenários de polarizações políticas. Para padre Laércio, tudo que for contrário a isso não pertence, ou deveria pertencer, a quem se diz seguidor de Jesus. “O papel do cristão deve ser o de reconciliador e construtor de pontes”, acredita.
Assim, o cristão deve ajudar as pessoas a perceberem o valor e a riqueza da democracia, na qual a diversidade é essencial. “A dificuldade deste trabalho está justamente no exagero e no radicalismo de colocar os próprios interesses no centro. Enquanto pensarmos, primeiro, em nós mesmos e não colocarmos o olhar no outro, será muito difícil construir essa sociedade justa que desejamos. O individualismo é contrário ao projeto comum de fraternidade ensinado por Jesus”, salienta padre Laércio.
No Brasil, às vésperas de mais uma eleição, as iniciativas da Igreja se mostram importantes para a formação política. “Em relação aos cristãos católicos, percebemos uma atuação organizada nas estruturas, tanto que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou a Cartilha das Eleições 2018 para trabalhar nas bases. Além disso, muitos organismos e pastorais realizam atividades de formação e conscientização política. Porém, como jovem, acredito que a Igreja deveria se dedicar mais na formação sobre fé e política para a juventude”, afirma Lidiane.
Nesse cenário, as paróquias têm papel fundamental na vida política das comunidades, pois é espaço de formação, de conhecimento e, sobretudo, de conversão. “É na comunidade que nascem as vocações, que formam os sujeitos eclesiais. Por isso mesmo, a paróquia poderia assumir, sem medo e sem antipatia, a política como um dos eixos de atuação, pois ela incide sobre a vida das pessoas e do mundo, decididamente”, acredita Lidiane.
Saiba mais sobre a relação entre Política e Fé no vídeo que preparamos para você:
PARÓQUIAS JESUÍTAS
Distinguindo-se por sua espiritualidade inaciana, as paróquias jesuítas são conhecidas por valorizar o diálogo e a vida comunitária. Hoje, a Companhia de Jesus entende que cinco características principais orientam a atuação das paróquias nos locais em que estão inseridas. Uma delas é a dimensão solidária. “Essa solidariedade deve ser expressa em uma vida comunitária voltada para o bem comum, de modo especial, manter um olhar profundo para com a realidade. Como nos lembra o Papa Francisco, a Igreja não deve ser autorreferencial, mas deve sair, olhar para fora, se arriscar sem medo de se sujar quando decide ir em busca da ovelha perdida. A dimensão política em uma paróquia jesuíta está imbuída desse espírito, ou seja, a prática da fé pede, de cada um de nós, uma atuação na polis, na cidade, na sociedade. Assim, a Igreja será parceira na busca da promoção da justiça e da paz”, explica padre Laércio.
Em Belo Horizonte (MG), a Paróquia São Francisco Xavier exerce esse papel junto às comunidades onde está inserida. Localizada na região Norte da capital mineira, que tem um dos menores índices de desenvolvimento humano (IDH) do País, a paróquia jesuíta tem 11 igrejas espalhadas em cinco bairros. A grande vulnerabilidade social da região aumenta a responsabilidade para com a população local. Segundo Fátima, agente de pastoral, o acolhimento das pessoas e a promoção de atividades de formação são importantes para mudar esse contexto. “Temos que promover a conscientização política para darmos resposta a este cenário em que vivemos hoje aqui e no Brasil. Só podemos dar uma resposta se participarmos da política, no bom sentido da palavra”, brinca. Para ela, a Igreja, por meio das paróquias, tem grande responsabilidade, pois seus ensinamentos e mensagens atingem muitas pessoas. “Durante a semana, todos nós passamos por muitos desafios e, em muitos momentos, sentimos desesperanças. Na paróquia, as pessoas vêm buscar forças para viver o seu dia a dia. Neste contexto, cabe aos padres, em suas homilias, animar o povo, dando esperanças de que é possível, sim, mudar este nosso País tão injusto”, acredita.
“Durante a semana, todos nós passamos por muitos desafios e, em muitos momentos, sentimos desesperanças. Na paróquia, as pessoas vêm buscar forças para viver o seu dia a dia. “
Fátima Aparecida Moraes, agente de pastoral na São Francisco Xavier, em Belo Horizonte (MG)
Ela conta que, antes das próximas eleições, a Paróquia oferecerá um encontro que abordará essa temática. “Como agente pastoral, articulei uma pessoa da Arquidiocese do Movimento Mineiro de Fé e Política para dar palestra de como é importante votarmos, mesmo em uma realidade política desanimadora, é dever do cristão votar. Só através do voto mudaremos o País”, afirma Fátima.
Em Santarém (PA), o padre Ailsom, da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, destaca a ação pastoral na construção da mentalidade política cristã. “Em nossa paróquia, está muito presente o aspecto devocional e sacramental, porém procuramos fazer uso dessas mediações para elaborar a compreensão de que não se pode pensar numa dinâmica cristã autêntica abrindo mão do compromisso com o bem comum. Não devemos nos conformar com uma espiritualidade intimista, a salvação individual passa, necessariamente, pela salvação do outro e também da realidade na qual estamos inseridos”, conta.
O jesuíta afirma que é fundamental que toda iniciativa de formação se estruture com a intenção de ajudar os fiéis a tomarem consciência de sua responsabilidade apostólica no mundo e a perceberem a paróquia como lugar de formação integral. “Toda perspectiva de formação paroquial deve colaborar para a construção de uma visão mais ampliada da vivência da fé cristã. Os cristãos são convocados à santidade inserindo-se nas realidades temporais, contextuais e políticas”, explica padre Ailsom. Ele afirma ainda que o corpo paroquial deve ser uma fecunda rede apostólica a serviço da promoção da vida. “Nesse sentido, procuramos também criar parcerias com alguns projetos de promoção humana/social (escola de música e artes, associações comunitárias, voluntários assistenciais – psicólogos e agentes de saúde –, entre outras iniciativas da sociedade), além da pastoral do menor e da saúde. Temos consciência da necessidade de uma formação cristã integral que seja capaz de vincular fé e vida”, ressalta ele, acrescentando “precisamos entender também que cada pessoa tem seu próprio processo de tomada de consciência, isso exige paciência e caridade no corpo comunitário”.
Como ressalta padre Ailsom, cada comunidade tem seu tempo no processo de tomada de consciência. Em Manaus (AM), na área Missionária Santa Margarida de Cortona, a comunidade foi à luta. “Motivados pela Campanha da Fraternidade da CNBB e pelo plano de evangelização da paróquia, conseguimos nos organizar para melhorar a rua, a fonte de água que estava atrás da igreja, a coleta de lixo, para que não fosse jogado de forma desordenada. Além disso, fizemos missões nas casas das famílias do bairro e ainda conseguimos articular grupos de economia solidária. Isso demonstra que é possível fazer organização comunitária mesmo diante das adversidades”, conta Lidiane.
Para ela, é essencial que as paróquias contribuam, cada vez mais, com a formação consciente dos leigos. “É preciso instigar a comunidade a se perguntar: qual nossa responsabilidade como cidadãos para que o Reino de Deus aconteça? Que justiça queremos? Qual o nosso compromisso com os rostos feridos pela falta de direitos? Quais compromissos assumimos em favor da criação? Precisamos recusar a tentação de uma fé intimista, egoísta, que visa apenas atender meus desejos, como se Deus fosse nossa ‘máquina de pedidos’. O convite é para que, de forma contínua, possamos superar essa tentação e voltar o coração a Jesus encarnado em nossas realidades, entender sua experiência histórica e salvífica na humanidade, e, assim, assumir seu projeto de vida, o Reino de Deus para todos e todas”, afirma.
Segundo Fátima, agente de pastoral e articuladora da área de Ação Social da Paróquia São Francisco Xavier, como cristãos, temos de sempre ter esperança. “Não podemos deixar de votar. Acredito que toda regra tem exceção: entre os candidatos ruins e/ou corruptos, existem os candidatos bons e não corruptos. E são esses últimos que temos que encontrar para elegermos. Mas insisto: votos brancos e nulos têm consequências sérias. É muito importante votarmos, pois nós damos o poder, mas nós também podemos tirá-lo, lembra?!”, finaliza.
*Essa matéria foi publicada na 48ª Edição do informativo Em Companhia (Setembro 2018). Quer ler a edição completa? Então, clique aqui!