O escritor e educador, Irmão Marcos Epifanio, SJ, identificou o chamado de Deus ao sentir seu coração arder na prática do bem, por amor a Jesus Cristo, por meio do carisma inaciano. “Escrever é um ato de liberdade da palavra que quer existir; é um gesto de ser em equilíbrio em um mundo caótico”, compartilha Irmão Epifanio ao informativo Em Companhia. Confira:
Ir. Marcos Epifanio, conte-nos um pouco sobre a sua história, família, onde nasceu…
Sou natural de Maceió, em Alagoas, uma cidade e um estado em que não há, na atualidade, jesuítas morando, nem mesmo a presença de alguma obra da Companhia de Jesus – na verdade, as últimas obras jesuíticas no meu estado natal remontam ao tempo pré-supressão da Companhia, no século XVIII, com cidades históricas fundadas pelos jesuítas de então.
Eu faço parte de uma geração cujos pais mudaram-se do interior para a capital. Com isso, fui formado e mantenho laços nesses dois macroambientes, o citadino e o campesino. Pude viver o melhor desses dois mundos: acessos a facilitadores da vida moderna da capital do Estado, bem como passeios em carros de boi, colher fruta madura no pé dos pomares e acompanhar pescarias e atividades em casas de farinha, com toda a beleza cultural e ética que isso implica.
Como conheceu a Companhia de Jesus? Por que decidiu ser jesuíta?
Estudei toda a Educação Básica em um Colégio levado por freiras que, quando de minha adolescência, ‘lançaram as redes’ e me apresentaram à Companhia de Jesus como uma possibilidade de seguir os anseios que eu lhes apresentava com minhas perguntas e partilhas sobre Deus e o sentido da vida.
Daí a começar a ser Jesuíta foi um caminho marcado por grandes rupturas pessoais, próprias de inícios de resposta à vocação: aos 16 anos, saber que não mais voltaria a morar em minha cidade natal, pois não havia obras da Companhia nela; ser, em minha família, a primeira geração a viver como consagrado na Vida Religiosa; lançar-me em uma aventura que eu não sabia por onde iria me levar e que me conduziu a ser feliz cruzando oceanos ou fincando-me por anos em uma mesma missão.
A essas rupturas e aventuras, agrego o fato de decidir ser jesuíta por sentir o coração arder, como ainda arde, ao fazer o bem no mundo no carisma inaciano por amor à pessoa de Jesus e ao Reino de Seu Pai. Em resumo, sou Jesuíta Irmão, pois, quando Deus chama, chama.
Quais as experiências mais marcantes o senhor vivenciou durante sua formação como jesuíta?
Dentre as tantas memórias agradecidas que esta pergunta, de imediato, me provoca, posso destacar aqui três experiências fundantes para mim, a saber:
Ter participado de uma missão popular, no estilo de uma imersão experiencial, na periferia de Recife-PE, no final dos anos 1990, e poder me vincular com a mística e a sabedoria de um povo engajado socioeclesialmente com a beleza da vida sofrida e doada pelo bem da comunidade.
Destaco ainda ter vivido os anos iniciais da minha formação na Companhia de Jesus junto a companheiros de várias nações, em especial, espanhóis e italianos, que me mudaram o modo de ver a vida e de sorvê-la com a sabedoria que me apresentavam naturalmente, dados os muitos anos de consagração por eles vividos majoritariamente com equilíbrio, perseverança e paz.
Por fim, foi simbólico e reconfortante, em minha história pessoal, ter sido enviado para viver e estudar em outros países, o que ampliou minha visão de mundo e me fez gostar ainda mais da terra onde nasci e onde hoje tento amar e servir, com alegria, à Igreja e à Companhia Universal.
Atualmente, o senhor é o diretor geral do Colégio São Francisco Xavier. O mestrado em Gestão Educacional, que o senhor fez, teve como meta o trabalho com educação? Como essa formação tem ajudado na sua atual missão?
Toda a formação que um jesuíta recebe é em favor e melhoria da missão imediata ou a ser dada no futuro. Ter feito um curso stricto sensu seguramente oportunizou-me condensar conceitos, cristalizar percepções prévias e analisar práticas educativas desde o ponto de vista da academia, dissertando, ao final do curso, sobre dois grandes campos: identidade institucional e prática docente.
Ajuda muito a sair de meu quarteirão profissional saber e entender, por exemplo, os amplos movimentos atuais quanto à internacionalização das políticas educacionais e seus impactos em obras educativas confessionais, tanto como a que agora gestiono, como os mais de 800 outros Colégios levados pela Companhia, apenas para falar da presença jesuítica na Educação Básica mundial.
Quais os maiores desafios, hoje, para um educador?
Como gestor e como professor, percebo que um dos maiores desafios para os educadores de hoje é decantar o dado e o fato que já não podemos ensinar apenas do modo como fomos ensinados; há que atentar para que já não se consegue responder plenamente às demandas atuais de educação e da humanização levando em consideração apenas a dimensão intelectual, o nível neural, o raciocínio lógico ou a fixação pela memorização, como era a praxe pedagógica vigente no passado e, até mesmo, no passado recente.
As gerações de estudantes atuais já não vão aprender do modo como aprendemos em nossa geração. A mudança no sintagma “aprender a aprender” acarretou, necessariamente, uma mudança no sintagma “aprender a ensinar”.
Diante das polarizações ideológicas e propostas excludentes e que negam o valor das ciências humanas, qual a contribuição da pedagogia inaciana para a construção de um mundo mais justo e igualitário?
O Paradigma Pedagógico Inaciano tem sua riqueza e caracterização em três pilares: Experiência, Reflexão e Ação. A essa tríade, agregaram-se ainda duas outras bases: Contexto, prévio à Experiência, e Avaliação, posterior à Ação.
Dada essa premissa, pode-se dizer, em grandes linhas, que: ao se analisar profundamente o Contexto, entende-se a polarização vigente e suas consequências; ao se embasar na Experiência, entende-se o histórico que nos fez chegar ao momento atual; ao se apoiar na Reflexão, geram-se saídas e soluções possíveis; assim, a Ação poderá ter mais resultados positivos e reconciliadores; para que a Avaliação serena e englobante do todo possa servir de marco pétreo para criação de novos Contextos, em si, voláteis e geradores de novos ciclos paradigmáticos.
O senhor também escreve livros. Conte-nos um pouco sobre a influência da formação jesuíta e sua espiritualidade nos processos criativos.
Entre monografias, organizações, escritos avulsos e livros editoriais, já são 11 as publicações que vieram à luz nos últimos anos. Isso me alegra, pois, para mim, escrever é um ato de liberdade da palavra que quer existir; é um gesto de ser em equilíbrio em um mundo caótico. Escrevo essencialmente para ajudar a outros a saberem-se e sentirem-se amados e cuidados.
Tal percepção quanto à criação e exposição textual está intrinsecamente ligada à minha espiritualidade, que é a inaciana: entendo que sempre escrevo ‘para’, ou seja, para a maior glória de Deus – ad maiorem Dei gloriam (a.m.D.g.). E, também por isso, tento que os livros que publico tenham essa preposição em seus títulos ou subtítulos: Cartas para reformar a vida; Luz, Câmera, Oração – 30 Filmes para ajudar a rezar; Dicionário de Sentimentos – para um caminho do amor ao serviço. Tudo isso porque fomos criados para amar e servir.
Para ter acesso a essa e outras reportagens, acesse a edição 56 do informativo Em Companhia.