Conte-nos um pouco sobre sua história e família
Nasci numa cidadezinha do interior do Ceará chamada Aracoiaba. Esse nome vem de um rio que atravessa o município e tem duas origens: Aracoiaba ou Aracoaguaba, o primeiro vem do tupi-guarani e significa lugar do canto das aves e o segundo, lugar onde as aves gorjeiam. É importante ressaltar que a história da cidade se mistura à atuação dos jesuítas no processo de catequização dos índios que habitavam a região. De certa forma, o meu enamoramento pelos jesuítas começou por meio da ação evangelizadora dos missionários que passaram por essas terras.
Sou o sétimo de dez filhos de João Gomes e Maria Laurita. Meus pais se casaram em 1960, ou seja, este ano completaram 60 anos de vida compartilhada, experimentada com a graça de Deus. Passei minha infância e parte da juventude em Carnaúbas, depois, nos mudamos para Ideal, em Aracoiaba. Confesso que foi um tempo muito difícil, porém vivido com intensidade, cheio de amor, de alegrias, de tristezas e de aventuras.
Desde criança, minha mãe me levava para as rezas do terço que aconteciam nas famílias vizinhas, isso me enchia de alegria, tanto que, aos 11 anos, fiz a Primeira Eucaristia e, logo, comecei ajudar na catequese. Engajado nas atividades pastorais, às vezes, ouvia as pessoas me chamarem de padre, mas não gostava. Me recordo de que, quase todos os anos, íamos para a festa de São Francisco das Chagas, em Canindé (CE). Eu ficava encantado com as vestes dos romeiros que iam a caráter pagar suas promessas. Sempre tive uma devoção especial a São Francisco.
Como conheceu a Companhia de Jesus? Por que decidiu ser jesuíta?
Certa vez, o padre da minha Paróquia me convidou para um processo vocacional, cheguei a participar de alguns encontros, mas senti que não era o momento oportuno, precisava amadurecer. Inquieto, buscava uma causa que desse sentido à minha existência, planejava lutar por um mundo mais justo e igualitário. Para isso, me inspirava nos ideais de meu pai, que vive para ajudar os outros. Por estar sempre envolvido nas atividades pastorais, sentia o desejo de ser missionário, sem nem saber o que significaria isso.
Quando concluí o Ensino Médio, tinha o sonho de cursar faculdade, porém, onde morava, não havia como continuar meus estudos. Então, resolvi viver com meu irmão em Fortaleza (CE). Comecei a trabalhar, porém ganhava muito pouco, mal dava para pagar as contas, mas queria ser independente, ir em busca dos meus sonhos.
Na época, participava da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, era catequista e ministro extraordinário da comunhão. Percebia algo diferente na ação pastoral desenvolvida na paróquia e, depois de certo tempo, fiquei sabendo que os jesuítas eram os responsáveis pela sua administração. Certo dia, conversando com um jovem da minha comunidade, recebi um encarte sobre as etapas de formação dos jesuítas e fui questionado se queria fazer uma visita ao Centro Vocacional para conhecer a Ordem religiosa.
No dia seguinte, fui com ele até lá e “dei de cara” com o Pe. Luiz Araújo Júnior, que conheci nas missas e sempre me chamava para ir ao Centro Vocacional, mas eu sempre inventava uma desculpa e nunca aparecia. Quando me viu, ficou surpreso e perguntou: “o que fazes aqui?”. Fiquei superenvergonhado. Ele, então, me apresentou aos jovens vocacionados que me acolheram muito bem.
Naquele mesmo ano, fiz o acompanhamento vocacional para discernir se, realmente, aquilo que eu buscava para minha vida era da vontade de Deus. No ano seguinte, fui convidado a fazer uma experiência em Teresina (PI). Creio que o mais difícil foi falar para minha família que, até então, não sabia que eu estava fazendo um processo de discernimento.
Passei alguns dias pensando e tive a coragem para falar, meu pai disse “você está ficando louco? Deixar sua família, amigos e trabalho?”. Entendi sua preocupação, porém minha mãe e minhas irmãs disseram: “se é para sua felicidade, vá em frente”. Em 2005, chegou o esperado dia, minha mãe e minha irmã me levaram até a comunidade, pois, à tarde, viajaria para Teresina. Ainda me lembro quando elas saíram, não contive o choro, parecia que eu estava deixando um pedaço de mim, mas senti uma forte moção interior, “avance para as águas mais profundas” (Lc 5,4).
Quais as experiências mais marcantes o senhor vivenciou durante sua formação como jesuíta?
A experiência de morar em outra cidade, aprendendo a viver um estilo de vida de comunidade com pessoas de outros lugares, apesar das nossas diferenças, o que nos unia era o mesmo ideal, conhecer o Cristo amigo para mais amá-lo e segui-lo. Foi aí que me dei conta do que é ser jesuíta, homens movidos por uma profunda gratidão e amor a Cristo, reconhecendo-se pecador, mas reconciliados pela misericórdia de Deus. Aqui está o cerne da espiritualidade inaciana que me fez sair de mim para ir ao encontro dos outros em vista do bem mais universal. Aquele ideal de vida que, até então, estava na minha memória afetiva, que sonhava em ser missionário, foi se concretizando.
Durante a minha formação no Noviciado, em Feira de Santana (BA), vivi experiências que me tornaram a pessoa que sou hoje. A primeira foi uma profunda experiência com os Exercícios Espirituais de 30 dias, que me levou a ser conduzido pela ação do Espírito para uma verdadeira entrega da vida a partir de um encontro pessoal com Jesus. Esse encontro da criatura com o Criador me iluminou a elaborar o meu projeto de vida à luz do evangelho, que me fez compreender qual o princípio que regia a minha vida para buscar e realizar a vocação para qual fui criado: testemunhar com alegria as maravilhas de Deus e em tudo amar e servir.
A segunda experiência foi no trabalho voluntário em um hospital psiquiátrico e no hospital geral. Foi quando, realmente, vi e senti a dor do Cristo irmão no rosto de tantos necessitados. O sentimento era de impotência diante da situação de degradação humana, não podia fazer muita coisa, simplesmente acompanhar o sofrimento de tantos irmãos e ser presença.
A terceira experiência foi de peregrinação, em que saí de Oeiras (PI) a Juazeiro do Norte (CE). Foram cerca de 13 dias de caminhada, da qual tirei bom proveito: primeiro, uma certeza de que Deus nunca desampara ninguém; depois, um Deus que vai se revelando nos rostos de tantas pessoas generosas que estenderam suas mãos para acolher um “estrangeiro”.
Por fim, em 24 de janeiro de 2009, fiz a profissão dos primeiros votos perpétuos a Deus por meio da Companhia de Jesus. Após os votos, segui para o Juniorado em João Pessoa (PB), experiência que me ajudou a assumir, com firmeza, a vocação e a me integrar ao Corpo Apostólico da Companhia.
Como a sua formação em Serviço Social pode agregar ao trabalho pastoral?
Em 2010, fui cursar Serviço Social na Universidade Católica de Salvador, na Bahia e passei a colaborar na missão em uma comunidade apostólica em dispersão, onde fiquei por nove anos trabalhando no Colégio Antônio Vieira, a princípio, como pastoralista e, depois, como assistente social, o que me deu experiência técnica para intervir, de forma efetiva, nas realidades sociais.
Atualmente, o senhor coordena o Centro Jesuíta de Cidadania e Ação Social. Fale-nos sobre o seu trabalho.
No final de 2019, fui destinado para coordenar o Centro Jesuíta de Cidadania e Ação Social de Cascavel (PR). Para contextualizar, o CJCIAS desenvolve o Programa de Promoção da Integração ao Mundo do Trabalho e tem como foco a mulher na complexidade das suas relações de gênero, familiares, sociais e de trabalho. Uma das metas é promover o acesso aos direitos, contribuir para melhoria da qualidade de vida, fortalecendo o exercício da cidadania e a integração ao mercado de trabalho. Além disso, acompanho atividades com a juventude e vocações, fico feliz em poder ajudar os jovens a elaborar seus projetos de vida e a proporcionar uma experiência com os Exercícios Espirituais.
Em tempos de pandemia e já pensando também no pós-pandemia, quais os principais desafios da sua missão?
Confesso que a pandemia desestabilizou todos nós, fomos surpreendidos e forçados a reinventar as nossas ações. Em relação ao CJCIAS, tivemos que suspender as atividades visto que boa parte do nosso público se encontra em situação de risco, porém aproveitamos esse tempo para capacitar nossos colaboradores.
Já o trabalho com a juventude está sendo feito de forma virtual. Só nesse tempo de pandemia, realizamos um retiro temático de 30 dias sobre o silêncio e desenvolvemos, em parceria com a Pastoral da Juventude Nacional, uma atividade sobre projeto de vida para jovens.
Creio que, no pós-pandemia, não teremos tantas mudanças, a vida tem que seguir, o bonito do ser humano é a sua capacidade de ser resiliente e de recomeçar sempre. O sentir-me desafiado me faz viver e encarar a vida com mais ânimo e confiança, pois não estou sozinho, conto sempre com a graça de Deus e a colaboração dos que partilham da mesma missão. Concluo essa peregrinação com um trecho da versão de Rita Lee para a música In My Life (Minha vida), dos Beatles:
Tem lugares que me lembram minha vida, por onde andei
as histórias, os caminhos
o destino que eu mudei
cenas do meu filme em branco e preto
que o vento levou e o tempo traz
entre todos os amores e amigos
de você me lembro mais.