Mensagem pelo bicentenário da Independência do Brasil

Rio de Janeiro, 07 de setembro de 2022. 

Carta Circular 2022/13

Aos Jesuítas Diretores e Colaboradores na Missão da Companhia de Jesus

Assunto: Mensagem pelo bicentenário da Independência do Brasil

 

Caros companheiros, 

Hoje, o Brasil completa 200 anos de sua independência de Portugal. Está gravada no imaginário dos brasileiros a imagem de D. Pedro I montado em um cavalo gritando o famoso “Independência ou morte”. Esse “grito do Ipiranga” inspirou o nome “Grito dos Excluídos” para as manifestações promovidas desde 1995, pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos da Brasil) e por outras entidades como uma alternativa ao triunfalismo dos desfiles cívico-militares e desejando colocar os mais vulneráveis na pauta desse dia, com a reflexão sobre que País estamos construindo e para quem o construímos.

Se esse bicentenário ocorresse anos atrás, em ano de eleições e de Copa do Mundo, certamente haveria uma grande festa, preparada com muita antecedência e por diversos âmbitos da sociedade: entidades educativas, culturais, sociais e até mesmo as religiosas. E as nossas divergências apareceriam no ufanismo de alguns, que promoveriam grandes espetáculos, e no criticismo de outros, que fariam estudos e análises em eventos talvez chamados de “outra independência é possível”, ou “novos gritos são necessários” etc. Era essa polarização que estávamos acostumados em um passado recente.

Infelizmente, não vivemos uma polarização equilibrada, mas amplamente radicalizada e até o que deveria ser uma festa de liberdade para manifestação de cidadania, acaba se tornando um momento de lutas e divisões. Em Brasília e no Rio de Janeiro, os eventos do Sete de Setembro estão mobilizando tamanha força policial que parece mais os preparativos para uma batalha campal que os de uma festa. 

O bicentenário ocorre próximo às eleições gerais e teme-se que esse ambiente bélico prossiga durante todo o processo eleitoral e, até mesmo, além dele. Como em todas as eleições, nosso futuro enquanto sociedade é discutido, questionado e avaliado. Novas propostas surgem, novos empenhos são prometidos, novos horizontes são vislumbrados. Cada eleição é um tempo propício para a sociedade rever sua caminhada, fortalecer as boas realizações e apontar novos caminhos.

Diante disso, escrevo a todos vocês para que possamos refletir sobre qual é a nossa postura diante desse cenário. Neste ano, somos convidados a discutir os rumos de nosso país que enfrenta tantos desafios como o desemprego, a pobreza, o expressivo aumento das populações de ruas, a precarização do trabalho, a desindustrialização, a falta de moradia e de educação de qualidade, a necessidade de melhoria no sistema de saúde pública, os ataques contra a liberdade religiosa e a laicidade do estado, a diminuição dos direitos das minorias, a degradação dos ecossistemas, principalmente da Amazônia, apenas para citar alguns temas. No Brasil atual, fortalecer nossa democracia, diante das polarizações exacerbadas e ideologias de morte, é necessário e urgente. Vivemos o desafio de um processo eleitoral movido por ódio, violência, fake News, ataques pessoais e desentendimentos nos mais diversos âmbitos e grupos sociais. 

Enfrentar e superar esses vícios ainda presentes em nossa sociedade brasileira é, como não cansa de repetir o Papa Francisco, o único caminho para fazer da política, “a forma mais alta e maior da caridade”. Porque, continua o Papa, “o amor é político, isto é, social, para todos”. Uma política sadia, democrática, preocupa-se com o bem comum, com o crescimento sustentável, com a realização da justiça socioambiental e, especialmente, com os mais vulneráveis da população. Para o Papa Francisco, sendo a política o lugar da busca constante do bem comum, ela é fonte de vida para todos e deve ser buscada construindo pontes.

Na atual conjuntura social brasileira, na qual essa eleição está inserida, dialogar, ouvir e construir pontes tornou-se difícil, pois o partidarismo radicalizado leva a posturas de enfrentamentos e de intransigências que não ajudam na busca de consensos. A dificuldade em criar diálogos sadios e frutuosos está presente em toda parte, inclusive em nossas obras apostólicas e comunidades religiosas. Mas recordo as palavras de Dom Pedro Casaldáliga: “Quanto mais difíceis são os tempos, mais forte deve ser a esperança” e queremos ser a voz da esperança e não dos lamentos; não queremos semear o desânimo e sim despertar o fôlego de quem tem um caminho a seguir. E sabemos que o percurso para enfrentar essas dificuldades passa pela tolerância, pelo reconhecimento, pelo diálogo, pelo consenso, pela justiça e pela paz. Todos somos agentes políticos, pois essa ação não é exclusiva de nossos representantes eleitos. Viver essa eleição em um clima democrático, construtivo e dialogal, pode ser nossa única oportunidade de, politicamente, contribuir para a sociedade que sonhamos, ou seja, uma sociedade que estimule e favoreça os grandes debates sobre as políticas públicas e os rumos da nação, que seja orientada pelo bem comum e pela vivência cidadã e que valorize as instituições democráticas em suas funções constitucionais. 

A Congregação Geral 36° (2016), no seu Decreto 1, afirma que somos “Companheiros numa missão de reconciliação e de justiça”. Com os olhos postos no mundo, damo-nos conta de que Deus atua na realidade. Assim, nossas obras apostólicas e comunidades religiosas são vocacionadas a criar ambientes de encontro e partilha, convertendo-se em espaços de verdade, de alegria, de criatividade, de perdão, de busca da vontade de Deus, de reconciliação; numa palavra, em lugar de discernimento (CG 36°, d.1, n.10). Neste momento de discernimento político, que só é possível com o pressuposto do diálogo e do desejo de construir pontes, acreditamos nas reais possibilidades de consolidação da nação brasileira como um verdadeiro Estado Democrático de Direito, mesmo estando conscientes dos imensos desafios que temos por diante. 

O cenário atual exige discernimento a partir da escuta do Evangelho. A dignidade humana, a justiça, a paz e o futuro estão em jogo. A referência do discernimento é a Lei de Cristo, o amor (Jo 13, 34). A dimensão social do amor “é uma força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje e renovar profundamente, desde o interior, as estruturas, organizações sociais, ordenamentos jurídicos” (Fratelli tutti, 183). O amor social é sempre um amor preferencial pelos mais pobres. “A amizade com os pobres nos torna amigos do Rei Eterno” (Sto Inácio de Loyola). As angústias dos pobres devem ser as nossas angústias. Portanto, não nos esqueçamos dos pobres (Gal 2, 10), são eles a carne de Cristo (Mt 25,31-46). 

Os bispos do Brasil, na 59ª Assembleia Geral da CNBB, insistem para a cultura do diálogo e da busca do bem comum. Sintonizado com nossos bispos, convido a todos que se envolvam nas reflexões e sobretudo no que toca o entendimento e construção de pontes para um projeto de reconciliação e diminuição da polarização extremada até que se construa um ambiente de diálogo onde as diferenças e divergências sejam no sentido de pontos de vistas e não de animosidades odiosas, que levem a uma ruptura para além das ideias. Nossa missão de “reconciliar a humanidade com Deus e entre si”, torna-se mais que necessária e o discernimento de como essa missão se constrói é fundamental para que não se produza o efeito contrário, ou seja, a maior radicalização.

Que São José de Anchieta, padroeiro de nossa província e homem dedicado à promoção do entendimento e da convivência no início do Brasil, nos inspire a também sermos construtores de esperança, respeito e diálogo.

Fraternalmente,

Pe. Mieczyslaw Smyda, SJ

Provincial

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