A Estação Missionária da Companhia de Jesus, situada no município de Bonfim (RR), desde 2008, atende a 22 comunidades indígenas das etnias Wapichana e Macuxi, além da população do município e das vilas do território indígena, denominado de Serra da Lua.
Atualmente quatro jesuítas atuam na região, são eles: Setsuro Horie (Japão); Roberto Jaramillo (Colômbia); Filemón Torres (Paraguai) e Urbano R. Mueller (Brasil).
Confira carta do Pe. Urbano Rodolfo Mueller sobre o trabalho jesuíta com as comunidades indígenas.
A presença junto aos indígenas é o foco principal da nossa missão. Como sabemos (ou pelo menos deveríamos saber), os indígenas padecem de muitas discriminações e preconceitos por parte da sociedade brasileira em geral. Os políticos, os poderosos e as elites violaram e violam sistematicamente os direitos dos povos indígenas. A História registra inúmeros acontecimentos e fatos que compõem um quadro trágico de violências, mortes e injustiças praticadas contra os povos indígenas no Brasil e, evidentemente, também em Roraima.
Os indígenas do atual estado de Roraima tiveram suas terras tradicionais invadidas ao longo dos séculos pelos portugueses, espanhóis, ingleses e holandeses. Toda a região da Serra da Lua, junto à fronteira com a Guiana, onde nós jesuítas atuamos, foi sendo invadida por colonos, garimpeiros e fazendeiros, vindos de todas as partes do nosso país. Durante as décadas de 1970 e 1980, com o decisivo empenho da Diocese de Roraima e seus missionários (as), os indígenas conseguiram demarcar e homologar suas terras. Foi uma luta árdua, que desencadeou violências, mortes, ameaças e pressões de todo o tipo por parte dos poderosos locais, custando a vida de 21 lideranças indígenas.
Acontece que, por motivos diversos, a maioria das terras indígenas foram demarcadas em “ilhas”, circundadas por fazendeiros e pretensos “proprietários” de terras, que são uma ameaça constante. Nesta região da Serra da Lua não se conseguiu, na década de 1980, demarcar uma terra contínua para as diferentes comunidades indígenas. Nos últimos anos a população indígena está aumentando, a caça e pesca vão escasseando, e a mãe terra é pouca e pequena para a maioria. Este é um dos principais problemas dos povos indígenas desta região, que vivem basicamente da agricultura de subsistência. A ampliação de suas terras e a demarcação de um território contínuo tornou-se uma necessidade urgente para o futuro desses povos. O pior é que não se vislumbra nenhuma via de solução para este grave problema. Apesar de tudo, os indígenas não desistem das suas lutas históricas. E nós jesuítas queremos caminhar com eles, lado a lado, formando equipe com as Irmãs Vicentinas.
Entretanto, desde o ano passado, estávamos acalentando a ideia de inserir-nos mais profundamente na realidade da vida dos indígenas. Na visita canônica que nos fez em setembro de 2012, o superior regional da BAM, Pe. Adelson, sugeriu que logo iniciássemos um processo de discernimento neste sentido, para dar os passos necessários. Em conversas e reflexões sobre a nossa missão nesta realidade da Serra da Lua, decidimos construir uma casa de apoio numa das comunidades indígenas, aonde iriam morar dois jesuítas. A intenção primeira é a de estarmos mais próximos dos indígenas, mais inseridos em sua realidade e sermos testemunho de uma vida simples e solidária com sua realidade. Sem grandes pretensões e sem fazer muito alarde.
Começamos, então o processo de consultas à tuxaua e à comunidade de Moscou, a qual escolhemos como possível lugar de morar. Por norma geral, nenhum não-indígena pode morar ou ter propriedade em terra indígena. No nosso caso, fomos aceitos e acolhidos pela comunidade de Moscou para aí morarmos na “casa de apoio dos missionários”. Também os tuxauas e lideranças de toda a região da Serra da Lua aprovaram esta decisão na assembleia regional de novembro de 2012, o que significa um grande apoio para nós. Devidamente aceitos, os padres Horie e Urbano começaram a viver na Comunidade Indígena de Moscou, a partir de meados de março/2013. Salientamos que juridicamente formamos uma só comunidade jesuítica, que vive em duas casas e se reúne periodicamente.
Voltando um pouco no tempo, queremos dizer que o mês de março foi um período intensivo de muitas atividades pastorais como: cursos, encontros, retiros e reuniões, tanto nas vilas quanto nas comunidades indígenas. Um dos acontecimentos mais importantes foi a 42ª Assembleia Estadual dos Povos Indígenas de Roraima (Wapichana, Macuxi, Ingarikó, Patamona, Ye'kuana, Taurepang, Wai-Wai,Yanomami e Sapará), que decorreu entre os dias 10 e 15 de março. Esta assembleia realizou-se no Lago Caracaranã, na TI Raposa Serra do Sol, com a presença de 1.258 pessoas, de 153 comunidades indígenas, tendo por lema: “Fortalecendo o Bem Viver dos Povos Indígenas com a Terra, a Cultura e o Meio Ambiente”. Eu (Urbano) tive a graça de participar desta assembleia organizada pelo CIR (Conselho Indígena de Roraima). É um acontecimento extraordinário que mostra a força, as vitórias, a união e as lutas dos povos indígenas, com todos os problemas e desafios imensos que eles enfrentam. A gente fica admirado e contente por ver a capacidade de organização, de logística e de união dos indígenas de diferentes etnias. Não é fácil organizar e conduzir uma assembleia de mais de mil e duzentas pessoas, com poucos recursos e meios disponíveis. Mas o mais interessante e questionador é o convívio, a solidariedade, a partilha e os valores humanos e cristãos que se vivem e compartilham entre todos. Reina a liberdade de falar e manifestar-se; sabem ouvir o outro com grande paciência; cantar, dançar e mostrar seus valores tradicionais, que contradizem o modo capitalista de viver, apesar das muitas contradições que também os afetam. Na verdade, “um outro mundo é possível”. Muito eu poderia dizer a respeito do que ouvi e aprendi nesta assembleia dos povos indígenas. Registro aqui apenas uma frase que alguns líderes jovens repetiram várias vezes, referindo-se às lideranças mais antigas: “nós temos conhecimentos, vocês têm a sabedoria”.