Formado em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, o padre José Paulino Martins exerce a função de sócio do mestre de Noviços da Província dos Jesuítas do Brasil – BRA. Vivendo em Feira de Santana (BA), o jesuíta colabora ainda na Paróquia de Todos os Santos, em Feira de Santana (BA). Apaixonado por artes plásticas, ele conta que consegue transmitir o que pensa e sente por meio das formas e cores mais do que falando e escrevendo. Em entrevista ao informativo Em Companhia, ele ressaltou que “pintar é quase uma necessidade, é um encontro muito particular e especial comigo mesmo”.
Conte-nos um pouco da sua história.
Nasci em 20 de janeiro, dia de São Sebastião, em 1967, numa pequena colônia com cerca de 50 famílias, em Mato Grosso do Sul. Sou o primeiro filho de Sebastião e Maria e tenho três irmãs. Em 1975, nos mudamos para a cidade de São Paulo (SP), onde vivi até a entrada para a vida religiosa, aos 28 anos. Como todo migrante pobre, comecei a trabalhar cedo. Aos 10 anos, era catador de materiais recicláveis. Depois, trabalhei como balconista, metalúrgico, bancário, propagandista de laboratório farmacêutico e, por fim, montei um pequeno comércio no ramo de confecções, com a ajuda de minha irmã mais velha e de minha mãe, que eram costureiras por profissão.
Por que decidiu ser jesuíta?
A coisa mais genial que tem na vocação de uma pessoa é o modo como Deus se comunica com ela. O modo como o “Criador se comunica com a criatura”, a linguagem, a didática, a pedagogia empregada por Deus. Quando “decidi” ser jesuíta, Deus já havia me envolvido e conduzido até onde eu estava naquele momento.
Conheci a Companhia de Jesus em 1992, quando fui fazer o Retiro de Carnaval do Anchietanum. O retiro como proposta não me empolgou. Não estava acostumado a silenciar. Mas, curiosamente, sai dali considerando, pela primeira vez, a possibilidade de ser padre.
Fiz acompanhamento vocacional no Anchietanum por dois anos e meio, orientado pelo padre José Maria Herreros. Ele, com a sua simplicidade e paciência para comigo, foi aos poucos me apresentando a Companhia e a missão a ela confiada pela Igreja. E isso me empolgava a ponto de querer viver essa experiência. Sempre fui idealista e, naquele momento de minha vida, essa proposta me parecia ser a mais coerente com o que buscava, mesmo sem saber dar nome ao que estava buscando. Como todo jovem inquieto, eu estava procurando viver por uma causa que tivesse sentido.
Quais as experiências mais marcantes de sua formação como jesuíta?
Destaco duas experiências entre tantas. A primeira foi a experiência do noviciado. Um tempo muito significativo de aprendizado sobre mim mesmo, sobre Deus e sobre a Companhia de Jesus. A experiência dos Exercícios Espirituais (EE) de 30 dias e a experiência de hospital foram as mais significativas desse tempo. Os EE de 30 dias permitiram estreitar os laços afetivos com Deus e acreditar no seu amor incondicional por mim. Deus me ama não é porque sou bom ou desejo sê-lo; não é porque o sigo ou desejo segui-lo. Tampouco é pelas coisas que faço ou deixo de fazer. Deus me ama, fundamentalmente, porque sou filho Dele. Essa experiência fez com que eu começasse a olhar o mundo e a mim mesmo de modo diferente, fez com que acreditasse mais em Deus e, consequentemente, mais em mim mesmo. Deixar que Deus agisse em minha vida me deu mais liberdade diante do mundo. Feita essa experiência do amor incondicional de Deus por mim, pude confrontá-la na experiência seguinte, a do hospital. Nunca tive a mínima inclinação para o ambiente hospitalar, ao contrário, tinha muita resistência. A experiência se deu em, mais ou menos, 30 dias e aí pude vivenciar, mais uma vez, a presença afetiva e efetiva de Deus, que já estava lá me esperando num leito de hospital.
A segunda experiência marcante foi a etapa da Terceira Provação no Chile. Fazer novamente a experiência dos Exercícios de 30 dias, 14 anos depois da primeira, foi um grande presente de Deus, prova daquele amor a que me referi anteriormente. Essa segunda experiência confirmou os aprendizados da primeira e me convidou a confrontar os limites afetivos que ainda existiam no que diz respeito à abertura para as possibilidades apostólicas. Fui enviado para trabalhar por 45 dias numa casa de recuperação de dependentes químicos. Esse, como o hospital, não era um ambiente em que, afetivamente, gostaria de estar e, mais uma vez, o Senhor se mostrou presente naqueles jovens dependentes de droga, dependentes de carinho, dependentes de acolhida, dependentes de afeto, dependentes de Deus. Fui presença de Deus na vida deles, na mesma medida em que eles foram presença de Deus na minha. Somos filhos do mesmo Pai e Ele nos ama de igual maneira.
Atualmente, o senhor é sócio do mestre de Noviços, como é essa missão?
Cheguei na Bahia em janeiro de 2014, para essa missão. Cada nova missão tem a sua especificidade. Os noviços estão na primeira etapa de formação de um jesuíta na Companhia de Jesus, o que significa dizer que estão num processo contínuo de discernimento. De nossa parte, temos que dar os elementos necessários para que, no final dos dois anos, estejam aptos a professar os votos. Um dos desafios, e talvez o mais significativo, é o de ajudar o noviço a conhecer mais a Deus, a Companhia e a si mesmos. São esses elementos que os ajudarão a dizer se querem ou não a continuar o processo de formação.
O perfil desses jovens noviços mudou muito ao longo do tempo?
A tentação sempre presente é a de achar que a sua experiência foi a melhor. Mas, como disse, isso é tentação e, por ser tentação, deve ser vencida todos os dias. A experiência que os jovens vivem hoje não poderia ser, absolutamente, a que eu vivi há quase 25 anos como noviço. O jovem de hoje vive o tempo de hoje, o jovem do meu tempo não existe mais. O desafio é vencer a barreira do choque ou conflito geracional. O jovem que chega à Companhia hoje é um jovem esperto, antenado e, principalmente, conectado. E isso é muito bom, pois são fruto de sua realidade. Sem dúvida que o perfil do jovem mudou e sempre mudará. Ser jovem é ser inquieto, criativo, sonhador, idealista…E o jovem que está chegando para a Companhia é tudo isso, mas com a cabeça de um jovem do século XXI.
“Como falar da beleza de Deus quando não somos capazes de perceber a beleza do mundo? “
Além da formação em Comunicação Social, o senhor é artista plástico e pinta ícones bizantinos. O que o motivou a desenvolver o lado artístico?
Fui para a escola rural aos 7 anos. Apesar de não ter lembranças claras desse período, uma coisa me lembro muito bem. Gostava mesmo de desenhar. O problema é que não existia, naquela comunidade, cadernos para desenhos, então a professora me proibiu de continuar a desenhar no único caderno que tinha para escrever. Motivo: “está desperdiçando caderno”.
Aprendi a pintar ícones bizantinos em São Paulo, na Catedral Greco-Católica Melquitano Brasil, Nossa Senhora do Paraíso, tendo como mestre o padre Marcelo Souza Bertani, membro dessa igreja. Não sou formado em artes plásticas, sou tão somente um amante desse segmento. Pintar é quase uma necessidade. É um encontro muito particular e especial comigo mesmo.
Como a arte pode ser elemento de evangelização?
E o verbo se fez imagem e habitou entre nós. O nosso Deus é o Deus da beleza. O artista sacro Claudio Pastro diz, em seu livro O Deus da Beleza: “A beleza não é um produto do ser humano; está tão acima dele! Ela o atrai, o seduz e, assim, o ser humano não vive sem ela”. Vivemos numa cultura marcada pelo domínio da imagem. Penso que, nesta realidade, as artes plásticas podem ter papel importante no convite a um olhar mais atento e menos fugaz à realidade do mundo. Como falar da beleza de Deus quando não somos capazes de perceber a beleza do mundo?
Essa entrevista foi publicada na 45ª Edição do informativo Em Companhia (Junho 2018). Quer ler a edição completa? Então, clique aqui!