Artigo da professora Edla Eggert (foto, centro), da Unisinos, aborda o tema “a presidenta nos convoca a pensar sobre o poder”
No Brasil temos convivido desde o início do governo de Dilma Roussef com uma experiência que confronta a ordem do poder patriarcal. E esse confronto se dá por meio de uma simples palavra que, para a maior parte dos jornalistas têm incomodado: presidenta! Eles insistem em chamar a presidenta de presidente! Presidenta é o feminino de presidente! Simples como comer pão com manteiga e tomar café com leite. Por que será que a sociedade em geral tem insistido com a palavra presidente? Tenho uma suspeita: é porque estamos inseridos numa lógica androcêntrica, ou seja, vivemos a vida onde o centro, o poder, foi e ainda é dos homens. E qualquer mulher que ocupar esse lugar, pode até ficar nele, mas não o representa! O que está no conjunto dessa constatação? No meu entender é a compreensão de que o feminino não é a referência.
O feminino representa a fragilidade, a doçura, a doação, mas também o pecado, a luxúria, a confusão e a tentação. Essa compreensão vem de longe e a Religião é uma das instâncias responsáveis pela permanência dessa inculcação. Por isso, não basta sair de casa para trabalhar e ganhar o “seu” dinheiro, não basta ser eleita prefeita, governadora ou mesmo presidenta. Não basta estudar é preciso muita atenção ao que estudamos, perguntar o porquê das coisas serem como são. Por que ainda morrem tantas mulheres em assassinatos realizados pelos namorados, maridos, amantes? Por que apanham e acham que merecem ter apanhado? Por que recebem 20 % a menos nos salários ainda hoje? Por que o direito de ir e vir é sempre mais restrito às mulheres do que aos homens?
As mulheres, mas não todas as mulheres, e uma boa parte dos homens têm buscado conscientemente fazer um movimento de mudança. A consciência de que fomos ensinadas para sermos submissas é necessária para que possamos mudar essa realidade. Ivone Gebara teóloga atenta para às questões do feminino ensina que, o feminino, em grande medida, ainda é visto como mal e não somente pelo poder masculino, mas pelas próprias mulheres. É, nesse sentido que também Margarete Rago afirma que “feminizar é preciso”.
Ou seja, chamar de presidenta é feminizar o poder. É tornar mais viável a ideia de que as meninas podem sim pensar em ser presidentas! Cientistas! E que os meninos podem sim ser homens que mostrem suas fragilidades, que aprendam a ser cuidadores e que sejam pais amorosos, atentos e firmes no propósito de serem parceiros conscientes da desigualdade entre meninas e meninos. Mulheres e homens devem estar atentos para a forma como os homens são construídos para a luta, a competição e a morte e de como as meninas são produzidas para a frivolidade do enfeite do corpo, do príncipe encantado como o salvador dos seus sonhos, e da sedução como a grande arma de poder, em detrimento da inteligência e da autonomia de pensamento.
O poder é bom, mas deve ser exercitado de formas cada vez mais coletivas e compartilhadas e não há receitas, há caminhos a serem trilhados. Creio que a sociedade vem se preparando mais para assumir as mudanças na busca por mais dignidade humana. Mesmo que no meio disso ainda ocorram grandes resistências e muito sofrimento, mas ninguém disse que seria um jardim de rosas…
Fonte: IHU On-line