Em 15 de novembro de 2015, às 16h20, a Barragem de Fundão rompeu-se repentinamente. Ela continha o equivalente a 26 mil piscinas olímpicas cheias de rejeitos tóxicos da mineração de ferro em Minas Gerais (Brasil), quando rompeu, destruindo a vila de Bento Rodrigues. Houve 17 mortes confirmadas e duas pessoas desapareceram. Resíduos tóxicos poluíram 668 quilômetros de cursos d’água e contaminaram a Barragem de Santarém, um reservatório que abastece 250 mil moradores nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Este foi o pior desastre de mineração já registrado no mundo. [1]
No início daquele ano, o Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI), uma instituição jesuíta de ensino superior sediada em São Bernardo do Campo (SP), criou seu Grupo de Pesquisa FEI, liderado por Jacques Demajorovic, docente do Programa de Pós-Graduação em Administração da FEI. Em resposta ao desastre da Barragem de Fundão, o grupo decidiu pesquisar a Licença Social para Operar (LSO) do setor de mineração. O objetivo era estudar o impacto social do extrativismo nas comunidades locais e promover a justiça socioambiental e equitativa. Esperava-se que órgãos governamentais, mineradoras e comunidades locais colaborassem para gerir os impactos territoriais e sociais de forma responsável.
Em 2016, o Grupo de Pesquisa da FEI venceu uma chamada competitiva de pesquisa. O grupo propôs estudar a integração da Licença Social para Operar da mineração e a Avaliação de Impacto Social do maior projeto de mineração de minério de ferro do mundo, o Projeto Carajás em Parauapebas, estado do Pará, na região amazônica. O estudo foi conduzido de 2018 a 2023. Uma abordagem mista combinando métodos quantitativos e qualitativos foi utilizada para avaliar a aceitação social e o impacto do projeto de extração mineral. Quase 300 pessoas responderam à pesquisa e 70 foram selecionadas para entrevistas em profundidade. A amostra da pesquisa foi escolhida entre cinco comunidades locais afetadas pelo Projeto de Mineração Carajás, bem como entre membros da mineradora, funcionários de instituições públicas e representantes de organizações não governamentais.
O estudo inicial examinou como a proteção ambiental, a justiça processual, a justiça distributiva, os relacionamentos e a confiança influenciam a aceitação do projeto de mineração pelas pessoas. A segunda fase envolveu pesquisa qualitativa. Esta fase identificou os impactos positivos e negativos da mineração em Parauapebas, conforme percebidos pelos entrevistados. As entrevistas foram conduzidas com três principais grupos de partes interessadas: membros da comunidade local, autoridades governamentais e representantes da mineradora. Foi dada prioridade àqueles com maior vulnerabilidade, exposição a riscos e baixa capacidade de enfrentamento, sendo que a comunidade local representou 64% de todos os entrevistados.
O grupo de pesquisa enfrentou três desafios principais. Primeiro, eles tiveram que gerenciar a expectativa do financiador da pesquisa por respostas rápidas, como frequentemente é exigido dos consultores. Ao contrário dos consultores, os acadêmicos precisam de rigor e mais tempo para explorar cuidadosamente as relações entre a empresa, as autoridades públicas e a comunidade local. Segundo, conduzir um estudo no interior da Amazônia exigiu um planejamento logístico extenso; a viagem era longa, arriscada e cara. Finalmente, havia frequentemente incerteza sobre como a comunidade local, as autoridades públicas e a mineradora aceitariam e agiriam com base nos resultados e recomendações da pesquisa. Manter o otimismo, a esperança viva e o foco é o desafio constante deles.
O que eles encontraram? O grupo FEI identificou as variáveis subjacentes de relacionamento, justiça processual, justiça distributiva e proteção ambiental como precursoras da confiança, influenciando diretamente a forma como as pessoas aceitavam a mineração em sua área. Além disso, constatou-se que a proteção ambiental tinha uma relação positiva com a aceitação social. Curiosamente, os pesquisadores descobriram que, apesar da aparente aceitabilidade social da mineração na região de Parauapebas, as percepções de confiança e justiça distributiva registraram-se baixas. Isso sugeriu que a aceitação da mineração pela comunidade foi baseada principalmente na dependência econômica, em vez de apoio genuíno ou identificação com a empresa de mineração Carajás [2] .
A pesquisa qualitativa identificou 222 impactos em diversas categorias, incluindo economia, renda e proteção, emprego e educação, uso do solo e aspectos territoriais, demografia, meio ambiente, saúde e segurança e direitos humanos. A comunidade local e a Mineradora Carajás consideraram a maioria desses impactos (75%) como negativos ou prejudiciais, enquanto os demais (25%) foram considerados benéficos. Os membros mais vulneráveis da comunidade relataram ferimentos graves causados pela mineração e intensos sentimentos de abandono por parte do poder público e da mineradora.
Os entrevistados identificaram diversos impactos importantes relacionados ao crescimento populacional impulsionado pela migração para meios de subsistência relacionados à mineração. Esses impactos incluíram aumento da desordem social, violência contra mulheres e crianças, declínio da produção agrícola devido à competição com as atividades de mineração, perda de atividades econômicas tradicionais, contaminação dos recursos hídricos, poluição por poeira e problemas respiratórios. Eles também apontaram uma desconexão entre o projeto de “compensação social” da mineradora e a realidade local. Além de listar esses impactos sociais, a comunidade especificou maneiras de reduzir os efeitos nocivos da mineração e delineou ações necessárias para o desenvolvimento sustentável e equitativo em seu território.
A pesquisa da FEI confirmou a importância de ter informações disponíveis sobre como um projeto extrativista afeta uma comunidade local de diversas maneiras. O conhecimento dos impactos econômicos e ambientais tradicionais é essencial; no entanto, os efeitos sociais e culturais também devem ser compreendidos. Alguns entrevistados reconheceram a mineradora pela criação de empregos e pela melhoria das oportunidades educacionais. Mas vários outros viam as iniciativas sociais da mineradora de forma negativa. Por exemplo, a Mineradora Carajás tinha um projeto de compensação social, a produção de laticínios, que supostamente contribuiria para o desenvolvimento regional. Mas é a produção de frutas que é tanto uma tradição cultural quanto uma prática econômica de longa data para os moradores. Assim, embora a mineradora tenha investido pesadamente em infraestrutura moderna para a produção de laticínios, o baixo comprometimento dos moradores com ela se mostrou ineficaz na geração de renda local.
A pesquisa examinou as preocupações da comunidade de Parauapebas. Analisou como os moradores expressaram seus medos para que as autoridades locais e a mineradora pudessem responder melhor aos impactos do projeto de mineração de Carajás sobre a terra e a sociedade. Como resultado, a dinâmica de poder injusta ou desigual em Parauapebas foi revelada: a comunidade não tinha controle sobre seu bem-estar socioeconômico e ambiental. A mineradora e os funcionários do governo não se prepararam adequadamente para o projeto. Eles não consideraram ou tentaram compreender os impactos sociais da mineração na comunidade de Parauapebas. Embora tenha havido progresso na legislação nacional sobre as responsabilidades das mineradoras, o mesmo não ocorreu com a responsabilidade social corporativa, onde os direitos humanos e culturais foram desrespeitados.
O grupo da FEI reconheceu que a identificação dos impactos sociais do extrativismo não garante que as mineradoras e as autoridades públicas reduzam os efeitos ambientais e sociais negativos da mineração. Apesar desses desafios, o grupo compartilhou consistentemente os resultados de suas pesquisas. Eles ofereceram treinamentos e workshops para a comunidade local de Parauapebas, bem como para autoridades públicas e funcionários da mineradora. Com base nos resultados da pesquisa, a educação ecológica tornou-se sua estratégia para empoderar a comunidade local, enfatizar a responsabilidade corporativa na redução de impactos nocivos e promover a boa governança pública na emissão de licenças para projetos de extração mineral.
O grupo publicou seus resultados de pesquisa em periódicos acadêmicos e não acadêmicos para promover a cooperação internacional e a advocacy sobre o impacto das indústrias extrativas nas comunidades. Eles continuam trabalhando para estabelecer uma rede nacional e global para defender a inclusão de critérios de aceitabilidade social e o conceito de “licença social” no processo de licenciamento de projetos de mineração. Os resultados da pesquisa foram apresentados a estudantes, pesquisadores internacionais, autoridades públicas e representantes de organizações não governamentais durante um seminário realizado recentemente na Universidade Federal Rural do Amazonas, em Parauapebas. A FEI também reuniu com sucesso universidades brasileiras (a Universidade Federal do Pará, a Universidade Federal do Amazonas e a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), universidades internacionais (a Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, a Universidade de Queensland, na Austrália, e a Kedge Business School), bem como instituições empresariais e públicas (o Instituto Brasileiro de Mineração).
Jacques Demajorovic e o grupo FEI reconhecem que mudanças sociais e políticas levam tempo. Paciência, perseverança e comprometimento são essenciais. Após um workshop com mais de 100 funcionários da Vale Mineração, alguém se aproximou de Demajorovic e disse: “Os resultados que você compartilhou conosco refletem os desafios diários que enfrentamos ao lidar com as comunidades afetadas. Quando os principais gestores da Vale nos ouvirão?” Demajorovic respondeu: “Essa é a pergunta de um milhão de dólares!”
Jacques e sua equipe tentam manter a esperança, afirmando: “Estamos abordando a licença social para operar e a avaliação de impacto social de uma nova maneira. Acredito que esse método pode ajudar os funcionários a persuadir os tomadores de decisão a ouvirem os moradores com mais atenção e a desenvolver projetos sociais comunitários mais eficazes. Trabalho com responsabilidade social corporativa há mais de 30 anos. Entendo que leva tempo para compreender as questões sociais e ambientais e adotar práticas eficazes que impactem positivamente as comunidades. Como pesquisadores, devemos continuar defendendo esse tipo de trabalho.”
Há esperança. Reportagens sobre o “Vale Day” — evento em que executivos da Vale Mining Company apresentam a estratégia corporativa da empresa a investidores e analistas em Londres — destacaram o compromisso da empresa em dialogar com stakeholders sobre suas percepções a respeito das práticas ambientais, sociais e de governança da Vale. A seguinte declaração foi encontrada em documentos mais recentes da empresa: “Um ponto muito importante são nossas lacunas em questões ambientais, sociais e de governança (ESG). Estamos ouvindo e realizamos uma revisão abrangente. Mapeamos essas lacunas por meio de consultas a diversas instituições, incluindo consultorias, acionistas e organizações não governamentais (ONGs). 50% foram eliminadas simplesmente com a divulgação, mas criamos um roteiro”.
Refletindo sobre esse desenvolvimento, Demajorovic ponderou: “Embora não possamos concluir definitivamente que o projeto de pesquisa da FEI influenciou diretamente as mudanças no discurso e nas práticas corporativas, podemos afirmar que todas as sessões de treinamento que realizamos para a Vale ao longo de seis anos enfatizaram a importância de os gestores ouvirem como a comunidade percebe o impacto dos projetos extrativos em seu cotidiano. Sempre enfatizamos que essas percepções devem ser levadas a sério no processo de tomada de decisão para minimizar os impactos negativos e promover a distribuição equitativa dos benefícios.”
A Quarta Preferência Apostólica Universal dos Jesuítas destaca a importância da colaboração no cuidado da nossa casa comum. O grupo FEI valoriza seu trabalho em pesquisa e formação e reconhece a importância das parcerias, especialmente com especialistas qualificados em empoderamento e mobilização comunitária. Suas pesquisas se concentraram no estudo do impacto social da extração mineral e no desenvolvimento de alternativas que promovam a justiça distributiva e socioambiental. Eles alcançaram com sucesso seus objetivos de pesquisa. No entanto, a ideia de que a comunidade de Parauapebas se torne politicamente empoderada, juntamente com a Vale Mineradora e as autoridades governamentais assumindo genuína responsabilidade social e ambiental, ainda parece distante. Mesmo assim, nunca se deve perder a esperança; atente-se à mensagem do Papa Francisco: “Devemos reavivar a chama da esperança que nos foi dada e ajudar todos a ganhar nova força e certeza, olhando para o futuro com espírito aberto, coração confiante e visão de longo prazo.” [3]
A pesquisa e a experiência de campo do Grupo FEI ressaltam a importância da colaboração para romper efetivamente o ciclo de opressão, promover mudanças significativas e fomentar o desenvolvimento humano integral. Não precisamos lutar sozinhos uma boa luta. À medida que transitamos dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, precisamos reconhecer que esse processo também exige a extração de minerais. Como podemos defender melhor um futuro mais justo quando a pesquisa científica e nossas melhores alternativas estão sujeitas a desequilíbrios de poder significativos, como a comunidade de Parauapebas tem vivenciado?
[1] [1] https://www.stava1985.it/a-falha-das-barragens-de-rejeitos-da-fundao-2015/?lang=en
[2] Ao dar voz à comunidade, foi possível ampliar a explicação da aceitação decorrente da vulnerabilidade local associada à fragilidade institucional criada no território. Os entrevistados apontaram a ausência do poder público para garantir a mediação entre a empresa e a comunidade; isso possibilitou que nem a empresa nem o governo local se responsabilizassem por determinados impactos negativos. As entrevistas revelaram certa resignação quanto às fragilidades da atuação do poder público em responder às suas demandas [da comunidade], concentrando suas expectativas de melhoria quase que exclusivamente na mineradora. Nesse cenário, a continuidade da operação minerária e sua aceitação são entendidas como a única solução para o futuro. Portanto, infere-se que, ao incorporar a Avaliação de Impacto Social na interpretação da LSO, apontamos para uma aceitação muito mais alinhada à resignação do que à legitimação, contribuindo para a perpetuação de riscos à comunidade. (Demajorovic, Pisano, Pimenta, Reframing Social Accepatance, Current Sociology, 2023)
[3] Papa Francisco. “Carta do Santo Padre ao Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização para o Jubileu de 2025, 11.02.2022.” https://press.vatican.va/content/salastampa/en/bollettino/pubblico/2022/02/11/220211c.html
Fonte: Eco Jesuit




