Diante dos momentos conturbados que o Brasil vem passando, compartilhamos com você uma análise bem inaciana do contexto atual do País, escrita pelo reitor da FAJE (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), padre Geraldo Luiz De Mori. Confira:
Assistimos desde a última semana à crise de abastecimento provocada pela paralização dos caminhoneiros. Este é, sem dúvida, o movimento social mais importante ocorrido no país desde 2013. Sua interpretação não é, porém, tão simples, como tampouco foi simples entender as manifestações de 2013. Reações de todo tipo emergiram na grande imprensa e nas redes sociais: por um lado, as de apoio e solidariedade, e por outro, as de temor, sobretudo com as chamadas à intervenção militar, protagonizadas por vários tipos de grupos. Nesse segundo caso, fantasmas de um passado que alguns insistem em negar, voltaram a amedrontar. Para além da esterilidade dos argumentos ideológicos e intolerantes, presentes em todos os grupos, é preciso exercitar um discernimento político, ético e espiritual. Uma instituição acadêmica, como a Faculdade Jesuíta, tem um papel importante nesta hora. Mais, talvez, que protagonizar ações políticas em favor de um ou outro grupo, é importante suscitar um debate que ajude a aprofundar as raízes desta crise. É a este exercício que convido toda a comunidade acadêmica, propondo alguns passos.
O primeiro passo é, sem dúvida, revisitar nossa memória histórica. Infelizmente, sobretudo nos últimos anos, a sedução pelo presente criou em nós amnésia. Isso em muitos âmbitos, tanto na escola, quanto nos movimentos sociais e nas igrejas. Sem memória não sabemos quem somos e corremos o risco de ser manipulados por todos os tipos de interesses, sendo enganados por aqueles que estão na origem mesma do nosso sofrimento. Na Bíblia hebraica, o credo de Israel começava com um “ouve oh Israel”, que era um apelo à reescutar a história que criava e firmava a identidade do povo da aliança.
Muitas vezes, a intolerância com relação ao diferente é provocada pelo fato de não sabermos apreciar o que cada um tem de único, que é uma riqueza e um dom para a construção do bem comum […]
Um segundo passo é o exercício da escuta do outro. Muitas vezes, a intolerância com relação ao diferente é provocada pelo fato de não sabermos apreciar o que cada um tem de único, que é uma riqueza e um dom para a construção do bem comum, mas que quando é menosprezado ou não reconhecido se torna lugar de ressentimento e de violência. Assistimos a acusações de todos os tipos nos diversos grupos em luta em nosso país. Se não ajudarmos a construir pontes que criem o diálogo, reconhecendo erros e acertos, nunca conseguiremos fazer avançar nosso país. A culpa sempre será do outro. A tradição inaciana pode ajudar nesse processo, pois convida sempre a “salvar a proposição do outro”, ou seja, a perceber o que aquele/a com quem dialogamos traz como dom, mesmo que seja uma opinião crítica, que pode enriquecer o “nós” a ser construído juntos.
O terceiro passo é alimentar a esperança. O que mais se escuta em todos os lugares nos últimos anos é: “o Brasil não tem jeito”, “desisto”, “todos são corruptos, não só os grandes, mas também o povão”… Certamente esta atitude é derrotista, desesperançada. Enquanto instituição inspirada na revelação cristã, devemos buscar os motivos para esperar, mas só isso não é suficiente. É preciso dar as razões dessa esperança. A fé cristã acredita que “onde abundou o pecado, superabundou a graça”, ou seja, por mais ruim que esteja a situação, é possível ir para além, esperar que o bem prevalecerá sobre o mal, a vida sobre a morte. Sem dúvida esta é uma das tarefas mais árduas que reclama nosso tempo. Oxalá nos coloquemos como indivíduos e instituição ao serviço desta esperança.
Pe. Geraldo Luiz De Mori, SJ
Crédito da imagem: Fotos Públicas