Enquanto o país iniciava seu mais controverso e sombrio período da história, naquele fatídico 31 de março de 1964, uma voz que vinha de Pernambuco, do alto escalão da igreja católica, se fez ouvir pelos quatro cantos do mundo: a do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Pessoa Câmara. Enquanto estudantes, trabalhadores e profissionais da imprensa, no Brasil, enfrentaram a ditadura militar com armas e sangue, o religioso, natural de Fortaleza, usou as palavras e a fé na juventude para confrontar o autoritarismo.
Como um dos fundadores da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), ele ajudou a dar visibilidade, organização e estrutura à instituição, que teve importante papel de enfrentamento durante a ditadura militar brasileira. “Todo o agir de Dom Helder tinha por trás um valor maior, que era a promoção da dignidade humana. Num cenário político controverso, ele defendeu a cidadania”, explica Adenilson Ferreira de Souza, ex-jesuíta e doutorando em Ciências Políticas na UFMG. Seu objeto de estudo, claro, é o religioso brasileiro, um dos principais nomes do país, quando se fala em direitos humanos no século XX.
Com a restrição do espaço político brasileiro após a implantação do Ato Institucional nº 5, o AI-5, em 1968, Dom Helder, por incomodar muito os militares, é considerado pelos agentes do governo um ‘morto-vivo’. Os meios de comunicação não podiam falar sobre ele, nem publicar nada que mencionasse seu nome. O arcebispo estava proibido até de frequentar as universidades do país. Nesse momento, ele se volta para o exterior. “Como não podia circular pelo âmbito acadêmico no Brasil, entre os estudantes, de quem tanto gostava, tomou a sábia decisão de viajar pelo mundo, para discutir com jovens de grandes universidades, especialmente em Paris, Alemanha, Estados Unidos, Canadá e Itália”, diz Adenilson Souza.
Sua forte atuação para divulgar a repressão política no Brasil lhe rendeu nada menos que quatro indicações ao prêmio Nobel da paz – nenhum outro brasileiro teve tantas indicações. Além disso, recebeu o prêmio Martin Luther King, nos Estados Unidos, e se tornou doutor honoris causa em 32 universidades nacionais e estrangeiras.
Com tamanho reconhecimento, não é à toa que a Companhia de Jesus, ao criar, em 1998, uma escola de direito em Belo Horizonte, a chamou de Escola Superior Dom Helder Câmara. Como consta no site da instituição, no texto que trata de sua fundação, o ideal da escola “é dar continuidade à prática ético-social, através de atividades de promoção humana, de defesa dos direitos fundamentais, de construção feliz e esperançosa da cultura da paz e da justiça”.
O pensamento humanitário de Dom Helder Câmara, tão divulgado mundo afora, é reconhecido também pelas autoridades eclesiásticas. “Ele deixou um legado de coragem, de proximidade e de ajuda aos pobres e sofredores. Seu exemplo ensina que todo cristão deve se comprometer com o exercício da cidadania, buscando sempre o bem comum”, diz Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte. Ele lembra também que, além de advogado do povo, o arcebispo de Olinda e Recife também era um exímio poeta.
Fonte: sites.uai.com.br