Dias de imersão na inovadora experiência de amazonizar-se

Pe. Anderson Pedroso, SJ
Reitor da PUC-Rio

Mergulhar na cultura de quem vive junto à maior floresta tropical do mundo, da qual depende o equilíbrio da nossa Casa Comum, – o planeta terra –, é um grande privilégio e uma oportunidade singular. Por compreender que o papel da liderança é abrir caminhos e inspirar a comunidade, empreendi, como reitor, a primeira imersão do projeto Amazonizar, lançado pela PUC-Rio em 23 de maio de 2023 (Fórum Amazonizar).

Amazonizar é um verbo que indica uma ação efetiva (e afetiva) e implica uma metodologia participativa: primeiro temos que “nos amazonizar”, isto é, entender as lógicas ecossistêmicas da floresta, a sabedoria de seus povos e essa forma poética em comum de habitar o mundo para, em seguida, nos colocarmos a seu serviço, apoiando os atores locais – que devem ser os verdadeiros protagonistas.

Neste sentido, quisemos começar um percurso de aprendizado na realidade amazônica, um dos seis biomas de nosso imenso país. Foram dias intensos de uma imersão profunda no contexto sociocultural e ambiental emblemáticos. Uma verdadeira navegação: ora confiados a barcos que, corajosos, se lançam em rios caudalosos; ora, deixando-se levar pelos movimentos lentos da canoa ao ritmo das águas do igarapé. Enfim, fomos imersos em um ambiente comunicacional único, capaz de nos inspirar novas formas de nos relacionarmos entre nós e com a natureza.

Ao sermos inseridos sensorialmente na floresta, podemos ser efetivamente “tocados” em nossa consciência e, consequentemente, encorajados a lutar pela preservação desse ecossistema único. Trata-se da comprovaçao de uma tese: aumentando-se a percepção sensorial (dimensão estética), aumenta-se também o nível de engajamento (dimensão ética) para urgente necessidade de apoiar soluções para ajudar a conter a crise climática e a devastação socioeconômica e ambiental da Amazônia.

Assim, tivemos a oportunidade de encontrar os atores locais: ribeirinhos, lideranças comunitárias, educadores, gestores do comércio e indústria diferentes cidades do Estado do Pará. Com efeito, entendemos que precisamos cuidar da relação entre a cidade e a floresta. Ao queremos proteger a natureza, não podemos deixar de lado as populações urbanas que a circundam, principalmente os que se encontram em permanente situação de vulnerabilidade: os pobres. Enfim, a presença humana é uma voz que precisa ser integrada no coro dos entes que formam o ecossistema.

Nesse sentido vivenciamos, em meio ao povo, a espiritualidade vibrante no Círio de Nazaré, pelas ruas de Belém. Conhecemos as manifestações artísticas e culturais no Museu do Marajó – um projeto extraordinário de resgate da memória ancestral da arte e cultura marajoaras. Dialogamos com diversas pessoas, experimentando sua sabedoria (saber/sabor) envolvida por uma outra temporalidade – ritmada pela natureza. Finalmente, entramos em contato com os projetos locais, pedindo licença para incluir nossa Universidade como uma parceira, à serviço do bem comum. Ao nos sentirmos acolhidos, percebemos que estávamos apenas um início da jornada, formada de escuta e questionamentos profundos.

De fato, a beleza da Amazônia, sua floresta e seus povos originários são ameaçados pela crise ambiental global. Isso nos provoca perguntas fundamentais: Se o mundo mudou — para pior, do ponto de vista climático —, o que devemos fazer? não há outro jeito de organizar o mundo? Como mudar nosso modo de tocar as coisas?

Efetivamente, precisamos nos questionar acerca de nosso modo de tocar a realidade. Seguindo as lógicas impostas pela modernidade predominantemente técnica (especialmente durante o século XVIII), o ser humano arrasa tudo por onde passa, porque só consegue ver a natureza como recurso inesgotável, ao invés de um valor em si.  Entretanto, no início do século XXI testemunhou o uma atitude humilde de aproximar-se, um modo sensível de tocar a realidade, no âmbito de uma relação saudável – ecossistêmica.

De fato, quando maneiras de agir dependentes de imaginários e de exclusivamente práticas predatórias, se apropriam da Floresta, uma Universidade, enquanto instituição de ensino, pesquisa e extensão, pode, e deve, provocar uma ruptura nessa dinâmica de morte, promovendo uma distância fenomenológica que permita refletir sobre o cuidado que devemos ter ao tocar as realidades, ou alteridades — sejam os seres ou todos os demais entes (individuais ou coletivos) que formam a biodiversidade dos seis biomas brasileiros, especialmente o amazônico. Trata-se de propor com convicção a única condição de possiblidade que temos ao lidar com a Amazônia hoje: estar abertos à sabedoria que une curiosidade cientifica e sensibilidade humana-socioambiental.

É assim, de forma orgânica, sensível e, acima de tudo, profundamente respeitosa, que a nossa Universidade se aproxima da Floresta. É assim que a PUC-Rio olha para a sua responsabilidade social e ambiental. Espero que essa experiência possa ser vivida especialmente pelos estudantes – de todas as idades – e por toda a comunidade universitária.  E assim será. Laços se consolidam, consciências se fortalecem e recursos são mobilizados para defender a nossa Casa Comum. O Amazonizar está só começando!

Fonte: Vatican News

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