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Escutar o grito da Mãe Terra

Pe. Paulo Tadeu Barausse, SJ

Filho de Caetano e de Maria de Lourdes, Pe. Paulo Tadeu Barausse tem sua vida marcada pela busca da justiça socioambiental. A trajetória do jesuíta conta com experiências vivenciadas na Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Belo Horizonte (MG), na Comissão de Justiça e Paz de Porto Velho (RO) e, atualmente, na coordenação do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES). Em entrevista concedida para a 72ª edição do informativo Em Companhia, Pe. Paulo Tadeu nos convida a seguir os caminhos trilhados por Papa Francisco na superação da cultura do descarte e no cuidado com a Casa Comum.

Conte-nos um pouco sobre sua história, sua família, onde nasceu e onde estudou. 

Nasci em Campo Largo, uma pequena cidade que fica nas redondezas de Curitiba (PR). Sou o segundo filho de uma família de dez irmãos. Meu pai, Caetano, por longos anos foi operário nas fábricas de porcelanas. Era também ministro da Palavra. Morreu muito cedo, tinha somente 53 anos. Minha mãe, dona Maria de Lourdes, sempre se dedicou aos trabalhos domésticos. Sempre rezava o terço com as famílias. Em outubro, ela completou 80 anos. 

Aos meus oito anos, comecei a estudar numa pequena escola que se chamava Escola Isolada Itaqui de Cima. Nessa escola, fiz o primário. Quando completei 13 anos, deixei de estudar e comecei a trabalhar nas fábricas de porcelanas, pois tinha de ajudar minha família. Fui operário de 1976 a 1985. 

Como conheceu a Companhia de Jesus? Por que decidiu ser jesuíta? 

Como comentei na resposta anterior, trabalhei de operário dos 13 aos 22 anos de idade. Participava de um grupo de jovens que se chamava Jovens Unidos para Amar Cristo (JUPAC).  Não sabia distinguir o que era um religioso de um padre diocesano. Não sabia o que era uma Congregação Religiosa e não conhecia nenhum jesuíta. Minha família era pobre e não tinha condições financeiras para me manter no seminário. Meu pai, sabendo do desejo de fazer uma experiência no seminário, trouxe um Livro da Família onde havia uma propaganda vocacional da Escola Santo Afonso, que, na verdade, era uma Comunidade Vocacional. Estava localizada em São Leopoldo (RS). Era a primeira vez que viajava para um lugar tão distante. Depois de mais de dez horas de viagem, cheguei à rodoviária de São Leopoldo e Ir. Valdir Vanzella foi me buscar. O que me levou a procurar os jesuítas foi que, nesta Comunidade Vocacional, eu poderia trabalhar e pagar meus estudos. Cheguei em fevereiro de 1985 e foram quatro anos para concluir o supletivo de primeiro e segundo grau. Em fevereiro de 1989, ingressei ao noviciado em Cascavel (PR). Na medida que fui conhecendo o carisma da Companhia, fui me sentindo contagiado e percebendo, cada vez mais, o chamado de Deus. 

3) Quais experiências mais marcantes o senhor vivenciou durante sua formação como jesuíta? 

No período em que fiz Teologia, trabalhei na Pastoral Carcerária na Arquidiocese de Belo Horizonte (MG). Todos os finais de semana, fazíamos visita aos presídios. Foi um aprendizado muito grande. A convivência com os(as) encarcerados(as) e seus familiares ajudou muito para meu crescimento humano e para derrubar o muro do preconceito que havia dentro de mim. Trago em minha memória muitas cenas e imagens de chacinas que presenciei nos presídios. Uma vez, em uma pequena cadeia em Ribeirão das Neves (MG), os presos nos fizeram reféns. Foram quatro horas de muita tensão, mas, felizmente, tudo terminou bem. 

Trabalhei por mais de nove anos na Comissão Justiça e Paz de Porto Velho (RO) e, juntamente com a Justiça Global, encaminhamos uma denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) denunciando as inúmeras chacinas que vinham acontecendo no Presídio Urso (RO). Depois dessa denúncia, o Brasil passou a ser monitorado por esse tribunal. Foi uma pequena vitória que alcançamos junto a um organismo internacional. 

4) Atualmente, o senhor é coordenador do SARES. Conte-nos sobre essa missão e os principais desafios. 

O Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES) é uma iniciativa concreta do Plano Apostólico da Companhia de Jesus no Brasil (2015-2020), o qual assume duas principais opções preferenciais de atuação: primeiro, atuar na busca da superação do abismo das desigualdades socioambientais e, segundo, contribuir para o despertar da consciência socioambiental e para o compromisso com a Amazônia. Em consonância também com o Marco de Orientação da Promoção da Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas Brasil.  

A “nossa missão deve anunciar o Reino de Deus e combater os avanços do modelo neo-extrativista de desenvolvimento do agronegócio, da mineração, das hidroelétricas, da posse de terra e do domínio das águas, em prol do modelo de desenvolvimento que pressupõe sustentabilidade, respeitando e conservando a vida e a dignidade humana de quem vive na Amazônia”. Como afirma o Papa Francisco: “somos chamados a superar uma economia que mata para uma economia que gera vida”.

Temos de ter os pés, as mãos e o coração plantados nesta terra. A quarta Preferência Apostólica Universal – colaborar com o cuidado da Casa Comum  – é um convite à conversão. Para nós, jesuítas, companheiros e companheiras na missão, começa com a mudança dos hábitos de vida propostos por uma estrutura econômica e cultural fundada no consumo e na produção irracional de bens. A palavra do Papa Francisco nos anima nessa direção: “É muito nobre assumir o dever de cuidar da Criação com pequenas ações cotidianas, e é uma coisa maravilhosa que a educação seja capaz de motivá-las a ponto de moldar um estilo de vida”.

5) Como superar as contradições de uma sociedade que aponta a necessidade da proteção e do cuidado com o meio ambiente, mas faz pouco para mudar seus hábitos de consumo e a relação de exploração da natureza? 

O Papa nos convida para que possamos superar uma cultura do descarte para uma cultura do encontro. No horizonte da missão que emerge da Encíclica Laudato Si’ (LS), as palavras-chave são responsabilidade, encontro e diálogo. A responsabilidade exige de todos nós um novo estilo de vida. Como a catástrofe socioambiental não atinge apenas os indivíduos, mas também países inteiros, somos obrigados “a pensar numa ética das relações internacionais” (LS 51). A verdadeira sabedoria é “fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas” (LS 74). Acredito que, se levarmos a sério esses princípios em nossa vida cotidiana, será uma terra fértil para o ecumenismo e para o diálogo inter-religioso. Segundo Ailton Krenak: “Nós estamos desorganizando a vida aqui no planeta, e as consequências disso podem afetar a ideia de um futuro comum – no sentido de a gente não ter futuro aqui junto aos outros seres. Os humanos serem (sic.), finalmente, incluídos na lista de espécies em extinção”.  

6) Como o anúncio do Evangelho pode colaborar para a preservação e o cuidado da Casa Comum?  

Por meio do Antigo Testamento, Deus preparou Israel para romper com a lei do mais forte por meio da missão de seu Enviado, Jesus Cristo. Este defendeu o conjunto da humanidade por meio dos pequenos, dos mais fracos, dos pobres e das minorias étnicas ameaçadas (cf. Lc 4,18; 6,20; 19,10; Mt 12,20; 25,40). Com base na nossa fé, compreendemos a substituição da lei do mais forte pela boa convivência de todos — com Deus, a humanidade e a natureza — como “Nova Criação” (2Cor 5,17; Gal 6,15). É preciso ter especial cuidado com aquelas áreas da Terra que são as mais decisivas para manter o equilíbrio da natureza em função da vida, como o Amazonas, as bacias hidrográficas do Congo, a Índia e a Indonésia, assim como as grandes extensões marinhas. Fazer isso é uma forma de prestar autêntico culto à obra criadora de Deus. Podemos dizer que, nos Evangelhos, Jesus sentiu uma profunda compaixão para com os pobres, excluídos, doentes e pecadores. No contexto atual, essa compaixão deve ser estendida ao grito e ao gemido da Mãe Terra. Podemos afirmar que a Mãe Terra, a exemplo de Jesus, dos pobres e descartados, também hoje está sendo crucificada. 

7) Em que medida a Encíclica Laudato Si’, o Sínodo para a Amazônia e a Exortação Apostólica Querida Amazônia favoreceram o trabalho da Igreja Católica na Região Amazônica? 

 A Encíclica Laudato Si’ caiu como uma fruta madura no jardim da Igreja Católica e no mundo. Recebeu raios de sol, ventos, águas e tempestades que contribuíram para esse amadurecimento. Sabe-se que colaboradores discretos e indiscretos contribuíram para um compêndio socioecológico que, afinal, tem o pulso do Papa Francisco, que o assinou no dia 24 de maio de 2015, na festa de Pentecostes. Não podemos esquecer que o Sínodo nasce da Encíclica Laudato Si’, cuidado com a Casa Comum, segundo afirma o Papa Francisco. A exortação apostólica Querida Amazônia está intimamente unida ao Documento Final do Sínodo. Nesse sentido, deve-se ver se as atividades estão relacionadas aos Quatro Sonhos que aparecem na Querida Amazônia e as Cinco Conversões que aparecem no Documento Final do Sínodo. Acredito que o imenso desafio que temos pela frente seria aprofundar na relação entre Movimentos Sociais, Pastorais Sociais, Rede Eclesial Pan-Amazônica e a espiritualidade e ética ecológica integral na perspectiva dos dois documentos do Sínodo para Amazônia: “Documento Final do Sínodo” unido à Exortação Apostólica do Papa Francisco Querida Amazônia. Isso vai exigir de nós a necessária conversão pessoal, comunitária e institucional.

Essa entrevista foi publicada na 72ª Edição do informativo Em Companhia (Dezembro. 2020). Quer ler a edição completa? Então, clique aqui!

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