O projeto missionário da Companhia de Jesus foi alicerçado ao longo das décadas com a premissa de que a educação é a alavanca mais eficiente para todo progresso social, econômico, moral e religioso. O principal norte teórico da atuação dos jesuítas dá-se através da pedagogia inaciana, que radica em uma experiência de crescimento pessoal vivida por Santo Inácio de Loyola. E qual a proposta deste tipo de ensino? O professor universitário e filósofo Ceciélio Dias Cortês, em sua dissertação de mestrado em Ciências da Religião na PUC de São Paulo, define a pedagogia inaciana como um “método que surge a partir de uma necessidade de tornar pedagógica e metodologicamente possíveis as características da educação num contexto de sala de aula. Deve-se traduzir em linguagem infantil, adolescente e juvenil, toda a riqueza dessas características, que reflete a inspiração de Inácio de Loyola”. E é exatamente através dessa vertente social e religiosa que a Companhia de Jesus constrói seu dia a dia.
Mas a pedagogia inaciana é mais que um método. Ela lança as bases do ensino e aprendizagem de um modo consciente e comprometido com o desenvolvimento individual, espiritual e a serviço dos outros. Valores esses que são expressos pela Companhia de Jesus e incorporados em todos os braços de atuação da instituição. Na cidade de São Paulo, o Colégio São Luís se destaca na compreensão social e dá oportunidades, por meio de bolsas estudantis, para jovens em condição econômica desfavorável prevalecerem sobre esta mentalidade.
Fundado em 1943, o curso noturno do Colégio São Luís tem como objetivo oferecer a educação de qualidade que já é marca e tradição na capital paulista, proporcionando uma consistente formação atenta à esfera acadêmica e aos valores humanos e cristãos. Os mais de 700 alunos do período noturno, que compreende apenas o Ensino Médio, são beneficiados pelo programa dedicado ao ensino e a filantropia. E a demanda de estudantes que procuram o Colégio dá a dimensão da importância dos valores atribuídos ao método de ensino. Somente em 2012 mais de 600 estudantes participaram do teste de ingresso. O diretor dos cursos noturno e diurno, Luiz Antônio Nunes Palermo, entende que a concorrência aí é maior que a de um vestibular.
“Para o primeiro ano do Ensino Médio eu tinha 120 vagas e 450 inscritos. Para o segundo ano foram 130 interessados e apenas 10 vagas. E para o terceiro ano, foram mais de 100 jovens e eu não tinha nenhuma oportunidade em aberto”, explicou Palermo. Segundo o diretor, as vagas são destinadas a jovens com renda familiar per capita entre um salário mínimo e meio e três salários mínimos. Além disso, o estudante bolsista do Colégio São Luís tem acesso a toda a estrutura existente. “Eles (alunos) têm à disposição os laboratórios de Ciência e Informática, a biblioteca, e também ganham todo o material para os três anos de curso, bem como o uniforme”, completou.
A atuação afirmativa em termos de políticas públicas para a juventude assinala que a formação humana ultrapassa os limites do ensino. Concretamente, o modelo pedagógico inaciano, associado ao programa de bolsas estudantis, integra alguns elementos-chave que são compreendidos sistematicamente pelo programa de ensino do Colégio, como o contexto social destes jovens, a maneira de desenvolver a reflexão dos alunos, a ação de incentivá-los a ir mais além, além da avaliação do crescimento relacional e intelectual dos estudantes.
“Nós temos uma resposta muito positiva por parte dos pais e alunos, que são de praticamente todas as regiões de São Paulo. Nossa proposta é, de fato, agregar valores e contribuir com uma etapa muito importante da vida dessas famílias”, destacou Palermo.
E a proposta do programa estudantil, além da ideologia da pedagogia inaciana, prepara o aluno para ingressar em universidades, uma vez que estes jovens estão em processo de entrada na vida profissional. No período noturno do Colégio São Luís são ministradas 32 aulas por semana, incluindo as de Inglês e Espanhol. Os estudantes do primeiro ano ganham atenção especial da instituição.
“Eles normalmente chegam para nós com dificuldade de aprendizado, já que o ensino do Colégio é puxado e eles vêm, muitas vezes, de escolas públicas e estaduais que não acompanham nosso ritmo de trabalho. Por isso são realizadas aulas de reforço com esses estudantes do primeiro ano para que eles tenham fundamento suficiente para acompanhar o ritmo do São Luís”, declarou Palermo.
E toda essa dedicação gera frutos. Somente em 2011, 62% dos estudantes do curso noturno ingressaram em faculdades, e 12 deles conseguiram vagas em universidades como USP, Unicamp e Unesp. Para Palermo, o aluno compreende a importância da educação. “Os jovens dão realmente muito valor. Eles sabem o tamanho da oportunidade que têm nas mãos e mostram uma postura muito positiva. Na verdade, nós fazemos a nossa parte, mas o empenho e dedicação é individual”, completou.
Conquistas
Histórias de bolsistas que ingressam em faculdades e universidades pelo País afora são motivadoras e trazem uma recompensa muito grande para quem participa de todo o processo. Um dos casos de aluno do período noturno do Colégio São Luís que conseguiu vaga em uma importante universidade é o do jovem Andrew Felipe de Souza (foto), 24, de São Paulo. Filho de pais separados, ele foi criado pela mãe com muitas limitações e hoje cursa Relações Internacionais na PUC-SP.
“Eu tinha bolsa escolar no (Colégio) São Luís e trabalhava como estagiário na Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo). Dessa forma eu conseguia me sustentar, já que minha mãe não podia me ajudar financeiramente. Foi um período de muito esforço e de provação para mim e minha família, mas hoje colho os frutos. Mais que minha formação escolar, estudar no São Luís foi essencial para a formação da minha personalidade. Aprendi a dar valor e lutar pelo que acredito. E isso vou carregar para a vida toda”, disse Andrew.
Ele contou que conseguiu ingressar no curso noturno do Colégio São Luís após todas as etapas do processo seletivo e agarrou a oportunidade. Ele soube do curso através de um amigo, que também era bolsista. Agora, Andrew traça planos para o futuro.
“Eu quero me tornar um diplomata e caminho com firmeza para isso. É muito gratificante contar com o apoio de pessoas dispostas a ajudar, que acreditaram no meu potencial e me deram respaldo para construir meu futuro. Tenho certeza que lá na frente vou poder dizer, com muita satisfação, toda a importância e influência dos jesuítas na minha vida”, afirmou Andrew, que atualmente trabalha em uma empresa de informática e consegue arcar com as despesas da faculdade.
E de que maneira a educação pode contribuir para a superação da desigualdade? O professor e sociólogo português Boaventura de Souza Santos, especialista em democracia e direitos humanos, argumenta em suas aulas na Universidade de Coimbra que “temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza”. E o desafio cotidiano da escola é justamente articular o currículo pedagógico à realidade social do aluno, fazendo a inclusão do indivíduo no contexto de uma equânime condição de identidade, sem distinção de discurso.
“Foi no São Luís que eu tive real noção da minha capacidade e das minhas necessidades. Muitos acreditam que as pessoas pobres, de periferia, não conseguem desempenhar o papel escolar de um aluno melhor preparado. Mas pude ter a certeza que era capaz no momento que professores e orientadores acreditaram em mim e me deram motivação para buscar meus objetivos. Fui inserido numa situação onde consegui me adaptar muito bem”, afirmou Vitor Luiz Sousa Silva (foto), 17, aluno recém-formado no curso noturno do Colégio São Luís.
Para ele, morador de Embu das Artes que sempre estudou em escolas públicas, a diferença na visão de mundo foi circunstancial. Ele contou ainda que, no início do curso, sentiu dificuldades. “O ambiente é totalmente diferente. É um mundo estranho em um primeiro momento. O ritmo escolar era muito puxado, era muito conteúdo, e inicialmente eu achei que não fosse capaz e desanimei um pouco, para ser sincero. Mas as pessoas, os professores e toda a coordenação do curso noturno me fizeram mudar de opinião. Entendi que eu só podia ser aprovado e conseguir boas notas com o meu próprio esforço. A partir daí, eu passei a me dedicar muito nos estudos e no que era passado em sala de aula. Hoje eu tenho noção de que não importa sua condição social, desde que você tenha dedicação. Os laços de amizade que cultivamos com pessoas que compartilham da mesma situação e de diferentes pontos da cidade contribuíram muito para um bom relacionamento na escola”, relatou Vitor.
E ainda foi através do Colégio São Luís que Vitor entrou no mercado de trabalho. Após ter sido representante de classe no segundo ano do Ensino Médio, foi indicado para trabalhar na secretaria do Anchietanum, obra apostólica da Companhia de Jesus dedicada à formação e acompanhamento da juventude. Conciliando trabalho e estudos, Vitor decidiu que faculdade cursar.
“Consegui conciliar muito bem os estudos com o trabalho e agora busco voos ainda mais altos. Eu sempre tive vontade de cursar uma universidade, mas não tinha ideia do que fazer. E foi no (Colégio) São Luís que eu tive a certeza que queria ser um sociólogo. Pretendo me formar em Ciências Sociais, trabalhar com comunidades carentes e, quem sabe, me tornar professor”, contou.
Oportunidades
Outra obra jesuíta em São Paulo que faz trabalho semelhante ao São Luís é o Colégio São Francisco Xavier, no Ipiranga. A escola tem cerca de 100 alunos bolsistas no período diurno, também correspondente ao Ensino Médio, em uma parceria com outras três instituições de ensino do bairro, todas da rede pública da capital paulista. O diretor-geral e pedagógico do colégio, Gilberto Santo Covre (foto), explicou que o programa de bolsa social dá oportunidade para jovens, com boas notas no Ensino Fundamental. Os alunos escolhidos são submetidos a um teste de Português e Matemática e os 40 mais bem colocados se classificam para a entrevista com a coordenação social.
“Cada escola com que nós mantemos essa parceria nos envia, todo ano, cerca de 90 alunos com as melhores notas nos 9º anos, e aqui fazemos a seleção para ver quem vai ganhar a bolsa. Eles (alunos) precisam se enquadrar no quadro social exigido pela escola, que é de renda de até um salário mínimo e meio para cada membro da família. Se estiverem dentro deste perfil, podem ser matriculados no Ensino Médio”, detalhou Covre.
Cerca de 30 alunos se classificam todos os anos para o primeiro ano do Ensino Médio. E segundo o diretor, a demanda é muito maior. “Infelizmente nós não podemos receber todos esses alunos. Temos um número limite. Muitos jovens procuram essa bolsa. Até mesmo a pré-seleção realizada pelas escolas parceiras é concorrida. Eles formam cerca de 250 estudantes todos os anos no Ensino Fundamental e nem um terço disso consegue notas para tentar uma vaga no São Francisco Xavier”, explicou.
De acordo com o diretor, os alunos que são atendidos pela bolsa social, que cobre 100% dos custos com a mensalidade do Colégio, deparam com um novo mundo. “Nós percebemos uma dificuldade dos alunos oriundos das escolas públicas. Eles encontram um ensino forte, com orientação e disciplina. Mesmo com pouca idade, eles se dão conta que estão diante de uma oportunidade única na vida. É uma satisfação muito grande vê-los progredir e ansiar por novas conquistas. Os meninos estudam muito, se esforçam em todas as atividades. Nós damos todo tipo de auxílio para que esses estudantes tenham as mesmas condições de igualdade do aluno que não se utiliza da bolsa social, além de prepará-los para a vida acadêmica e profissional”, disse Covre, que, com 30 anos de experiência na área pedagógica, se orgulha diante da dedicação desses jovens.
Por Rafael Felippe