O ex-ministro da Justiça e ex-advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, defendeu uma ampla reforma no sistema político como sendo a saída para a crise política e institucional pela qual passa o Brasil. Essas e outras ideias fizeram parte da conferência que marcou o encerramento do VI Congresso de Direito Constitucional – Publius 2017, na Unicap (Universidade Católica de Pernambuco). Confira a entrevista:
Como o senhor enxerga a atual situação do Estado brasileiro?
A Constituição brasileira de 1988 consagra o modelo de Estado Democrático de Direito, um modelo que nós temos hoje no mundo e que está em um processo de crise. No Brasil, essa crise está agudizada. As instituições estão completamente desorientadas, conflitos permanentes entre os poderes. Acredito que devemos pensar o modelo de Estado, mas sempre na afirmação democrática, no respeito democrático e não pela ótica do autoritarismo e supressão de direitos. É um desafio que temos para o futuro.
Há espaço para o surgimento de um regime autoritário no país?
A visão fascista e intolerante cresce a cada dia no Brasil e vejo isso com grande preocupação. Também vejo com preocupação a transformação da sociedade numa dimensão polarizada, no qual direitos são ignorados e a ideia de uma arena romana prevalece ao invés do julgamento justo das pessoas. Situações desse tipo de intolerância me preocupam. Temos vários desafios, um deles é combater a corrupção com rigor: uma virtude. Por outro lado, fazer com que essa virtude não se transforme em abuso, com que direitos sejam pisoteados e o Estado de Direito não seja violado.
Como o senhor avalia a gestão do Procurador Geral da República Rodrigo Janot à frente do MPF (Ministério Público Federal) e o que esperar de Raquel Dodge?
Janot teve o seu estilo e Raquel terá o dela. Vai prevalecer sempre a dimensão institucional do Ministério Público Federal. O MP tem um papel muito importante no combate à corrupção. É uma instituição composta por homens e por mulheres e que tem grandes virtudes e, às vezes, comete grandes erros. É muito importante que o MP continue a se fortalecer, que os erros sejam corrigidos, que o abuso de poder não prevaleça, que as pessoas ao exercerem as funções dessa nobre instituição não se precipitem jamais.
E sobre Janot?
Houve erros e acertos. Não devemos execrá-lo nem santificá-lo. É uma característica do momento atual do Brasil. Ou as pessoas são santas ou demônios. Janot teve um papel importante no combate à corrupção. O importante é que a instituição Ministério Público seja tratada com a dignidade que ela merece.
Uma conversa sua com Joesley Batista foi gravada. Como o senhor se posiciona diante do conteúdo?
Basta ouvir o áudio para verificar que houve uma tentativa de armação para cima de mim e tentarem me utilizar para atingir o Poder Judiciário. Acho isso deplorável. Fui consultado como advogado. Acho que foi um triste episódio e só tenho a mostrar minha indignação.
A Operação Lava Jato pode deixar algum legado ao país?
Eu acho que a Lava Jato deixará um legado para o país muito importante de combate à corrupção, mas também é necessário considerar que em alguns momentos houve abuso de direito. Não se pode aqui querer ser maniqueísta: dizer que foi maravilha ou que foi inferno. Tem vantagens e tem erros, virtudes e defeitos. Sempre defendi com intransigência o combate à corrupção no Brasil porque a corrupção é uma das causas que geram exclusão social no país. O pobre precisa mais de serviço público que o rico. Portanto, que se combata a corrupção fortemente com vigor, com energia e coragem, mas que não se faça isso a custos como são aqueles de aniquilamento de direitos, de pisotear garantias e de transformar julgamentos em arena romana.
O senhor acredita que esta segunda denúncia contra o presidente Michel Temer passa no Congresso?
Eu não prejulgo ninguém. O presidente Temer tem todo direito de se defender. Acho que a situação dele é incômoda pelas provas que foram reunidas. Aquelas imagens do Rocha Loures, do dinheiro de Geddel e de certas situações colocadas são incômodas. Vamos aguardar que ele se defenda. Agora eu não posso concordar que o mesmo Congresso Nacional que afastou a presidente Dilma Rousseff por questões meramente orçamentárias, no qual os governos anteriores faziam e não havia má fé, aonde não havia corrupção, ter destituído uma presidenta eleita se quer permitir a investigação de Michel Temer. Acho isso um absurdo e um escarnecimento do Brasil aos olhos do mundo.
Quais mudanças o senhor defende para o sistema político brasileiro?
Eu sempre fui um adepto do semi-presidencialismo, ou seja, aquele parlamentarismo mitigado que existe em Portugal e na França, mas desde que haja uma mudança no sistema político. Defendo o voto distrital misto, como o que existe na Alemanha, e o sistema de semi-presidencialista que parecem ser o ideal para o Brasil. Sem uma reforma política, sinceramente, eu acho que o Brasil não sai das crises permanentes que entristecem tanto o nosso povo.
Uma reforma política seria capaz de trazer algum progresso ético para o Brasil?
Dificilmente um Poder se auto reforma. É das instituições humanas. Uma pessoa que tem uma certa função de exercício de poder dificilmente muda as regras que o investiu na condição de poder. Há que se ter muito desprendimento para que se faça isso. Então, quando se fala em reforma política, as pessoas que estão no sistema político tendem a pensar o seu caso e não o que é necessário para o país. Essa é a razão pela qual eu acho que o correto é que a reforma política venha da sociedade, que a sociedade debata, discuta e aponte o principal modelo para o país de reforma política. Agora, a reforma é imprescindível. Enquanto a sociedade não perceber que o sistema político é anacrônico, equivocado, gerador de corrupção e de ingovernabilidade, nós sempre teremos um país com tudo para correr a mil quilômetros por hora nas estradas da vida, mas no fundo é um calhambeque desgrenhado que não consegue soltar a máquina que tem dentro do país. Não há economia, não há política social que sobreviva num sistema político como esse.
Fonte: Unicap (Recife/PE)