Meninas do Brasil foi a primeira exposição do padre Geraldo Lacerdine. A mostra, lançada em 2012, percorreu algumas cidades brasileiras e trazia, por meio da pintura, a história e o rosto de meninas e mulheres. Agora, após cinco anos, o jesuíta apresenta sua nova exposição, intitulada Sagrado Primitivo – O intermédio de dois mundos. A mostra propõe a discussão sobre a manifestação do sagrado na diversidade e apresenta vinte quadros, com figuras que questionam o estereótipo do sagrado tradicional. Na exposição, figuras negras e femininas ocupam lugar em ícones clássicos da tradição religiosa de uma maneira nunca vista.
Segundo padre Geraldo, tanto a primeira quanto a segunda exposição têm um cunho humanizador e transformador. Ele conta que a inspiração para desenvolver o segundo trabalho surgiu na época da mostra Meninas do Brasil, na qual um dos quadros retratava a Virgem Maria e trazia elementos que relembravam a história da mãe do jesuíta. “Eu pintei de uma maneira não convencional, era uma menina com características do povo brasileiro —negro, cabelo crespo—, ou seja, a imagem que eu concebia da Virgem de Aparecida. Nesse tempo, eu comecei a receber algumas críticas dessa imagem, pessoas dizendo que aquela pintura não condizia com o modo de representar a Virgem. Nesse momento, eu fiquei pensando: mas qual é o problema? A questão é que algumas pessoas queriam que eu tivesse retratado a Virgem com os padrões eurocêntricos, ou seja, pele branca, olhos azuis, características nórdicas”, explica o jesuíta.
Após esses questionamentos, padre Geraldo começou a pesquisar as origens de alguns preconceitos e a determinação estética do padrão eurocêntrico, principalmente pelos brasileiros. “Iniciei a pesquisa pela análise das produções artísticas do cristianismo primitivo. Depois, fui para a dimensão bizantina, barroca, clássica, neoclássica e tive uma grata surpresa ao concluir que a arte, ao longo dos tempos, costuma aproveitar a dimensão cultural, então não havia um padrão nem eurocêntrico, nem de outra maneira, que determinava a produção. Assim, comecei a perceber que o preconceito vinha de uma certa experiência religiosa das pessoas em um campo mais conservador da observação das formas, ou seja, as pessoas tinham preconceito todas as vezes que percebiam as imagens ou que as representações do sacro não obedeciam ao padrão eurocêntrico”, afirma.
“O intuito é mostrar que o sagrado manifesta-se em todas as coisas: na natureza, nas pessoas, nos lugares, e que Deus toma o rosto daquele que Ele quer comunicar para se comunicar com ele. “
Esse processo de questionamento e de pesquisa inspirou a concepção da exposição Sagrado Primitivo. “O intuito é mostrar que o sagrado manifesta-se em todas as coisas: na natureza, nas pessoas, nos lugares, e que Deus toma o rosto daquele que Ele quer comunicar para se comunicar com ele. Ou seja, Ele toma o rosto do menor abandonado, do pobre, do aflito, do injustiçado. Então, é outra perspectiva da percepção do sagrado. Eu acredito que a arte tem a capacidade de transformar as pessoas, pois ela provoca mudanças. Mudanças de pensamento, sentimento, postura. Essa exposição é extremamente humanizadora, porque toca nas dimensões mais profundas do humano, tanto da experiência da fé quanto da experiência existencial”, acredita padre Geraldo.
De acordo com o jesuíta, a proposta do projeto é romper com a cultura do preconceito e ampliar a observação para um autêntico e genuíno sagrado, que nasce do intermédio entre dois mundos, céu e terra, e que chamamos de humano. “Nas pinturas, eu estou defendendo a manifestação na diversidade humana. Então, cada quadro vai relatando como esse sagrado se manifesta. Hoje, estamos vivendo tempos de muita intolerância, de pessoas que chegam a não respeitar o outro na sua individualidade. Nesse contexto, a exposição Sagrado Primitivo abre um poucos essas portas, as portas para a manifestação do sagrado na diversidade, pois Deus não escolhe entre brancos e negros, entre pobres e ricos, para se manifestar, mas que Ele se manifesta de uma maneira generosa para todos. Então, aqui, não tem espaço para um juiz, para melhores e piores, aqui, tem o espaço da graça e é isso que Deus faz na manifestação. Nesse sentido, a mostra toca um pouco nessa dimensão de não julgar os outros, não precisa ser juiz da causa alheia, porque o próprio Deus, que é o Senhor de todas as coisas, Ele ama primeiro antes de julgar, Ele cuida primeiro antes de julgar as pessoas. Então, a mostra pretende provocar e tocar nosso ser mais profundo, o sagrado primitivo interior, e despertar nossos sentidos para a manifestação da beleza existente na diversidade do mundo”, ressalta.
A intenção da mostra não é chocar o público, mas propor uma reflexão respeitosa sobre preconceitos e a aceitação da diversidade na produção artística tradicional do sacro. Em São Paulo, a exposição ficará no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, até a próxima sexta-feira (17). No site artelacerdine.com, é possível ver todas as pinturas da exposição.
Assista ao vídeo abaixo e saiba mais detalhes sobre a mostra: