Filósofa Sally Haslanger encerra Congresso da Anpof com reflexão crítica sobre práticas sociais e justiça

A palestra de encerramento do XX Congresso Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (Anpof), realizada na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), contou com a participação da filósofa norte-americana Sally Haslanger, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Conhecida por sua vasta contribuição nas áreas de filosofia social, teoria crítica feminista e filosofia da raça, Haslanger trouxe para o evento uma reflexão sobre práticas sociais, justiça e a transformação das estruturas culturais e políticas.

Em sua apresentação, intitulada Intervenção em Práticas Sociais para a Justiça Transformativa, Haslanger abordou questões centrais sobre como as sociedades perpetuam injustiças sistêmicas e como essas dinâmicas podem ser modificadas a partir de intervenções locais. Ela começou problematizando a maneira como “a cultura e as práticas sociais são reproduzidas de forma que geram desigualdades e opressão”. Segundo a filósofa, as práticas sociais são redes complexas e interconectadas que se sustentam por meio da nossa participação e podem ser manipuladas de forma a promover transformações profundas.

A filósofa argumentou que as sociedades, ao reproduzirem suas culturas e práticas, perpetuam injustiças estruturais, mas ressaltou que essas estruturas são dinâmicas e passíveis de mudança. “Práticas sociais não podem continuar sem a nossa participação, então podemos, sim, impactar a evolução dos sistemas”, afirmou Haslanger, citando sua pesquisa que explora a interseção entre ideologia e práticas culturais.

Práticas sociais e a construção da ideologia

Citando o filósofo John Balkin, Haslanger destacou como os valores humanos são moldados pela cultura, e não intrínsecos aos indivíduos: “Sem cultura, os valores humanos são inarticulados e indeterminados; por meio da cultura, eles se tornam diferenciados, articulados e refinados”. Nesse processo de construção cultural, a filósofa explicou como as normas sociais, as leis e até os esquemas psicológicos podem tanto perpetuar práticas opressivas quanto ser os pontos de alavanca para mudanças estruturais.

Haslanger trouxe à tona o conceito de “tecnê cultural”, termo que utiliza para descrever o conjunto de significados, símbolos e associações que moldam o comportamento social. Ela afirma que “as práticas sociais organizam nossos recursos e valores de maneiras que podem ser injustas ou prejudiciais”, mas que, ao reconhecer esses padrões, é possível subvertê-los. A ideologia, nesse sentido, surge quando essa tecnê cultural “se desvia”, distorcendo o que é de fato valioso para a sociedade e promovendo injustiças.

Organização e co-design como ferramentas para a justiça social

Um dos pontos altos da palestra foi a discussão sobre a importância da organização coletiva como estratégia para combater essas práticas injustas. Haslanger enfatizou que movimentos sociais não são apenas sobre resistência disruptiva, mas também sobre “agregar pessoas em torno de interesses comuns para que possam exercer força coletiva”. Ela citou o trabalho de Astra Taylor, destacando que “organizar é um trabalho de longo prazo e muitas vezes tedioso, que envolve criar infraestrutura, encontrar pontos de vulnerabilidade e desenvolver estratégias de resiliência”.

Outro tema explorado foi o conceito de co-design, que Haslanger desenvolve em sua atuação no D-Lab do MIT. Inspirada por métodos de design participativo, ela explicou como o co-design permite que comunidades vulneráveis não apenas identifiquem os problemas que enfrentam, mas também participem ativamente na criação de soluções. “Ensinar alguém a pensar criticamente e a ser politicamente consciente não apenas os capacita a se defender, mas os torna agentes na mudança das normas sociais e das condições materiais”, afirmou.

Desafios da transformação social

Embora otimista quanto ao potencial de mudanças estruturais, Haslanger reconheceu os desafios inerentes à transformação social. Um dos principais obstáculos é o que ela chamou de “encerramento epistêmico” – a dificuldade de ver que certas práticas são problemáticas porque elas parecem ser justificadas pelo próprio mundo que moldaram. “A ideologia pode bloquear a imaginação e limitar nosso senso de possibilidade”, explicou.

Porém, ela destacou que, mesmo diante da resistência, a mudança social é possível, especialmente quando indivíduos e grupos encontram novas formas de ver e agir sobre a realidade que os cerca. “Por meio de esforços coletivos para criar novas ferramentas culturais e materiais, podemos nos tornar poderosos agentes de mudança social”, concluiu.

Fonte: Unicap

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