Aos 49 anos, recém-completados, irmão Jorge Luiz de Paula tem muitas histórias para contar. Muitas delas envolvem seu fascínio pela educação e por uma arte para lá de especial, a dança. Como jesuíta, participou de vários grupos e viajou pelo Brasil com esse fazer artístico. Então, veio a oportunidade de aprofundar-se cientificamente, por meio da graduação, da especialização e do mestrado em dança, todos pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Em entrevista ao Em Companhia, o jesuíta conta um pouco de sua vida, de sua vocação como irmão e como a arte o inspira na sua atual missão na Escola Santo Afonso Rodriguez, em Teresina (PI), onde exerce a função de Coordenador Pedagógico do Ensino Fundamental I e do Serviço de Orientação Religiosa e Pastoral (SORPA).
Ir. Jorge, conte-nos um pouco de sua história.
Nasci em uma pequena cidade do interior do Ceará, chamada Quixadá. Sou o filho caçula de quatro irmãos: somos três homens e uma mulher. Venho de uma família muito religiosa, especialmente por parte de meus avós paternos, que sempre estiveram muito ligados à Igreja católica e suas atividades. Isso me influenciou de forma direta, pois, desde tenra idade, fui conduzido por eles a experimentar dessa fé e a experiência eclesial sempre fez com que minha família permanecesse bastante unida. Eu guardo um apreço muito grande pelas paróquias das quais participei e que alimentaram, de certa forma, minha caminhada de fé.
Como conheceu a Companhia de Jesus? Quais as motivações que o levaram a decidir seguir Jesus Cristo como jesuíta?
Conheci a Companhia de Jesus por meio dos encontros vocacionais da arquidiocese de Fortaleza (CE), aos quais fui convidado a participar quando tinha 15 anos. E aí conheci alguns jesuítas que atuavam junto ao serviço com vocações. Nesse tempo, participei dos encontros vocacionais em minha paróquia. Depois, fui morar em uma paróquia dos jesuítas e foi, então, que conheci, mais a fundo, a Ordem religiosa, pois trabalhava junto com os jesuítas nessa paróquia. Assim, as inquietações vocacionais surgiram e tornaram-se fortes com o passar dos anos. Então, eles me convidaram para fazer uma experiência interna no centro vocacional, aceitei e gostei do que vivi. Posso dizer que o desejo de mais intimidade com a pessoa de Jesus foi o que me fez decidir pelo seguimento de Cristo na Companhia.
Por que ser irmão jesuíta? Pode nos explicar essa vocação?
Este chamado a ser irmão veio desde o momento em que conheci a vida religiosa consagrada, porque, a meu ver, os irmãos têm maiores possibilidades para se inserirem no meio das comunidades, das pessoas e de estar a serviço dos demais; e sempre senti esse apelo. No decorrer do processo vocacional, senti-me interpelado a buscar a vocação sacerdotal, assim como boa parte dos jovens da minha época. Contudo a possibilidade de ser irmão tocava-me mais fortemente. Tenho mais de 25 anos de vida consagrada e posso dizer que o ser irmão é assumir os conselhos evangélicos do batismo na vida toda e assim seguir e servir radicalmente o Cristo, enquanto missão e doação. O consagrado é aquele que é um testemunho vivo de Jesus Cristo em tudo aquilo que faz.
Hoje, o irmão é desafiado a ser proativo, a assumir responsabilidades que, antes, eram exclusivas dos padres. Como o senhor vê essas mudanças?
Essa mudança é muito positiva, porque, hoje, os irmãos se fazem protagonistas de sua própria história. Hoje, muitos irmãos atuam em cargos que, antes, eram apenas dos sacerdotes. Contudo creio que a discussão primeira é o fato de que somos todos jesuítas com diversos dons a serviço de uma missão que é comum: anunciar o Reino de Deus e fazê-lo presente nos dias atuais. Os irmãos têm muitos dons e capacidades que podem ser utilizados pela Companhia de Jesus. Oxalá, continuemos crescendo nessa igualdade dentro da Companhia de Jesus e que os irmãos estejam sempre à disposição de todas as frentes de missão, onde formos produzir o bem maior.
Por que a vocação do Irmão é atraente para os jovens de hoje?
Digo aos jovens que essa vocação é atraente porque traz em si algumas dimensões importantes para o ser humano, como o “escondimento”, pois podemos realizar a nossa missão sem necessidade de alardes e essa é uma dimensão importante para as pessoas. O irmão é alguém que tem identidade própria, é alguém apaixonado pela pessoa de Jesus Cristo e pelas demais pessoas e aí está presente a acolhida do outro, pois o sentido da vida dá-se quando nos colocamos a serviço dos demais. É assim que eu vejo a vocação dos irmãos.
O senhor é formado em Pedagogia e em dança. Por que Pedagogia? Em que a dança o ajuda no trabalho pedagógico?
Formei-me, primeiramente, em pedagogia e trilhei esse caminho por orientação dos meus superiores da época, que me motivaram a estudar em virtude das necessidades da Companhia de Jesus, pois a maioria de suas obras era na área da educação. Segui, então, por esse caminho e apaixonei-me. Posso dizer que, hoje, amo trabalhar com educação. Posteriormente, veio a dança, como nova dimensão da minha vida como religioso. Essa graduação em dança ajudou-me a ler o mundo a partir da forma da movimentação, uma linguagem por meio da qual as pessoas se comunicam e da qual, no meu trabalho, faço uso para entender como as pessoas estão no mundo, pois, para mim, a dança é isso: uma forma de estar no mundo.
“[…]pude perceber o que as comunidades são a partir de suas danças populares”
Como surgiu o interesse pela dança? Qual a história com essa arte?
A dança surgiu em minha vida bem antes da vocação religiosa, pois comecei meus estudos de balé clássico ainda muito jovem, fui conhecendo a arte e amadureci muito o meu modo de pensar depois que ingressei na vida religiosa. Muitas vezes, pensei em deixar de lado a dança, contudo encontrei pessoas que me incentivaram a continuar vivendo essa arte e, mesmo estando na Companhia de Jesus, participei de vários grupos e viajei pelo Brasil com este fazer artístico. Assim, posteriormente, veio a oportunidade de aprofundar-me cientificamente nessa arte com a graduação, a especialização e o mestrado. Meus estudos sempre foram voltados para as tradições populares, minha área de interesse. Por meio deles, pude perceber o que as comunidades são a partir de suas danças populares. Atualmente, não estou atuando na área da dança, mas procuro viver e ler o mundo a partir dessa ótica.
*Essa matéria foi publicada na 42ª Edição do informativo Em Companhia (Março 2018). Quer ler a edição completa? Então, clique aqui!