
A Província dos Jesuítas do Brasil realizou, na noite desta quarta-feira (03), a última live da Campanha Jesuítas pela Justiça Climática – Fé em Ação na COP30, em um encontro dedicado a avaliar caminhos, responsabilidades e perspectivas que se abrem após a Conferência do Clima, realizada este ano em Belém (PA). A transmissão reuniu três convidados diretamente envolvidos em processos de incidência socioambiental e contou com a mediação de Luiz Felipe Lacerda, secretário executivo do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (Olma) e coordenador da Cátedra Laudato Si’ (Unicap).
Em sua abertura, Luiz Felipe destacou o caráter histórico da COP no Brasil e na Amazônia: “Pela primeira vez, em 30 edições, a Conferência aconteceu na Amazônia. Que isso não seja apenas simbólico, mas um chamado para caminhos concretos de cuidado da Casa Comum e compromisso com os mais vulneráveis.”
Ele também relembrou as quatro grandes agendas trabalhadas ao longo da Campanha: perdas e danos; agroecologia e soberania alimentar; transição energética justa; e justiça climática como eixo transversal.
A primeira convidada a falar foi Suelem Gomes Velasco, analista do Centro Alternativo de Cultura (CAC), que trouxe a perspectiva das organizações e comunidades amazônicas que se prepararam ao longo de meses para a COP30. Ela destacou o protagonismo das populações tradicionais nos espaços oficiais e paralelos do evento, reforçando que a presença amazônica é essencial para compreender e enfrentar a crise climática.
“O diferencial desta COP foi a participação popular em grande número. Os protagonistas da Conferência foram os povos: ribeirinhos, indígenas, quilombolas, agroextrativistas, agricultores familiares, além das mulheres e crianças. Foi um momento em que o povo mostrou sua força, marcou presença e vocalizou suas questões.”
Em seguida, Suélem enfatizou a urgência de escutar aqueles que vivem diariamente os impactos das violações ambientais e das desigualdades estruturais na região: “Como falar de justiça climática sem se importar com o povo que aqui está? Todos os dias os povos indígenas e quilombolas sofrem ataques, árvores são derrubadas para o avanço do agronegócio e defensores são perseguidos na Amazônia. Belém trouxe o povo para dentro das discussões: foram mais de 3 mil indígenas, cerca de 50 mil visitantes e centenas de organizações e movimentos, todos com o mesmo objetivo — assegurar que a justiça climática não seja apenas um conceito.”
O segundo convidado a falar foi o Pe. Anderson Pedroso, SJ, reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e presidente da Organização de Universidades Católicas da América Latina e do Caribe (Oducal). Ele apresentou uma leitura realista e comprometida dos próximos passos pós-COP, destacando que esta edição reforçou uma agenda voltada para a economia real, especialmente no que diz respeito aos planos nacionais de adaptação.
“Vamos ter que nos adaptar — o Brasil e todos os outros países. E isso implica decidir como usar os recursos, quais políticas públicas serão implementadas e como esse processo será conduzido internamente.”
O jesuíta também ressaltou a articulação entre organizações da Igreja e da sociedade civil e a responsabilidade que se abre para o Brasil neste período, observando que o trabalho está apenas começando: “Tudo isso agora está nas mãos dos negociadores. Eu conheço alguns — inclusive um professor da PUC-Rio que integra essa equipe de economistas — e nós teremos que acompanhá-los, pressioná-los naturalmente, mas também auxiliar. A presidência da COP começou agora e vai até a próxima edição. Temos um ano inteiro de trabalho pela frente, e acompanhar esse processo será fundamental.”
Ele resumiu três eixos que considera centrais para compreender o momento atual:
“Primeiro: fomos colocados na fronteira. Experimentamos ali o que é a humanidade hoje, a sensação extraordinária de estar juntos, todos na mesma situação.
Segundo: financiamento é a palavra-chave. Vamos precisar insistir muito nisso — foram 30 anos dialogando; agora é a hora da implementação. Precisamos de um mutirão global para a adaptação, um esforço coletivo para lidar com enchentes, secas e ondas de calor, que vão custar muito para os cofres públicos. E os países reconheceram que é necessário esse financiamento global. Ele precisa aumentar pelo menos 12 vezes o que está previsto até 2035.
Terceiro: é preciso acompanhar o processo. A COP é um evento; muita gente esteve lá, se mobilizou, se expressou. A Zona Verde foi uma festa maravilhosa — popular, diversa, cheia de propostas. Mas é preciso ir além do evento. O importante é o processo. E nós, como jesuítas, temos essa responsabilidade e essa possibilidade. Do ponto de vista formal, eu diria que a COP foi um sucesso.”
Encerrando a rodada de falas, o Pe. Agnaldo de Oliveira Junior, SJ, delegado socioambiental da Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina e do Caribe (Cpal), fez um balanço das decisões da COP e destacou a atuação articulada das redes internacionais da Companhia de Jesus. Segundo ele, a missão dos jesuítas nas COPs integra um processo global permanente, sustentado por quatro grandes redes de advocacy: ecologia integral, direitos das comunidades impactadas pela mineração, educação popular e migração forçada.
Sua reflexão enfatizou a dimensão estrutural da crise climática: “Ouvimos muito na COP que o que precisa mudar não é o clima nem o meio ambiente, mas o sistema. Sem transformar esse sistema — uma economia que mata, que explora e que violenta — não haverá impactos reais na preservação do clima. A relação entre economia e meio ambiente é inegável. Precisamos mudar nosso estilo de vida e rever o modelo econômico que impulsiona as consequências desse capitalismo predatório no qual estamos inseridos.”
O sacerdote também demonstrou preocupação com a falta de clareza nos compromissos sobre combustíveis fósseis, com a ausência de um “mapa do caminho” para a descarbonização e com contradições do próprio Brasil no cenário legislativo e energético. Ele relatou ainda que sete provinciais jesuítas se reuniram após a Conferência, em Manaus (AM), para fortalecer a presença apostólica e os processos de articulação na Pan-Amazônia, envolvendo obras, comunidades e redes internacionais.
Ao retomar a palavra no encerramento, o mediador Luiz Felipe agradeceu a participação dos convidados e reforçou que a missão pós-COP30 exige perseverança, comunicação clara e compromisso diário:
“Esperança, para nós, é ação. É o ‘esperançar’ que se faz no território, na pesquisa, na organização comunitária, na incidência política. A conversão ecológica é um caminho contínuo.”
A live marcou o fechamento de três meses de mobilização da Campanha Jesuítas pela Justiça Climática, que desde setembro promove reflexões e formações sobre temas-chave da agenda climática global, inspirada pelas Preferências Apostólicas Universais e pela Encíclica Laudato Si’.
Para quem não assistiu ou deseja rever, a live está disponível no canal Jesuítas Brasil, no YouTube: youtube.com/watch?v=YlEqeeFafqs




