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Liderança organizacional ao estilo jesuíta

Chris Lowney (foto) foi estudante jesuíta por sete anos. Durante esse tempo, ensinou e estudou em instituições jesuíticas nos Estados Unidos e em Porto Rico. Recebeu graduação summa cum laude da Universidade de Fordham em História e Filosofia Medieval, onde cursou também seu mestrado. Atualmente, ele é diretor gerente da J.P. Morgan & Co., instituição americana de serviços financeiros globais e com operações em mais de 50 países. Lowney é conhecido por falar sobre liderança e ética nos negócios.

Seu livro Heroic Leadership: Best Practices from a 450-Year-Old Company That Changed the World (Liderança Heroica: Melhores práticas de 450 anos da Companhia que mudou o mundo) é um best-seller que está em primeiro lugar no ranking do CBPA (Catholic Book Publisher’s Association) e recebeu medalha de bronze no prêmio de Livro do Ano, de 2003, da revista ForeWord. A obra foi traduzida em dez línguas estrangeiras. Os leitores interessados são convidados a visitar a página www.ChrisLowney.com.

Confira, a seguir, a entrevista que Lowney concedeu, por e-mail, para a IHU On-Line, adiantando o tema que desenvolverá no Seminário Internacional A Globalização e os Jesuítas, que acontecerá na Unisinos de 25 a 28 de setembro. No evento, ele falará sobre o tema Características de liderança em uma organização: o caso da Companhia de Jesus.

 

O que caracteriza a liderança ao estilo jesuíta? Por que ela é uma liderança diferente?

É verdade que os jesuítas – mesmo não tendo os pré-requisitos do sucesso corporativo, nenhum plano e nenhum capital – são notoriamente bem sucedidos. Eles estão chegando ao seu 500º aniversário e podemos nos perguntar por que eles permanecem tanto tempo. Sobre essas questões, eu gostaria de refletir em meu livro (citado acima), olhando para os jesuítas do meu ponto de vista, como um banqueiro de investimentos no J.P. Morgan, onde nosso trabalho é aprender o que fazem as empresas terem sucesso e por quê.

Em que sentido o estilo de liderança jesuíta se torna fonte de inovação e avanço dentro e fora da Igreja?

Quando nós pensamos em líderes, pensamos naqueles que estão no comando: presidentes, generais, chefes executivos e assim por diante. Mas eu noto que cada jesuíta participa do mesmo programa de “treinamento gerencial”, que são os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Então, há uma ideia de que a liderança não é apenas para uma “elite”, mas que cada pessoa tem uma contribuição única a fazer e precisa desenvolver suas próprias habilidades. Então, a primeira diferença que eu vejo no modelo jesuíta é a ideia de que cada pessoa – não apenas aqueles no topo da hierarquia – é um líder.

Que princípios de gestão e liderança para a vida comum são oferecidos pela história dos jesuítas?

Os jesuítas têm um registro notável da inovação na Igreja e na sociedade. Por exemplo, eles ajudaram a inventar o alfabeto vietnamita e o calendário moderno e ajudaram a fundar uma das maiores cidades do mundo (São Paulo). Também contribuíram para registrar a linguagem guarani na forma escrita pela primeira vez. Pelo que sabemos, quando os primeiros jesuítas visitaram a Índia e a China, e até mesmo partes da América do Sul, eles provaram a si mesmos serem capazes de se adaptar a outras culturas que não a sua cultura europeia.

Por que eram tão estrategicamente flexíveis? Acho que parte do segredo é o conceito dos jesuítas de desapego nos seus Exercícios Espirituais. Inácio de Loyola nos chama a identificar qualquer apego pessoal e obstáculos que possam nos impedir de sermos “livres” nas nossas decisões. Então, por exemplo, qualquer pessoa que trabalhe em uma grande empresa sabe que, às vezes, péssimas decisões de negócio são feitas por executivos que são muito apegados ao seu próprio ego, ou ao seu status, ou ao medo de mudança, ou ao dinheiro. Os Exercícios de Inácio têm motivação religiosa, claro, mas a sua sabedoria espiritual também pode servir nos nossos esforços humanos – neste caso, por exemplo, fazendo-nos mais abertos e livres para sermos mais criativos nas nossas decisões ao identificar os obstáculos pessoais que podem ficar no nosso caminho.

Quais são hoje os valores que servem de suporte ao exercício da liderança nos negócios?

Eu pergunto: com quais princípios de gerência os jesuítas contrastam? Um dos princípios de liderança sobre o qual eu falo no meu livro é o amor, a saber, quando tratamos outros seres humanos com respeito pela dignidade humana. E eu sou o primeiro a admitir que “amor” pode parecer uma noção muito estranha nos negócios, atualmente. Francamente, nós estamos mais acostumados com o “medo”. Eu comparo Loyola com Maquiavel, que disse uma vez que se um governante tem uma escolha, “ser temido é melhor do que ser amado”. Inácio de Loyola acredita exatamente no oposto, e eu tenho que concordar com ele. Cada pai sabe, por exemplo, que as crianças se desenvolvem melhor quando são criadas por pais que as fazem se sentir seguras, que as tratam como valiosas e que imponham disciplina. O que nos convenceu de que nossas necessidades adultas são diferentes? As melhores equipes com as quais eu já trabalhei no JP Morgan foram equipes em que uns se apoiavam nos outros e tentavam  ajudar a empresa a ganhar: o que fez cada pessoa e a equipe como um todo ser melhor do que esses ambientes darwinianos, temíveis e paranoicos que, às vezes, encontramos nas grandes empresas de hoje.

Como compreender que dez homens sem capital e sem nenhum plano de negócios conceberam, no século XVI, uma das instituições religiosas mais longevas, inovadoras e com presença em todo o mundo?

Tendemos a achar o mundo dos negócios bem diferente do mundo da religião. E isso é um problema, pois muitos de nós estamos trabalhando em companhias, organizações, escritórios. Se não podemos achar um meio de conectar nossas crenças religiosas ao trabalho que fazemos todos os dias, então iremos sentir como se levássemos “vidas paralelas”, e sofreremos alguma desconexão. Vamos à “igreja aos domingos e trabalho na segunda” como se não houvesse conexão entre ambos. Muitos de nós estamos nesse impasse, e eu conheço muita gente que está desanimada nesse sentido. Então, estou muito interessado em encontrar, mais e mais, caminhos nos quais possamos fazer alguma conexão entre nossas crenças espirituais e nosso local de trabalho. Não quero dizer isso em termos de “pregar” sobre nossas crenças para colegas de trabalho (porque em várias situações, isso será impróprio). Pelo contrário, podemos viver isso em valores como respeito, integridade, excelência, e assim um modo humano de vivenciar nossa vocação como cristãos.

O senhor pode falar sobre os quatro valores que, na sua opinião, conferem substância à liderança jesuíta: conhecimento de si mesmo, inventividade, amor e heroísmo?

Em Liderança Heroica, tentei explicar de uma maneira humanística quatro idéias ou valores que para os jesuítas teriam raízes religiosas e espirituais muito profundas nos Exercícios Espirituais. Não estou achando que isso seja uma fórmula “definitiva” sobre os jesuítas ou sobre a liderança, mas espero que essas ideias deem algum insight sobre o que devemos aprender em nosso trabalho diário.

Especificamente:

Auto-conhecimento: Primeiro de tudo, líderes devem se conhecer: suas forças e fraquezas, valores, visão de mundo, e assim por diante.

Inventividade: Líderes se adaptam com confiança/segurança ao mundo em mudança.

Heroísmo: Líderes motivam-se uns aos outros com paixão, ambição e compromisso para com metas que são maiores que qualquer pessoa.

Amor: Líderes tratam os outros de modo a respeitar sua dignidade humana e tentam desbloquear seus potenciais.

Jesuítas mais antigos não usariam palavras modernas como “inventividade” ou “liderança”, mas eu, a despeito disso, encontro essas qualidades nos Exercícios Espirituais. Por exemplo, todo o processo dos Exercícios é de autoconhecimento: indivíduos estão se auto-explorando, sua iniquidade, a vida de Jesus, e como irão seguir Jesus nas circunstâncias concretas de suas próprias vidas. E o último dos Exercícios Espirituais é comumente chamado Contemplação para alcançar o Amor , e nele Loyola nos convida a refletir sobre a ideia de que cada pessoa é feita “à imagem e semelhança de Deus”, como o Gênesis diz. Bem, se isso é verdade, então significa que devemos tratar as pessoas de acordo – mesmo no ambiente de trabalho – com o tipo de respeito por sua dignidade que chamaríamos de “amor” no espaço de trabalho.

O que faz parte da visão de mundo dos jesuítas?

A visão jesuíta do mundo é algo que temo que muitos estudantes possam responder mais compreensivelmente e mais efetivamente que eu. Mas me deixe talvez incluir uma ou duas perspectivas. Os jesuítas resolveram perseguir não uma vocação monástica, mas estilos de vida bem ativistas como professores, assistentes sociais e assim por diante. Um deles disse que, como resultado, os jesuítas tiveram que aprender a ser “contemplativos mesmo na ação”. Outro tema familiar jesuíta é a ideia de “encontrar Deus em todas as coisas”. Então, eu descobri que a “visão” jesuíta inclui uma forte ideia de que Deus está no mundo e nós O encontramos em nosso trabalho e ocupações. É por isso que eu acho a espiritualidade jesuíta muito relevante para aqueles de nós que estão trabalhando em escritórios, como professores, que são pais e assim por diante. A sua espiritualidade nos dá algumas “técnicas espirituais” efetivas para entendermos como podemos encontrar maneiras humanas de viver valores que terão raízes religiosas profundas.

Como Inácio de Loyola fazia para ajudar seus companheiros a se tornarem líderes?

Como mencionei, todo jesuíta deve completar os Exercícios Espirituais, que eram, em certo sentido, tentativas de Inácio de Loyola de traduzir em algum processo sistemático sua própria jornada pelo entendimento religioso e, acima de tudo, pelo auto-entendimento. Eu acredito que autoconhecimento é fundamental para a habilidade de liderança. Então, nem todos precisam fazer os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola, mas acredito que sua abordagem nos confirma o quão importante é investir algum tempo, construindo os alicerces do autoconhecimento: compreendendo nossas fortalezas e fraquezas, nossos valores, nossa visão de mundo e os nossos colegas. Se tivermos esses alicerces, podemos liderar bem. Se não o tivermos, teremos muitos problemas liderando eficazmente.

Como o indivíduo deve desempenhar seu papel de líder?

Uma das definições do dicionário para liderança é “apontar um caminho, uma direção ou uma meta e influenciar outras pessoas nessa direção”. Não é verdade que todos nós estejamos vivendo essa definição o tempo todo? Estamos apontando um “modo de vida” para outros em virtude de como nos comportamos, como usamos nosso tempo, quem contratamos, e como funcionamos nas reuniões. Muitos de nossos leitores são pais: pode haver algum outro exemplo mais óbvio de “apontar um caminho” e “influenciar outros” que aquilo que os pais fazem pelos filhos durante a vida? Então, pela definição do dicionário, boa paternidade é boa liderança. Ou, mais amplamente, o indivíduo lidera em virtude de valores de que ele dispõe no papel de modelo em casa, no trabalho, e em todos os aspectos da vida.

Fonte: IHU Online

 

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