Quando leio no Evangelho de João que “os seus não o receberam”, me recordo de Roberta. Vivia perto da avenida onde passava o transporte público. Todos os dias, ao voltar do trabalho e passar em frente à sua casa, me recebia o sorriso afetuoso de Roberta e sua mão que de longe me saudava. Mas não suspeitava até onde chegava sua hospitalidade.
Na avenida construíram um centro comercial. Roberta se sentava cada noite no portal de sua casa para conversar com os vizinhos e descansar da fadiga do dia. Cada noite contemplava um mendigo que chegava discretamente ao edifício em construção e entrava para passar a noite. A construção foi avançando e um dia puseram as portas. Quando o mendigo chegou de noite encontrou a porta fechada. Deteve-se frente a ela desconcertado, sem saber que fazer. Enquanto Roberta o contemplava, sentia seu coração encolher-se. Por fim o mendigo, sem saber que fazer, colocou no chão o saco onde carregava seus pertences e se sentou na borda da cerca. Roberta não pensou duas vezes, se levantou num salto, cruzou a rua e se aproximou do mendigo e lhe perguntou: “Não tens onde passar a noite?”
A única resposta foi o olhar triste dos olhos humedecidos pelas lágrimas. Roberta não lhe perguntou mais. Ajudou-o a levantar-se e o acompanhou até sua casa. Desde aquela noite, o ancião tinha um espaço seguro onde passar a noite e um café com pão cada manhã. Até que um dia o ancião não regressou. Roberta não sabe o que aconteceu com ele. Se encontrou outro lugar para alojar-se, ou se está preso ou em um hospital ou no cemitério.
Aquele gesto ficou marcado em minha memória, gravado como a mais bela experiência de Natal. Jesus teve onde passar a noite porque sim o receberam, e com carinho.
Quando contemplo os migrantes hoje, desconcertados em um mundo desconhecido onde não há rostos amigos, depreciados, maltratados, perseguidos, deportados, penso em Roberta. O recebeu em sua casa como um dos seus. Compartilhou o pouco que tinha. Os africanos mortos tentando chegar a Lampedusa. Os mexicanos e centro-americanos perseguidos nos Estados Unidos como delinquentes por buscar vida digna para suas famílias. Os dominicanos a quem é negada a sua documentação por serem filhos de haitianos. Os colombianos que, fugindo da guerra, se refugiam no Equador ou Venezuela. Os migrantes marcados como ilegais, delinquentes, sem direitos. Ninguém deles pode encontrar-se com Roberta.
Quando chega dezembro todas as crianças começam a sonhar com seus presentes de Natal. O nosso presente deve ser uma sociedade que pratica a hospitalidade. Recebamos ao migrante com um sorriso amigo. Ajudemos para que aprendam a cultura e talvez o idioma. Colaboremos para que encontre emprego digno, educação, saúde, oportunidades para legalizar sua situação. Lutemos para que não haja uma politica de rejeição e deportação. Criemos centros de acolhida e orientação. Perguntemo-nos que fazer, que devem fazer nossos colégios, paróquias, universidades, comunidades pelos migrantes. Apoiemos a Campanha da Hospitalidade, da Rede Jesuítas com Migrantes. Aproveitemos o Advento e o Natal para buscar formas de fazer-nos solidários com os que tantos excluem.
Que não se escreva de nós que “veio para os seus e não o receberam”.
Pe. Jorge Cela, S.J., Presidente CPAL
Fonte: CPAL