Recentemente, Ir. Davidson Braga Santos retornou da Terceira Provação, vivenciada na Índia. Última etapa da formação jesuíta, a experiência é um convite a mergulhar novamente na profundidade da experiência dos Exercícios Espirituais e no estudo da espiritualidade e do carisma da Companhia de Jesus. De volta ao Brasil, o jesuíta assume novos desafios como diretor do Centro MAGIS Amazônia (Belém/PA) e como coordenador do Eixo Socioambiental do Programa MAGIS Brasil e da missão com juventude e vocações na região amazônica. Em entrevista ao Em Companhia, ele conta um pouco de sua trajetória.
Conte-nos, um pouco da sua história.
O primeiro broto de minhas raízes foi cravado no sertão mineiro, nos gerais. Montes Claros (MG), conhecida como Princesa do Norte, foi a cidade onde meus pais se conheceram e nascemos meus irmãos e eu. Sou o segundo filho e, por vinte anos, fui o “machinho da casa”, como minha mãe costumava me chamar. Um ano antes de sair de casa, meu pai teve meu irmão, que assumiu este lugar depois de mim. Além dele, tenho cinco irmãs. Nós sete cobrimos quatro gerações de irmandade com características muito próprias, mas com as mesmas raízes.
Como conheceu a Companhia de Jesus? Por que decidiu ser jesuíta?
Mesmo tendo nascido em uma família católica, até os 14 anos de idade, eu não tinha engajamento eclesial e tampouco tinha feito catequese. Foi por meio do convite de uma prima para fazer o Encontro de Adolescentes com Cristo que eu conheci os jesuítas na paróquia São Sebastião. Inicialmente, o padre Inácio Perez, meu primeiro acompanhante espiritual. Logo depois, os padres Pedro Luís, José Pedro, Kity Kono e o irmão João Luís, o primeiro irmão jesuíta que eu conheci.
Aos 16 anos, fiz um “retiro de silêncio” e o amor por Cristo floresceu cada vez mais desde então. Já havia encantamento pela vida em comunidade, mas a vida religiosa ainda não era uma possibilidade. Depois de anos ouvindo as homilias do padre Inácio, rezando pelas vocações e pelos jesuítas missionários no Timor-Leste, o desejo de ser missionário começou a crescer. Nunca me ocorreu ser padre, mas pensava constantemente em ir para a África e alimentar os pobres ali. Eu trabalhava como cozinheiro e, quando lia sobre os irmãos jesuítas antigos, pensei que seria feliz se eu fosse cozinheiro na África. Decidi, pois, abandonar a faculdade de Direito, a namorada e a família para fazer o discernimento vocacional. Em 2004, aos 21 anos, saí de casa sem perspectiva de retorno. Meu sonho: ser irmão missionário cozinheiro na África.
Durante o discernimento vocacional o que o levou a decidir pela vocação de irmão jesuíta?
Decidir pela vocação de irmão jesuíta não é algo para que eu fui levado. Eu já havia decidido seguir a Jesus Cristo amigo e isso foi, e tem sido, a base de minha caminhada vocacional. Pode parecer estranho para alguns, mas eu nunca me senti chamado a ser padre e não procurei a Companhia de Jesus com essa intenção, ou com dúvidas a respeito. Desde minhas primeiras comunicações vocacionais com os jesuítas, sempre manifestei o interesse em ser irmão jesuíta.
O que eu desejava era viver cotidianamente com o Cristo, partilhar a vida e missão com outros que tenham as mesmas aspirações, servir aos mais pobres deste mundo, ser sinal do Amor. Meu chamado sempre foi a amar como sou amado, um filho amado. Lembro-me de que a experiência de me reconhecer filho amado foi decisiva. Davidson (David – o amado; son – filho). Se sou filho, todos somos irmãos. Agradeço ao Ramón de la Cigoña e ao Rogério Barroso que me ajudaram a compreender o significado do meu nome. O Senhor me chamou pelo nome.
Fale-nos da experiência da Terceira Provação. Quais razões o levaram à Índia? Quais os aprendizados?
Uma única razão me levou à Índia: conhecer o Cristo internamente. Essa razão, na verdade, é o que tem me levado de um lado para outro desde que saí de casa em 2004. Sou muito grato por ter tido a oportunidade de conhecer tantos lugares, tantas paisagens e, sobretudo, tantas pessoas desde que me tornei jesuíta. Aos poucos, fui aprendendo a “cozinhar para outras Áfricas”. Mas tudo o que aprendi na Índia foi desaprender. Desaprendi a ser apegado, a depender de instituições, a ter poucas visões sobre uma mesma coisa… O principal: estou ainda desaprendendo a ter tudo sob controle. A pluralidade de deuses, cores, ritos, músicas, idiomas, religiões da Índia, experimentada com o coração aberto durante a Escola dos Afetos (como é conhecida a Terceira provação), é algo que jamais esquecerei.
“Entendo que a vida e a missão do jesuíta é atualizar a vida e a missão de Jesus Cristo”
Antes da Terceira Provação, você foi coordenador Nacional do SJM-Brasil (Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados). Hoje, no trabalho com juventude e vocações, quais as diferenças e semelhanças entre esses trabalhos?
Voltar a trabalhar com juventude e vocações depois de quatro anos trabalhando com migração e refúgio é muito gratificante. Sinto que meu olhar e meu coração se expandiram muito nos últimos seis anos. O MAGIS 2013 tinha como lema Esperam por nós nações e foi, de fato, um encontro de muitas nações. Para além de nações geográficas: os pobres, os excluídos, as periferias… Esse apelo feito pelo então Superior Geral Adolfo Nicolás ainda ecoa em mim. Ele me levou à opção de colaborar com os haitianos em 2014 e com tantos outros imigrantes e refugiados nos anos seguintes. Conheci tantos países, tantas culturas, tanta riqueza. Dividi muitas lágrimas e sorrisos: do Haiti ao Vaticano, das periferias da região metropolitana de Belo Horizonte ao Planalto Central… Chego, agora, ao Norte do País e o mesmo apelo se faz presente.
Em sua nova missão, quais desafios já se manifestam pela frente?
São muitos os desafios. O Norte se apresenta como uma grande periferia do Brasil. Tudo é tão imenso! De difícil acesso, caro… Há uma superexploração de recursos, das pessoas. Os jovens morrem todos os dias vítimas da violência. Segundo o Atlas da Violência 2017 (IPEA e FBSP), de 2005 a 2015, a taxa de homicídios no Amazonas e no Pará cresceu 101,7% e 62,7%, respectivamente, enquanto houve redução de 36,4% no Rio de Janeiro e 44,3% em São Paulo. Na última semana de junho, visitei Boa Vista (RR). Que tristeza testemunhar a situação das nossas irmãs e irmãos venezuelanos! Estou, agora, sonhando com os jovens de Belém uma ação que amenize, de algum modo, o sofrimento de imigrantes e refugiados.
Retomando a questão anterior, eu não vejo diferenças entre nosso apostolado social e nosso apostolado com juventude e vocações. Entendo que a vida e a missão do jesuíta é atualizar a vida e a missão de Jesus Cristo. Eu continuo escutando o Senhor me chamar no jovem que sofre de solidão e depressão, na jovem que sonha, que acredita em um mundo mais justo e fraterno e que coloca todos os seus esforços para realizar esse mundo, no jovem que questiona meu modo de proceder e minhas opções, na jovem que me pede um acompanhamento espiritual, no jovem venezuelano que me pede um emprego, na jovem que me ensina algo de tecnologia, novas gerações e cuidado socioambiental.
Essa entrevista foi publicada na 46ª Edição do informativo Em Companhia (Junho 2018). Quer ler a edição completa? Então, clique aqui!