Pe. Geraldo Luiz De Mori, SJ
Começa neste mês de agosto a propaganda eleitoral gratuita no Brasil, que tem em vista as eleições para os cargos no poder executivo e legislativo nacional e estaduais. Em geral, os meios utilizados pelos discursos políticos exploram as paixões e a imaginação, buscando nelas o que mais pode encantar e mobilizar ou o que mais pode amedrontar e paralisar o eleitorado. Desde as manifestações de junho de 2013, o que é normal na política, a saber, o debate de ideias ao redor de projetos de governo, transformou-se em desconfiança com a política, identificada com corrupção. A polarização entre os projetos de nação dos dois partidos que então mais mobilizavam o país, a saber o PT e o PSDB, conheceu um forte acirramento. O grupo de deputados e senadores com os quais os dois partidos se aliavam para assegurar maioria na câmara dos deputados e no senado, conhecido como Centrão, que barganhava seu apoio em função dos possíveis benefícios que poderia conseguir para seus municípios ou para seus projetos políticos, fortemente envolvido em muitos esquemas de corrupção, passou, a partir da eleição de 2014, a definir os destinos da vida política nacional. Na eleição de 2018, apesar de denunciado pelo candidato vitorioso, esse grupo tornou-se em seu governo o suporte institucional para as medidas que asseguram a desconstrução de uma série de políticas públicas que, de modo particular, na educação e na saúde, havia levado o Brasil a conhecer avanços significativos em termos de inclusão social dos mais pobres.
A polarização de 2013 e 2014 tornou-se, em 2018, uma verdadeira guerra, opondo o “não projeto político” do atual presidente aos projetos dos demais partidos, dentre os quais, o que governou o Brasil entre 2003-2016. As ameaças às instituições democráticas do atual mandatário do país, expressas nos reiterados ataques ao Supremo Tribunal Federal, nas suspeitas com relação às urnas eletrônicas, no discurso de ódio contra a oposição, identificada como inimiga da nação, além de atentar contra os princípios democráticos, representa uma ameaça real à sociedade brasileira. Quando um oponente se torna inimigo, ao qual se deve eliminar, todo tipo de excessos pode acontecer, como o do dia 09/07/2022, em que um apoiador do atual governo assassinou, em Foz do Iguaçu (PR), um membro de um partido da oposição. Esse tipo de excesso e tantas outras manifestações autoritárias que apontam para o desejo de ruptura institucional da democracia levou a Faculdade de Direito da USP a elaborar uma Carta pela Democracia que, até este momento (04/08/2022), já reuniu mais de 700 mil assinaturas de apoio de pessoas e instituições.
A propaganda eleitoral gratuita, que deverá começar no dia 29 de agosto, poderá acirrar ainda mais o clima de tensão que atravessa o conjunto da sociedade brasileira. Apesar de nem sempre favorecer a discussão das propostas dos diferentes projetos de país, ela contribui para se promover o debate político. A identificação da política com a corrupção e a negação em participar dos debates, mais que solução, só fará piorar a situação. Oportunistas de todos os tipos estão à espreita, para que a não informação ou a falsa informação tomem o lugar do verdadeiro debate, abrindo espaço para que seus interesses, em geral escusos, prevaleçam sobre o bem comum. Nesse sentido, mais que fugir da política é urgente entrar no debate político. Mas para isso, é necessário também preparar-se para ele. Inicialmente, pela atitude de abertura ao diálogo. Se não existe o desejo de se discutir com o outro, mas somente o de impor-lhe a própria opinião, então o diálogo fica inviabilizado, e o poder da força é o que vai prevalecer, em geral, de forma autoritária. Muitas pessoas têm preferido calar-se nesse tempo, para evitar conflitos. A cidadania não pode, porém, contentar-se com esse tipo de postura. Sem espaço para ouvir o diferente, não é possível a democracia. Nesse sentido, as paixões que são suscitadas pelo ardor dos debates políticos necessitam ser corrigidas pela sabedoria que emerge de um diálogo franco, cujo interesse é o bem maior do conjunto da sociedade.
A Igreja Católica, respeitando a sadia separação introduzida pela razão moderna entre Estado e Igreja, incentiva a participação dos fiéis nos debates políticos, motivando quem tem vocação para se candidatar às funções do executivo e do legislativo. Ela não faz campanha para um candidato ou outro, mas indica critérios para o discernimento dos fiéis. Dentre esses critérios, ela sugere que se busque conhecer a história do candidato. Caso já tenha exercido alguma função política, como a desempenhou? Que interesses defendeu? Não basta, portanto, se dizer católico ou pertencer a um outro movimento ou grupo religioso da Igreja. O que conta é o que o/a candidato/a já fez, se defendeu o bem comum, se buscou promover políticas que visavam a proteção dos mais vulneráveis. Muitos fiéis acham que o melhor candidato é o que defende pautas de costumes, em geral ligadas a questões de moral (contra o aborto, contra as uniões de pessoas do mesmo sexo, contra a “ideologia de gênero” etc.). Essas pautas, presentes nos discursos de muitos candidatos, escondem muitas vezes interesses totalmente contrários à fé cristã. Tem candidatos que se dizem cristãos, mas aprovam a destruição de biomas inteiros, porque receberam benefícios de mineradoras. Outros, em nome de um suposto apoio ao progresso, apoiam o extermínio de povos indígenas. Outros, em defesa da família, incentivam políticas que promovem a discriminação contra pessoas com orientação LGBTQIA+. Não é tão fácil exercer o discernimento em alguns casos. Para isso, a Igreja criou há alguns anos grupos de Fé e Política, que ajudam a entender os programas de cada partido, informam sobre a história dos candidatos, promovem debates com candidatos, tornando-os conhecidos e mais bem avaliados pelos eleitores.
Muitos fiéis não gostam que na Igreja se fale de política, o que não deixa de ser uma contradição. No Brasil, muitos gostam de dizer que sobre religião, futebol e política não se discute. Em geral, essa opinião é determinada pelas paixões suscitadas por esses temas. No tocante a política, no entanto, quando alguém se recusa a participar das discussões, para não entrar em conflito com quem pensa diferente, perde muitas vezes a oportunidade de conhecer melhor o que pensa o outro, e pode, em muitos casos, contribuir para que candidatos inescrupulosos ingressem na vida política, prejudicando o conjunto da população. O atual momento em que vive o Brasil é, sob muitos pontos de vista, determinado pela recusa de muitos cidadãos em participar dos debates políticos. O cristão, que é seguidor de Jesus de Nazaré, não pode não se implicar com aquilo que determina a vida do conjunto da sociedade na qual vive e que é determinada em grande parte pelas ações políticas que nela estão implicadas. Jesus certamente não se envolveu na política de seu tempo, mas muitos de seus gestos e palavras tinham conotação política, pois implicavam uma visão de mundo na qual todos deveriam ser acolhidos e incluídos. O reino de Deus, ao serviço do qual compreendeu sua missão, era um reino no qual as pessoas podiam gozar de saúde, ser libertas dos males que as atormentavam, não ser discriminadas por serem de uma condição social ou religiosa. Oxalá, em 2022 os que se dizem seus seguidores no Brasil honrem o nome que trazem e participem ativamente dos debates, para que, através de seu voto, a polarização na qual vive a sociedade brasileira, ceda espaço ao diálogo que constrói o bem comum.
Geraldo Luiz De Mori, SJ, é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE
Fonte: FAJE