O papa Francisco completa nesta quinta-feira (20) cem dias à frente da Igreja Católica. O jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, foi eleito Pontífice em 13 de março e entronado, oficialmente, no dia 19. A eleição de Bergoglio foi histórica, já que ocorreu após a renúncia do papa Bento XVI. O argentino também foi o primeiro latino-americano e jesuíta a ser eleito ao encargo. Entre os dias 23 e 28 de julho, Francisco fará sua primeira viagem internacional. Ele irá ao Rio de Janeiro por ocasião da Jornada Mundial da Juventude 2013 e visitará o Santuário Nacional de Aparecida (SP).
Nesses cem dias de Pontificado, Bergoglio ficou marcado por sua informalidade e discursos que pregam a humildade. Em diversas ocasiões, ele quebrou protocolos durante cerimônias oficiais, como quando assinou o gesso de uma menina na Praça São Pedro ou dispensou veículos oficiais do Vaticano. Em sua primeira celebração de Páscoa como Papa, presidiu uma missa na prisão para menores Casal del Marmo, em Roma. Lá, ele lavou pés de jovens detentos.
A marca de cem dias de pontificado é uma oportunidade para que muitos analistas façam uma primeira avaliação, enfatizando as novidades, as primeiras críticas, a tentativa de “classificar” o novo bispo de Roma como progressista ou conservador, a expectativa que se percebe cada vez mais espasmódica pelas nomeações e pelas reformas que ele irá fazer. A reportagem é do jornalista e escritor italiano Andrea Tornielli, especialista no Vaticano, que foi publicada no site Vatican Insider.
“Talvez seja útil recordar quais foram as decisões tomadas — e aquelas não tomadas — nos primeiros cem dias do pontificado de Bento XVI. O Papa Ratzinger nomeou o seu sucessor à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, o norte-americano William Levada (assim como Francisco nomeou o seu sucessor à frente da diocese de Buenos Aires, Mario Aurelio Poli) e promoveu — afastando-o de Roma e da Cúria Romana — o ex-secretário de Wojtyla, o poderoso Stanislaw Dziwisz, atribuindo-lhe a sede cardinalícia de Cracóvia. Nem nos primeiros 100 dias, nem no primeiro ano de pontificado, ocorreu qualquer mudança na cúpula da Secretaria de Estado, embora o cardeal Angelo Sodano já tivesse superado os 75 anos.
Depois da eleição, Bento XVI havia “nomeado Secretário de Estado o Exmo. Cardeal Angelo Sodano”, confirmando donec aliter provideatur, isto é, até nova ordem, os cardeais e arcebispos chefes de dicastério. Ele confirmou o vice e o secretário para as Relações com os Estados, havia confirmado “para o quinquênio em curso” os secretários dos dicastérios curiais.
Francisco, de um modo muito mais exíguo, “expressou a vontade” de que “os chefes e os membros dos dicastérios da Cúria Romana, assim como os Secretários continuem provisoriamente nos seus respectivos cargos” até nova decisão. A ênfase na “provisoriedade” parece indicar que Bergoglio pretende mudar em breve não só o secretário de Estado, mas também os titulares de outros dicastérios e escritórios.
A expectativa pela designação — ainda não decidida — do sucessor do cardeal Tarcisio Bertone (o secretário de Estado que marcou profundamente o pontificado ratzingeriano), assim como a expectativa pela anunciada reforma da Cúria Romana, na qual já estão trabalhando em pleno ritmo oito cardeais “conselheiros” do novo papa por ele escolhidos também para ajudá-lo no governo da Igreja universal, corre o risco de passar para segundo plano o que já aconteceu nos últimos cem dias.
As novidades de Francisco
Entre as principais novidades nesses primeiros meses de pontificado devem ser contadas as homilias cotidianas das missas “privadas” ou públicas na Casa Santa Marta. Um compromisso diário, com meditações breves, simples, profundas e eficazes, das quais não existe texto escrito, mas que seria errado considerar extemporâneas, já que, para proferi-las, o Papa se prepara com algumas horas de meditação e de oração todas as manhãs. Homilias que apenas alguns observadores desatentos podem desclassificar como mensagens espirituais, confundindo a profundidade teológica com o número de páginas e a complexidade dos conceitos. Essas homilias — juntamente com os primeiros discursos públicos, sempre enriquecidos com acréscimos de improviso — são, em si mesmas, um programa.
Retomando com maior força filões já inaugurados pelo antecessor, como o primado da graça, a crítica ao carreirismo, a redução da Igreja a empresa ou a comunidade autorreferenciais, e acrescentando novos conteúdos peculiares, como a necessidade de sair e de ir para as periferias geográficas e existenciais, com a sua palavra e o seu exemplo, Francisco alcança um número cada vez maior de pessoas. E quem defende que até agora ele ainda “não fez nada” de significativo, evidentemente referindo-se a nomeações de grande peso ou a reformas estruturais, corre o risco de não ver o que já aconteceu e já começou.
Ver o papa fazendo escolhas de sobriedade, não viajando enjaulado demais pela escolta, não usando carros enormes da frota vaticana, mas principalmente passando horas no abraço com o povo, com os doentes e com os pequenos, mostrando como isso é fundamental, ele faz parecer distantes em anos-luz e decididamente passados uma certa forma de ser bispo e o sempre renascente clericalismo.
Antes ainda de fazer nomeações ou de decidir a racionalização da Cúria — necessária e exigida nas reuniões do pré-conclave pela maioria dos cardeais —, Francisco já enviou sinais inequívocos de renovação, que só aqueles que querem fingir que não veem ou têm problema para manter o status quo podem ignorar. Um sinal específico, por exemplo, é o que foi enviado aos bispos italianos no encontro com a Conferência Episcopal Italiana (CEI), cujo porte parece ter sido subestimado e que quase passou em silêncio.
Outro sinal é o chamado totalmente evangélico à pobreza e, portanto, a um uso adequado dos recursos, para continuar e, finalmente, aplicar a linha da transparência desejada por Ratzinger.
Diante do crescente interesse pela mensagem do Papa e da atração que ele gera, testemunhada também pelos números excepcionais de presenças nas audiências e nas celebrações, assim como diante do favor midiático geral desfrutado por Francisco, há alguns que manifestam, dentro e fora da Cúria, um certo desconforto porque o papa “é pároco demais”, “fala demais”, ou porque corre o risco de dessacralizar a própria figura do pontífice.
Alguns estão examinando cada palavra do novo Papa, para medir a sua taxa de “catolicidade”, talvez com relação aos valores “inegociáveis”. Outros ainda insistem em dizer que nada mudou com Bergoglio. Enquanto isso, resta ser estudado o fenômeno enigmático e paradoxal dos sites intermitentemente papistas, que, depois de terem criticado João Paulo II à sua época para exaltar Bento XVI, agora, com a mesma finalidade, atacam com sarcasmo cada movimento de Francisco. Ou aqueles que, para exaltar Bergoglio, atacam o antecessor. A impressão geral é que esse tipo de críticas não afeta a realidade.
Cem dias depois da eleição do papa que veio “do fim do mundo”, certamente parece ter mudado a percepção da opinião pública. É verdade que, depois de anos em que no centro das atenções sociais e midiáticas estavam os escândalos — o da pedofilia primeiro, o do Vatileaks depois —, agora o que mais interessa não são os “bastidores”, mas sim a novidade representada pelo papa latino-americano: a sua mensagem, a sua linguagem, os seus apelos.
É uma lufada de ar fresco trazida por um Papa que é Papa sendo simplesmente ele mesmo, sem se deixar condicionar pela comitiva ou pela “corte”. Uma “corte” que ele tomou medidas para despotencializar, com a decisão de viver em Santa Marta.
O Papa Francisco se manteve a uma distância estelar entre a obsessão eclesiástica para as estratégias de “comunicação”, arquitetadas para “vender” bem a “imagem” da Igreja. Uma atenção autorreferencial que viu nos últimos anos prelados envolvidos em tempo integral na decodificação de cada vírgula dos artigos e dos julgamentos nos sites dedicados a eles e, mais em geral, no Vaticano.”
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