Ser mulher na Amazônia não é fácil! Nas cidades ou no campo, elas estão sempre em luta, seja para defender seus corpos e territórios, seja para superar os desafios de trabalho e renda.
Um estudo das “Cartografias da Violência na Amazônia” de 2023, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apontou que os feminicídios na Amazônia legal superam a média do país. A taxa da violência chega a 1,8 para cada 100 mil mulheres, enquanto que no Brasil é de 1,4.
Vale ressaltar, entretanto, que o volume de denúncias formais também aumentou. A mais expressiva trata-se da violência doméstica. Estados da Região Norte registram os maiores índices, segundo o instituto DataSenado.
Nos territórios, sobretudo indígenas, quilombolas e agroextrativistas, muitas mulheres estão na linha de frente da proteção ambiental. De 2015 a 2021, 24 delas foram mortas em áreas de conflito no campo e, no mesmo período, 40 sofreram tentativa de assassinato e cerca de 200 foram ameaçadas de morte. Os dados são da Comissão da Pastoral da Terra.
De acordo com o Boletim Elas vivem de 2023, monitorado pela Rede de Observatório de Segurança, esses eventos no contexto da Região Amazônica acontecem devido às desigualdades sociais e ao garimpo, que agravam essas dinâmicas violentas.
No entanto, apesar do cenário desafiador, várias iniciativas têm fortalecido o protagonismo feminino na Amazônia. A economia solidária para gerar renda, trabalho e dignidade às mulheres é um exemplo disso. Ela reflete um modo sustentável de produção com foco na pessoa, norteada por alguns princípios, entre eles: autogestão, cooperação e solidariedade.
Na Amazônia Legal, as mulheres paraenses, já são maioria no setor informal. As informações são do “Relatório especial: mulher no mercado de trabalho”, do Observatório Paraense do Mercado de Trabalho. Nesse sentido, a economia solidária é uma alternativa.
Recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a economia solidária como uma articuladora na consecução, entre outros termos, para a empregabilidade e promoção da igualdade de gênero e empoderamento das mulheres.
No fomento de organização coletiva visando trabalho e renda para o protagonismo feminino na Amazônia, nasceu, em Belém (PA), por meio do Centro Alternativo de Cultura, um projeto nessa dimensão.
Uma história real de protagonismo
Na Amazônia costuma-se dizer que a solidariedade entre as mulheres é uma experiência histórica e culturalmente ancestral, pois desde sempre se compreende o teçume como uma marca identitária do modo de se relacionar e se organizar no mundo. Suelem Gomes Velasco, mulher negra, 35 anos, do Rio de Janeiro (RJ), mas vivendo no estado do Pará desde os seus anos iniciais, entendeu isso muito cedo. Hoje, ela acompanha, entre outros projetos da Companhia de Jesus, o ‘Tecendo ReExistência’ que colabora com o empreendedorismo solidário a outras mulheres.
Formada em universidade pública, filha de mãe solo, cientista da religião, especialista em psicopedagogia e gestão de projetos, Suelem é ainda apaixonada pelo trabalho de base, junto com comunidades, crianças e mulheres. Foi assim que ela conheceu o Centro Alternativo de Cultura (CAC) e se formou educadora popular pelo centro social de justiça socioambiental dos Jesuítas do Brasil, no qual atua hoje como analista de projetos.
O CAC trabalha com três projetos:
- Flor-e-Ser autonomia e protagonismo socioambiental na Amazônia – ligado à infância e seus educadores populares.
- Escola Popular de Educação Socioambiental – visa a formação de lideranças .
- Tecendo ReExistência – trabalho com foco na geração de renda feminina .
Nesse último, Velasco tem o papel fundamental de contribuir diretamente com a transformação de vida de 44 mulheres nas cidades de Belém, Ananindeua, Colares e Barcarena, todas no Pará.
Esse projeto potencializa a economia solidária e a geração de renda na Amazônia a partir da criatividade e ousadia de empreender das mulheres paraenses. Suelem diz acreditar no potencial de todo esse universo feminino: “forças e lutas”. Além disso, percebe que os conhecimentos adquiridos em educação popular agregam “na boniteza, esperança e mística que essas mulheres já possuem”. Mas, compreende também que o centro social no qual trabalha, que é majoritariamente formado por mulheres, tem lhe ajudado neste processo de catalisar boas memórias, histórias e os trabalhos das participantes do projeto.
Mensagem para as mulheres
Em entrevista à Comunicação da Província sobre o que aprendeu com as mulheres de ontem e que hoje deseja manifestar para as mulheres do amanhã, Suelem falou: “Tudo que sou hoje não poderia ser se não fosse as que vieram antes de mim. Se estou onde estou hoje é porque outras mulheres acreditaram no que eu poderia ser. E hoje sigo me cercando de muitas outras mulheres que me ensinam todos os dias em cada gesto, palavra, olhar e força. São elas que me sustentam e me mantêm em pé todos os dias. A mulher que sou hoje segue no fortalecimento de outras mulheres, entendendo que existem portas que só se abrem do lado de dentro ”.