Os dados do Anuário Pontifício 2023, organizado pelo Vaticano, aponta que o Brasil é o país com maior número de batizados em todo o mundo, quase 180 milhões. O batismo pode ser descrito como um nascimento para a vida nova em Cristo que compromete os cristãos e capacita-os a servirem a Deus mediante uma participação viva na Santa Igreja e um digno testemunho, segundo o Catecismo da Igreja Católica. Nesse sentido, o Concílio Vaticano II, a partir da Constituição Lumen Gentium, ressalta a importância de se considerarem as múltiplas formas da pessoa batizada viver o seguimento a Jesus. Em vista disso, a espiritualidade inaciana pode contribuir nesse itinerário.
No caminho da transformação de si para a plena realização da vocação batismal, processos de discernimentos são essenciais. Essa jornada, como bem afirma o Papa Francisco, no documento Gaudete et Exultate, alimenta a fé, por isso nos orienta: “Pede sempre, ao Espírito Santo, o que espera Jesus de ti em cada momento da tua vida e em cada opção que tenhas de tomar, para discernir o lugar que isso ocupa na tua missão” (n. 23). Aconselha também: “Deixa-te transformar, deixa-te renovar pelo Espírito para que isso seja possível, e assim a tua preciosa missão não fracassará” (n.24).
Nesse cenário, é indiscutível a participação feminina em diferentes atividades da Igreja, inclusive no âmbito da dimensão da espiritualidade. É fato que as mulheres são apontadas, principalmente nas últimas décadas, como protagonistas da missão evangelizadora. As Conferências Gerais da Igreja Católica, já acentuam isso, sobretudo a de Puebla que refletiu a igualdade, dignidade e missão delas: “A mulher, bem como o homem, é imagem de Deus. ‘Deus criou pois o ser humano à sua imagem, criou-os à imagem de Deus homem e mulher os criou’ (Gn 1,27). A tarefa de dominar o mundo, de prosseguir na obra da criação, de serem com Deus co-criadores, cabe, pois tanto à mulher como ao homem.” (Doc. Puebla n.841).
No âmbito do protagonismo feminino na espiritualidade, o carisma inaciano aproxima as mulheres. Muitas têm contribuído diretamente nos acompanhamentos espirituais, em grande parte na escuta de outras mulheres, para ajudá-las no aprofundamento da vocação batismal. O Centro Loyola de Fé, Cultura e Espiritualidade, em Goiás, é um desses espaços onde podem exercer esse protagonismo.
Uma narrativa de protagonismo
Uma das principais intuições de Santo Inácio de Loyola é considerar que não existe uma autêntica busca por Deus sem uma verdadeira encarnação no mundo, por isso a espiritualidade inaciana provoca o ser humano para uma mística de “olhos abertos”. Maria das Dores Carvalho, nascida e criada no interior de Goiás, na cidade Nova Roma, desde a infância já vivenciava isso. Observava e era interpelada pela realidade ao seu redor. Entre as suas lembranças está uma gruta, que “na época das chuvas cantarolava” e lhe despertava muitos sonhos. Hoje, a partir desta mística inaciana que a faz única, atua como diretora executiva do Centro Loyola de Fé, Cultura e Espiritualidade de Goiânia, obra da Companhia de Jesus.
A décima primeira filha de pais agricultores e muito religiosos, Maria das Dores teve a sua identidade forjada na fé. As lindas e grandes pedras da tal gruta forneceram a ela um espaço acolhedor para o deleite dos poucos materiais que tinha para ler, entre esses a revista Mensageiro do Coração de Jesus, emprestada por sua professora. Naquele espaço, ela também se expressava cantando e decorando poemas. Aos 14 anos, precisou se despedir do lugar que lhe era tão querido para viver outras experiências fora de sua cidade, inclusive uma de cunho vocacional. Quando nova, ela desejava a vida consagrada, ser religiosa. Com o tempo descobriu que o chamado de Deus não era por ali.
Maria das Dores é pedagoga e colaborou no processo formativo de muitos professores de Goiás. Deu sua contribuição também na formação de jovens, na Pastoral da juventude. Hoje, se vê muito amada por Deus. Descoberta que fez rezando Isaías 49,16 durante um curso de acompanhamento espiritual do qual participou. É sonhadora, determinada, responsável, lutadora, apaixonada e comprometida com as causas do Reino. Compromisso que demonstra no dia a dia à frente do Centro Loyola.
A Instituição promove os mais diversos cursos, Exercícios Espirituais nas diversas modalidades, conferências com debates, grupos de reflexão, rodas de conversa nas áreas de teologia, filosofia e cinema. Além de tudo, oferece oficinas de literatura e espiritualidade. A obra é um espaço aberto de diálogo entre a fé cristã e cultura contemporânea, à luz da espiritualidade inaciana. Nesse lugar, Maria das Dores dá sua contribuição em prol da vida de muitas mulheres.
Para ela, com o processo de profunda mudança cultural da sociedade brasileira, proporcionar às mulheres espaços de diálogo fecundo em rodas de conversa, acompanhamento espiritual, ciclos de estudo e retiros é, antes de tudo, uma certeza da missão que lhe é confiada. Por isso, assume uma atitude encorajadora, dialogal e de escuta comprometida, animando-as a terem um papel social ativo no mundo.
Mensagem para as mulheres
Em entrevista à Comunicação da Província sobre o que aprendeu com as mulheres de ontem que hoje deseja manifestar para as mulheres do amanhã, Maria das Dores recorreu às palavras de Santo Agostinho, inicialmente, para dizer: “Nem toda dor do mundo será capaz de destruir a beleza da sonata que é a presença de Deus dentro de nós”.
Inspirada pelas vidas da Mama Antulla, Etty Hilesun, Ir. Dulce e tantas outras mulheres que, com suas vidas, iluminam nosso caminho, convoco todas a irmos em frente, juntas, com o nosso canto de fé e amor para que todas as pessoas possam experimentar a Alegria do Evangelho. Precisamos avançar, pois se abre à nossa frente um novo e vasto horizonte. Encorajemo-nos mutuamente e continuemos compartilhando o cuidado e a luz onde há escuridão. Tenhamos o peito aberto e os ouvidos atentos, e sejamos conscientes da importância, mas também da delicadeza do nosso papel na sociedade e na Igreja. Vamos juntas para podermos evangelizar em diálogo com a cultura e o povo!