A Companhia de Jesus, por meio do SARES (Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental), o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e a Opan (Operação Anchieta) realizaram o Seminário Vicente Cañas, entre os dias 31 de março e 2 de abril, em Aguaçu (MT). O encontro foi um momento de partilha e reflexão sobre a missão e martírio do jesuíta, morto em abril de 1987.
O evento reuniu lideranças indígenas dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, missionários indigenistas, pastorais, professores e membros de diversas entidades. O seminário, que fez memória dos 30 anos do assassinato de Ir. Vicente, também marcou o lançamento do livro Provocar rupturas, construir o Reino: memória, martírio e missão de Vicente Cañas, organizado pelo CIMI e publicado pela Edições Loyola. Clique aqui e adquira a obra.
Os índios da tribo Enawenê Nawê marcaram presença no encontro. Após três décadas, eles não apenas permanecem com a memória viva do jesuíta, mas continuam afirmando que o missionário era um deles. Com certeza, os índios sentem muita falta de seu amigo, principalmente nos dias atuais, no qual os povos originários passam por grandes dificuldades, com ataques constantes contra seus direitos e pressão sobre seus territórios.
No Seminário estiveram presentes também grandes amigos de Kiwxi – nome que Vicente Cañas recebeu dos Myky, outro povo da bacia do rio Juruena, que significa doar-se todo – como Thomás Lisboa, Egydio Schwade, Batomeu Melliá, dentre outros.
“Vicente estava à frente de seu tempo, de sua Igreja e Congregação e, talvez à frente até do CIMI. Para colocar o martírio de Vicente Cañas no contexto amplo de nossa Ameríndia, quero parafrasear outro santo mártir, dom Oscar Romero, de San Salvador: ‘Alegro-me porque o CIMI é perseguido, justamente por sua opção preferencial pelos povos indígenas e pelo esforço de se encarnar nos desafios dos povos indígenas, na defesa de seus territórios, de seu Bem Viver, de suas culturas e do reconhecimento das poucas leis que protegem seu futuro’”, afirma o presidente do CIMI e arcebispo de Porto Velho, dom Roque Paloschi, no prólogo do livro lançado durante o evento.
Confira o vídeo Memória, Martírio e Missão:
Os participantes do seminário divulgaram a mensagem do encontro. Leia a íntegra abaixo:
MENSAGEM DO SEMINÁRIO IR. VICENTE CAÑAS, SJ
“O Colaborador do Reino, necessariamente, será um provocador de rupturas. Vicente Cañas foi este colaborador” (Paulo Suess)
Nós, vindos de Mato Grosso, Roraima, Tocantins, Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia, Acre, Brasília, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Equador, Porto Rico, Paraguai… participantes do CIMI, OPAN, REPAM [Rede Eclesial Pan-amazônica], Comitê pela Memória, Verdade e Justiça da Amazônia, Casa da Cultura do Urubuí, CEB´s [Comunidades Eclesiais de Base], jesuítas, outras congregações religiosas e representantes dos povos Indígenas: Enawenê Nawê, Rikbaktsa, Kawaiwete (Kayabi), Guarani Kaiowá e Myky, nos dias 31 de março, 1º e 2 de abril de 2017, ouvimos os relatos e refletimos sobre os testemunhos das pessoas que conheceram, conviveram, sentiram o assassinato e martírio de Vicente Cañas, há 30 anos. Até os dias de hoje, infelizmente, o crime continua em total impunidade, assim como tantos outros crimes impetrados contra os povos originários.
Durante o Seminário foi feita uma retrospectiva histórica sobre a vida do Ir. Vicente Cañas, que foi assassinado em 6 de abril de 1987, abaixo do lugar chamado Caixão de Pedra, no Rio Juruena, Território Indígena Enawenê Nawê. Seu corpo foi encontrado, 40 dias depois, mumificado e preservado, ao lado do barraco que usava como espaço de apoio.
Ele passou a conviver entre os Enawenê Nawê em 1977, trabalhando pela garantia de seus direitos e pela demarcação de seu território tradicional. Seu testemunho e coerência de vida nos interpelam e questionam diante do atual contexto sócio-político-econômico em que vivemos.
Vivenciamos neste encontro de memória, saudade e partilha momentos celebrativos que nos ajudaram a reavivar nossa fé, esperança e utopia. Os testemunhos das pessoas que conviveram com o Ir. Vicente foram momentos marcantes.
Nesses dias de afirmação do compromisso com a causa indígena, duas questões centrais foram reafirmadas:
- A necessidade das entidades envolvidas com a questão indígena buscarem formas concretas de realizar trabalhos em rede assim como efetivar presença na aldeia Enawenê Nawê contribuindo para a garantia do bem viver frente às várias ameaças das PCHs [Pequenas Centrais Hidrelétricas], BR 174, mineração e agronegócio.
- A importância de se buscar uma articulação para acompanhar e participar de maneira efetiva no novo júri popular, não apenas para que seja feita justiça no assassinato de Ir. Vicente Cañas, mas naquilo em que esse júri representará para a garantia dos direitos dos povos indígenas e a segurança para aqueles que, em apoio a esses povos, se colocam ao seu lado contra projetos que põem em risco as vidas, os costumes e as terras indígenas no Brasil.
Para manter viva a memória do Ir. Vicente Cañas, durante o Seminário, foi lançado o livro: Provocar rupturas, construir o Reino: memória, martírio e missão de Vicente Cañas, organizado pelo CIMI (Loyola, 2017). A Verbo Filmes esteve presente registrando o Seminário e será preparado um documentário em parceria com o CIMI, REPAM e SIGNIS do Brasil.
“Obrigado Ir. Vicente Cañas por deixar-te amassar e germinar pela Amazônia e seus povos. Obrigado por teu túmulo florido, por doar-te todo, por teu martírio e transformação profética, irmão jesuíta, em (Kiwxi) irmão dos índios!” (Pe. Fernando Lopez, SJ)
Aguaçu, Cuiabá, 2 de abril de 2017
Fonte: SARES (Manaus/AM), CIMI e Pontifícias Obras Missionárias