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Somos chamados a ser e oferecer luz aos jovens

Pe. Odair José Durau, SJ
Coordenador do Eixo dos Exercícios Espirituais do Programa MAGIS Brasil

O novo coronavírus apareceu sorrateiramente e se alastrou pelo mundo, colocando em perigo a segurança da humanidade. Esta pandemia despertou inúmeras reflexões: existenciais, econômicas, sociais, políticas, religiosas e tantas outras. Todo este fenômeno que estamos vivenciando vai apresentando uma tensão entre o que é essencial e o que é supérfluo, sobretudo, aos jovens. Uma das Preferências Apostólicas Universais afirma que “a juventude é a etapa da vida humana na qual cada pessoa toma decisões fundamentais para se inserir na sociedade. É a etapa em que busca sentido para sua existência e para a realização de seus sonhos”.

Diante deste contexto de instabilidades, a espiritualidade inaciana “oferece luz e calor”¹ para que os jovens atravessem, com confiança e fé, tamanha tempestade denominada covid-19. Inspirado em Santo Inácio de Loyola, apresentarei três aspectos de sua vida que fundamentam o trabalho com a juventude neste tempo de pandemia: 1) auscultar o coração; 2) saber discernir e 3) confiar no acompanhamento.

Inácio de Loyola, depois do ferimento da bala de canhão na Batalha de Pamplona, permaneceu por um longo tempo convalescente dentro de um quarto. Talvez, numa longa ‘quarentena’. Durante sua recuperação, Inácio travou uma batalha interna consigo mesmo. Conforme Tellechea Idígoras, “o homem tem, em seu coração, recantos que ainda não existem, onde penetra a dor para que existam […] descobre rincões do coração nunca explorados, nem assumidos”². No tempo do “isolamento social” vivenciado pelo Peregrino de Loyola, percebemos que ele foi tomando consciência dos seus pensamentos, de seus sentimentos, dos apelos que o conduziam a uma vida nova, a outro jeito de ser.

 Concomitantemente, muitos jovens, no momento atual, vão ‘ressignificando’ seus projetos de vida. Desse modo, inspirados na vida de Inácio, é importante estarmos atentos para ajudar os jovens a reconhecer e acolher a sua história pessoal, sobretudo, diante dos pensamentos e sentimentos oriundos da pandemia. É conveniente olhar essa situação, que também revela a fragilidade humana, como uma possibilidade de uma vida nova, de um novo jeito de ser e de portar-se no mundo. Para tanto, nada melhor do que se conhecer mais profundamente, isto é,perguntar-se e dar-se conta de quem eu sou. Em seguida, é fundamental ajudar os jovens a olhar para a realidade com os olhos da Trindade e perceber como Deus se 

faz presente na maravilha da criação e das possibilidades que estão nascendo. Por fim, é essencial ajudar os jovens a “escolher aquilo que mais os conduz para o fim para o qual foram criados” (EE 23), ou seja, buscar viver a vida com amor. Sem dúvida, a pandemia desencadeou processos que convidam os jovens a redefinir significados, em outras palavras, é tempo de dar sentido à vida e ao modo de portar-se no mundo. E, para isso ser eficaz, torna-se fundamental auscultar o coração.

No ambiente de silêncio, de dor, de boas leituras, Inácio de Loyola foi se dando conta da diferença dos movimentos interiores, “até que uma vez se lhe abriram um pouco os olhos e começou a maravilhar-se desta diversidade e refletir sobre ela”³. Durante o tempo de pandemia, nós vamos percebendo inúmeras movimentações no interior da juventude, especialmente, dos jovens que estão ligados ao Programa MAGIS Brasil. Essa é a primeira constatação que fazemos e procuramos auxiliá-los a conhecer a diversidade das moções interiores, para seguir aquelas que geram mais vida. Com base nessa alternância de moções, o jovem tem a grande oportunidade de iniciar um processo de discernimento.

O discernimento é um elemento essencial na espiritualidade inaciana. A pandemia pode ser uma ocasião para criar o hábito de examinar-se constantemente, sobretudo, de desenvolver a sensibilidade de “encontrar a Deus em todas as coisas e todas n’Ele”⁴. Conforme Divarkar, “encontrar a Deus em todas as coisas significa que a união ou a relação com Deus, desde o momento que tem suas raízes no centro mesmo do próprio ser, não só resulta em atividade, mas de tal maneira penetra e transforma toda a atividade e a totalidade da pessoa”⁵ e, desse modo, “qualquer experiência se converte em experiência de Deus e toda ação não só nasce do contato com Deus, mas também é, em si mesma, um aprofundamento desse contato, que é a contemplação”⁶. Ser contemplativo na ação é ter a percepção da presença e da atuação de Deus no mundo, da qual nasce o desejo de ajudá-lo. De fato, “os jovens são portadores desta nova forma de vida humana que pode alcançar, na experiência do encontro com o Senhor Jesus, uma luz que ilumine o caminho rumo à justiça, à reconciliação e à paz”⁷.

Toda a profundidade, a solidez e a maturidade que são frutos da espiritualidade inaciana se dão por meio da relação “direta do Criador com a criatura” (EE 15), a qual é acompanhada por uma pessoa que testemunha essa amizade. A pandemia nos apresentou algo bastante novo e desafiante: o isolamento social. Tal fator pode ser um empecilho para a relação humana e presencial. Diante desta situação, fomos desafiados a despertar a criatividade, sobretudo, no que se refere a oferecer o acompanhamento espiritual de jovens remotamente. O serviço de acompanhamento espiritual dos jovens é uma colaboração fundamental para criar um mundo mais humano.

A pandemia ratificou a nossa convicção da importância do acompanhamento de jovens, seja presencial, seja remotamente. A opção por estar ao lado dos jovens é sinal de que nós acreditamos que eles podem nos ensinar a compreender esta mudança de época e, também, que nós podemos ajudá-los a confiar e acreditar no seu próprio potencial para construir um mundo melhor, mais humano e mais justo. Não obstante o avanço tecnológico e as facilidades das relações virtuais, nós reiteramos a notoriedade da convivência humana, presencial e comunitária, pois, como brasileiros, somos um povo caloroso e afetuoso.

O legado da vida de Santo Inácio de Loyola, ou melhor, os Exercícios Espirituais e a espiritualidade que deles decorrem, é uma riqueza que podemos oferecer aos jovens hoje. Num contexto desafiante, instável e árduo, nós somos chamados a ser e oferecer luz aos jovens. Nesse sentido, o Programa MAGIS Brasil (Rede Inaciana de Juventude) tem procurado ser ponte para facilitar o encontro dos jovens com o Cristo, visando à construção de um projeto de vida cheio de esperança.

1 CG 35, D.2, n.1.
2 IDÍGORAS, J. Ignacio Tellechea. Inácio de Loyola sozinho e a pé. São Paulo: Loyola, 1991. p. 78.
3 Autobiografia 8.
4 Constituições 288.
5 DIVARKAR, Parmananda. La senda del conocimiento interno: reflexiones sobre los ejercicios espirituales de San Ignacio de Loyola. Santander: Sal Terrae, 1984, p. 230.
6 Ibid., p. 230.
7 Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus 2019-2029.

 

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