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Um choque de realidade – dificuldades e descobertas

Por Godo Rodolfo Goemann Jr.

O whats da II Guerra Mundial chamava-se rádio. Todos os lares da Europa e EUA tinham um. Winston Churchill era a voz mais ouvida diariamente. C.S. Lewis, professor de Oxford e Cambridge, amigo de J.R.R. Tolkien (“Senhor dos Anéis”), era o segundo mais ouvido. Por quê?
O coronavírus está causando uma das maiores catástrofes da história da humanidade. O que ele ensina para o futuro? Por um lado, memórias terríveis de sofrimento. Por outro, momentos indescritíveis de irmandade e autodoação. Milhares de pessoas estão passando fome, e milhares de outras pessoas estão ajudando-as, mitigando suas dores. Milhares de profissionais da saúde e de voluntários atuam na linha de frente, e milhares de compatriotas desconhecidos doam cestas básicas de alimentos, seu trabalho, seus dons e seu tempo.
Para o futuro, uma pandemia demonstra que a democracia é extremamente frágil. Presidentes em vários países determinam Medidas Provisórias de exceção, desmontando qualquer legislação em nome do Estado de Emergência. Este é o regime das Guerras Mundiais – os governos podem modificar atribuições do executivo, legislativo e judiciário. Mas o Estado de Emergência também pode ser usado para suspender direitos e liberdades garantidos pelas Constituições, abrindo espaço para inúmeras distorções jurídicas e até perseguições. Além disso, nesses momentos sociais conturbados afloram a fraternidade e a bondade, mas também preconceitos, como bullying contra idosos e doentes.
A partir de agora, no mundo inteiro, muitas pessoas são proibidas de circular. Seus celulares podem ser acessados pelos governos. Uma vigilância irrestrita, impensável há um ano, agora está legalizada. Sistemas de Inteligência Artificial tornam-se a tecnologia mais adequada para isso. Yuval Harari 1 diz que, no caso do coronavírus, agora “tecnologias imaturas são disponibilizadas, porque os riscos de não fazer nada são ainda maiores. Países inteiros servem como cobaias em experimentos sociais em larga escala, que jamais seriam aceitos em uma situação normal (…). O monitoramento biométrico faria as táticas de hackers de dados da Cambridge Analytica parecerem algo da Idade da Pedra (…). Uma grande batalha tem acontecido nos últimos anos por causa da nossa privacidade. A crise do coronavírus pode ser o ponto de inflexão dessa batalha – quando as pessoas precisam escolher entre privacidade e saúde, geralmente escolhem a saúde. Mas, nesse contexto, os aspectos positivos não podem ser desconsiderados”. Por outro lado, Clayton Melo, do Jornal El País 2, lembra analistas que avaliam o coronavírus como um acelerador de futuros. “A pandemia antecipa mudanças que já estavam em curso, como o home office, a educação à distância, a busca por sustentabilidade, o questionamento de uma sociedade baseada no consumismo e no lucro a qualquer custo (…). As transformações que agora estão acontecendo passam pela política, economia, modelos de negócios, relações sociais, cultura, psicologia social e a relação com a cidade e o espaço público (…). A crise financeira decorrente da pandemia por si só será um grande motivo para as pessoas economizarem mais e mudarem seus hábitos de consumo. Como diz o Copenhagen Institute for Futures Studies, a ideia de que ‘menos é mais’ vai guiar os consumidores daqui para frente (…). Como resposta ao isolamento social, artistas e produtores culturais passarão a apostar em shows e espetáculos online, assim como os tours virtuais a museus já ganharam mais destaque. Esse comportamento deve evoluir para o que se chama de experiências culturais imersivas, que tentam conectar o real com o virtual a partir do uso de tecnologias já existentes. Elas passarão a ser mais disseminadas, como a realidade aumentada e assistentes virtuais. De acordo com o Hype Cycle da consultoria Gartner, as experiências imersivas são uma das 3 grandes tendências da tecnologia”. Mas, para além da área cultural, elas também se estenderão a setores como esportes, viagens e muitos outros, como indica o relatório A Post-Corona World 3, produzido pela Trend Watching, plataforma global de tendências. Finalmente, vários outros movimentos são indicados, trazendo o mundo virtual mais rapidamente para dentro do mundo real.
Essas tendências podem trazer soluções e superações, mas também podem gestar alguns riscos. Como diz P. Marcelo Aquino, reitor da Unisinos, “parecia que estávamos na plenitude da história, e agora sofremos um tombo inimaginável (…). Estamos vivenciando a passagem de uma civilização para outra, a da tecnociência, que ainda não entendemos bem (…). É nosso papel produzir uma hermenêutica cultural dessa civilização, elaborando uma teoria crítica que poderá consumir os próximos anos”.

Assim, a pandemia do coronavírus tem causado mudanças impensáveis no modus operandi das democracias, governos e cidadãos no presente, mas também pode moldar significativamente nosso futuro. Se esse momento catastrófico será utilizado para melhorar ou não o mundo que habitamos, nós podemos começar a decidir agora.
C.S. Lewis deixou de ser ateu aos 30 anos. Por que ele foi a segunda voz mais ouvida durante a II Guerra Mundial, depois de Winston Churchill? Ele disse que nossa cosmovisão cultural, a rigor, não corresponde à realidade. Ele disse que precisamos de um choque de realidade para conseguir ver a única coisa que realmente importa – igualdade, fraternidade, honestidade, amor.

1  https://www.ft.com/content/19d90308-6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75 

2 https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-04-13/como-o-coronavirus-vai-mudar-nossas-vidas-dez-tendencias-para-o-mundo-pospandemia.html 

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