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Um olhar de Misericórdia e Justiça de Deus, entrevista com o Pe. Ronaldo Colavecchio

Em 10 de junho de 2018, o padre Ronaldo Colavecchio celebrará 51 anos de Sacerdócio, praticamente o mesmo tempo em que se mudou para o Brasil. Nascido nos Estados Unidos, ele chegou ao País apenas 15 dias após sua ordenação. Aqui, sua primeira missão foi em Salvador (BA), mais precisamente no bairro dos Alagados, construído sobre o lixo da cidade, que os caminhões despejavam a cada hora. “A pastoral nos Alagados foi uma imersão nas consequências da injustiça que gerava a miséria e a morte na sociedade daquela época e que, até hoje, continua a fazê-la”, ressalta o jesuíta.

Mestre em Teologia e autor de cinco livros sobre os Evangelhos, padre Ronaldo é também professor de Novo Testamento e Cristologia na Faculdade Diocesana São José (Fadisi), em Rio Branco (AC), onde mora atualmente. Leia a seguir a entrevista especial que ele concedeu ao informativo Em Companhia.

Conte-nos um pouco da sua história.         

Nasci em Providence, no estado de Rhode Island (EUA). Até o 9º ano do Ensino Fundamental, estudei em escolas públicas. Participava da Paróquia do Santíssimo Sacramento. Com outros pré-adolescentes, fui catequizado por “Madre” Clarissa, que, por seu amor e sua bondade, conseguia nos atrair a Deus e nos preparou bem para a Primeira Comunhão. Ao final, ela nos perguntou: como vocês saberão se fizeram uma boa confissão?  Silêncio total!  Mas, de súbito, uma menina disse em voz baixa: “Vamos sentir paz!”. E era isso mesmo a minha primeira introdução ao discernimento dos espíritos!

Aos 15 anos, passei da escola pública para o Instituto dos Irmãos Lassalistas. Entre os meus colegas dessa época, alguns já estão no céu, mas outros ainda encontro quando vou aos Estados Unidos. Acredito que, já naquele tempo, meus amigos suspeitavam que eu pensava em ser padre. Por fim, não posso omitir a contínua formação dada por meu pai e minha mãe, muito dedicados aos três filhos, com importantes valores e uma religiosidade não ostensiva, cada um com sua personalidade rica e diferente.

 

Como conheceu a Companhia de Jesus? Por que decidiu ser jesuíta? 

Na verdade, não conhecia a Companhia, a não ser pela Novena de São Francisco Xavier, realizada a cada inverno na paróquia. Eu também tinha um amigo que foi estudante jesuíta e que me deixava sentir admiração pela Ordem religiosa.  Nessa época, estudava na Faculdade dos Dominicanos e participava do grupo vocacional deles, porém, próximo do último semestre do curso, eu não sabia se escolhia ser dominicano ou jesuíta. Finalmente, o frei que cuidava do grupo vocacional me entregou uma cópia dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio e me disse: “Leia isso”.  Não li mais do que algumas frases, porém deu para ver Santo Inácio agindo como Mestre da vida espiritual. Senti: “É isso que quero”. Fechei o livro e nunca duvidei depois.

 

Como surgiu o desejo de vir ao Brasil? 

Quando estava na Teologia, durante o Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII pediu a presença de mais missionários na América Latina.  A Província de Nova Inglaterra (EUA) enviou quatro jesuítas para considerar qual o tipo de trabalho que poderíamos realizar. Entre esses jesuítas, havia amigos meus. Então, decidi pedir para acompanhá-los. Assim, fui ordenado em 10 de junho de 1967 e, 15 dias depois, já estava em Salvador (BA).

A primeira missão escolhida pelos jesuítas da Nova Inglaterra foi o bairro de Alagados, construído sobre o lixo da cidade de Salvador. Depois de dois meses participando dessa pastoral, voltei aos Estados Unidos para concluir os estudos de Teologia. Em 13 de fevereiro de 1969, retornei ao Brasil.

 

“Aqui, Deus me colocou numa Igreja dinâmica e me deu condições de servir aos futuros sacerdotes e a outros jovens.”

Qual a sua avaliação desses 50 anos no Brasil?

Aqui, Deus me colocou numa Igreja dinâmica e me deu condições de servir aos futuros sacerdotes e a outros jovens. Também fiz contato, nas paróquias, com inúmeros leigos que estavam aprendendo a ser participantes responsáveis no trabalho das comunidades. Morar com os membros da equipe de CEAS (Centro de Estudos e Ação Social), passar um tempo em Marabá (PA) e, depois, durante 28 anos, viver em Manaus (AM) com jesuítas admiráveis, servia para manter, diante de mim, a necessidade de olhar a tudo da perspectiva da Misericórdia e Justiça de Deus. Ideologias mentirosas, espiritualidades alienadas, religiosidade interessada, tudo isso era para ser purificado pelo conhecimento e o seguimento de Jesus de Nazaré e um reconhecimento dos valores do Reino a que a Igreja era chamada a encarnar no meio dos homens. Ou seja, era ver a Igreja chamada por Jesus ao trabalho que ele mesmo desempenhava: de ensinar, curar, reconciliar, libertar e conduzir ao Pai.  Uma Igreja que buscava o Pai de Jesus em tudo, na consciência de que era isso que mais caracterizava Jesus. Finalmente, era a necessidade de um contínuo discernimento daquilo que o Espírito Santo está fazendo em mim mesmo. Isso exige um silêncio e ascese não sempre dado!

 

Estar em Rio Branco (AC), na fronteira do país, é também estar na fronteira dos problemas humanos e ecológicos. O que a Teologia tem a dizer sobre essas realidades?

Não somente aqui, mas em toda a Amazônia, a Teologia, ao refletir sobre a realidade que vemos, nos leva a contemplar Jesus de Nazaré com seu jeito simples e cheio de compaixão pelas pessoas. Todos nós nascemos dentro de contextos sociais e históricos que condicionam a nossa liberdade, marcam a nossa afetividade e influem em todas as nossas escolhas, numa maneira que somente Deus pode avaliar.

Os Quatro Evangelhos colocam, continuamente, diante de nós, a figura de Jesus de Nazaré na sua presença compassiva para com o povo sofrido da Galileia e da Judeia.  Chegamos a entender que, assim, Jesus está vivendo sua maneira de ser fiel ao seu Pai.  Teologicamente, isso nos faz ver, com um olhar muito crítico, formas de religiosidade que omitem colocar o fiel diante desse Jesus e optam por um Salvador mais meigo ou um Jesus já glorioso durante sua vida, cuja morte na Cruz não foi consequência inevitável de sua maneira de viver. Nos Evangelhos, é um Jesus pobre e humilde, mal-entendido tanto pelo povo quanto pelos discípulos. Era o Filho Amado, indo “resolutamente” para o encontro com a Cruz, na certeza de que seu Pai iria manifestar-se nele mesmo e em todos que se abrem ao seu convite. É Jesus, que não nos força, mas nos atrai ao caminho de verdadeiros discípulos. Para mim, no mundo atual, o próprio Papa Francisco é o exemplo mais forte de todas essas linhas de Teologia sendo vividas na fidelidade de um filho que conhece o Pai de Jesus e que dá tudo de si para conduzir os fiéis à comunhão com Ele. E sabemos que, enquanto alguns escutam, amam e acolhem a mensagem e o exemplo desse Papa, outros o rejeitam e esperam que saia da cena o mais rápido possível! É a condição de um mundo ainda em Salvação! É uma Igreja chamada a discernir a presença do Espírito no mundo aí fora e de colocar-se a serviço do Reino do Pai, que o Filho Amado inaugurou.

 

Sendo o único jesuíta em Rio Branco (AC), como enfrentar a solidão e a distância dos companheiros? 

Claro que a vida comunitária numa casa de jesuítas é uma fonte contínua de renovação da nossa vida na Companhia. Penso em quanto os colegas influíram na minha maneira de pensar e de viver a vocação durante os anos da formação. Também há a solicitude daqueles que têm o ofício de zelar pelo bem dos jesuítas. Assim, sinto a falta dos jesuítas, mas não estou sozinho na tentativa de viver no seguimento de Jesus, com oração, Missa e a presença amigável dos padres da Diocese, que moram comigo.  A Comunidade Jesuíta à qual pertenço tem sua sede em Assis Brasil (AC), a uma distância de cinco horas daqui de Rio Branco, onde moram os padres Emílio Magro Moreira e Francisco Almenar Burriel, conhecido como padre Paco, e o irmão Gianfranco Zanelli.  O padre jesuíta mais perto é o Gilberto Oliveira Versiani, pároco da Paróquia Nossa Senhora das Dores, em Brasileia (AC), situada a duas horas e meia daqui.  Tentamos nos reunir ao menos uma vez por semestre e nos encontramos quando um deles vem a Rio Branco. Esses são momentos de muita graça.

 

Essa entrevista foi publicada na 41ª Edição do informativo Em Companhia (Jan./Fev. 2018). Quer ler a edição completa? Então, clique aqui!

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