Entre 24 e 26 de março, a CVX (Comunidade de Vida Cristã) realizou sua Assembleia Nacional, em Belo Horizonte (MG). Durante o evento, mais precisamente no dia 25, a comunidade comemorou seu dia mundial e completou 40 anos de atuação no Brasil. O padre Hermínio Rico, vice-assistente mundial da CVX (O Superior Geral da Companhia de Jesus é o assistente mundial, que nomeia um vice para exercer essa função), participou do encontro.
Em passagem pelo Brasil, o jesuíta concedeu uma entrevista ao padre Emmanuel da Silva e Araujo, assessor eclesiástico nacional da CVX. Confira:
Quais os traços da identidade da CVX mais importantes para hoje?
Vivemos em tempo que exige muitas escolhas e escolhas difíceis, seja no nível da vida pessoal como da vida social e até na Igreja. Ritmos acelerados de mudança, tensões e tendências para os extremismos que se acentuam, contextos de cada vez maior pluralismo, muitas vezes confuso. Tudo isso nos obriga a grande esforço para sermos, nós mesmos, livres, sem nos deixarmos arrastar pela corrente do imediato superficial ou nos dispersarmos por tantas solicitações. A centralidade do exercício permanente do discernimento – como atenção à realidade para encontrar Deus no momento presente, desmascarar ilusões e falsidades, e apoio para fazer escolhas que promovem o desenvolvimento humano integral – é o traço mais útil do estilo de vida proposto pela CVX para os dias de hoje.
Você foi assistente da CVX Portugal por vários anos. Conte-nos um pouco da sua experiência com as comunidades portuguesas.
Eu tive o privilégio de ser assistente nacional entre 2004 e 2014, em um tempo em que a CVX-P empenhou-se em um processo de grande exigência de formação. Com uma equipe de gente muito competente e dedicada, eu pude ajudar a criar cursos de animadores (coordenadores) e de guias (assessores) e propostas de percursos de crescimento para novas comunidades e de renovação para outras já estabelecidas. A certa altura, a pedido de alguns jovens universitários, criamos uma proposta de três anos de introdução à CVX, a que se chamou CVX-U. Muitas centenas de jovens já passaram por esses grupos e acabaram, no final, por formar novas comunidades CVX. A CVX-P mais do que triplicou em número de membros durante esses anos. E, mais importante, criou estruturas e hábitos de formação que continuam ajudando a Comunidade a caminhar e crescer. Pessoalmente, como jesuíta, recebi muito em termos de gratificação apostólica e aprofundamento da minha experiência da espiritualidade inaciana desse trabalho com a CVX.
Como você vê a Comunidade Mundial hoje?
A CVX celebra, neste ano de 2017, seus 50 anos. Foi na Assembleia de Roma, em outubro de 1967, que a Federação das Congregações Marianas decidiu mudar de nome ao adotar os novos Princípios Gerais, tornando-se autônoma, como associação de leigos, em relação à Companhia de Jesus. Com o impulso do Concílio Vaticano II, a CVX percorreu, nestes 50 anos, um longo caminho de aprofundamento da sua identidade: primeiro, redescobrindo a importância e o potencial dos Exercícios Espirituais; depois, assumindo-se como uma única comunidade mundial e, finalmente, afirmando a centralidade do compromisso com a missão apostólica laical na identidade CVX. A esta tríade, Espiritualidade Inaciana – Comunidade – Missão, chamamos agora os três pilares da CVX. Em uma Igreja que necessita, cada vez mais, de leigos bem formados e comprometidos no serviço apostólico e na transformação do mundo, a CVX tem um grande potencial, que é, ao mesmo tempo, uma responsabilidade.
Com a experiência de um trabalho que lhe permite uma visão da CVX em todos os continentes, quais desafios o senhor percebe que a CVX enfrenta atualmente?
A CVX é uma realidade muito diversa no mundo. Há comunidades nacionais muito desenvolvidas e com grandes capacidades e outras que ainda dão os primeiros passos na descoberta da sua identidade. O primeiro desafio é o de continuar a expandir-se pelo mundo. Acredito que há muito, muito mais gente que poderia aderir à CVX, se lhe fosse proporcionada essa oportunidade. O segundo, é o aprofundamento da identidade, integrando melhor a vivência dos três pilares, afastando-se sempre dos extremos, tanto do individualismo espiritualista — ou dos grupos fechados sobre si mesmos como espaços de conforto— quanto do ativismo superficial e imediatista, sem densidade espiritual.
A CG 36 afirma que a Companhia de Jesus é “uma comunidade de discernimento com horizontes abertos”. Os Princípios Gerais afirmam que a CVX é comunidade de discernimento e de compromisso apostólico, sempre aberta ao que é mais urgente e universal. Fale um pouco sobre o papel do discernimento pessoal e comunitário na vida da CVX, à luz dessas afirmações?
O discernimento é um processo bem conhecido, pelo menos teoricamente, na Companhia de Jesus e também por muitos membros da CVX. No entanto, talvez haja um antes e um depois do discernimento que são cruciais e, muitas vezes, não tão bem atendidos. O antes é a atenção à realidade, a procura de perceber o que está acontecendo e como Deus está agindo em cada aqui e agora concreto – é preciso dar tempo a isso, para não fazer do discernimento apenas uma discussão, ou um pensar, sobre aquilo que já tenho como mais ou menos escolhido. O depois é a decisão e a constante avaliação dos processos e dos resultados; não é suficiente discernir muito, se não há liberdade para realizar escolhas e fazer mudanças e se, depois, não se continua a vigiar para não haver retrocessos sutis. Aquilo que a CVX formulou como a dinâmica Discernir-Enviar-Apoiar-Avaliar pretende assegurar a constante vitalidade do discernimento pessoal e comunitário.
De que maneira a CVX pode participar da missão de Reconciliação e Justiça à qual a Companhia é hoje chamada? Que passos a CVX do Brasil poderia dar para responder cada dia mais ao chamado do Papa Francisco a uma Igreja em saída?
Escutar o que diz o Papa Francisco, revisitar a identidade e os documentos da CVX, olhar a realidade à volta são passos que os membros da CVX no Brasil podem dar para identificar os desafios que lhes são particularmente dirigidos e encontrar as respostas que poderão dar a esses desafios. Com humildade e simplicidade, sabendo que estarão sempre dando uma pequena contribuição, colaborando com outros e com Deus, que está constantemente agindo no mundo.
Foto: Patrícia Azevedo/Dom Total