Ir. Douglas Turri, SJ
A talentosa escritora Adélia Prado, com sua incrível habilidade de interpretar a realidade, nos presenteou com o poema marcante Ensinamento: “Minha mãe achava o estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento”. Enfrentamos dificuldades para falar sobre os sentimentos, pois somos criados desacreditando na importância de vivenciá-los e expressá-los de maneira autêntica. Somos ensinados a reprimi-los a todo custo, numa busca desesperada por aprovação e integração na sociedade, que valoriza em excesso o fazer e os resultados, negligenciando o simples ato de sentir.
Tudo gira em torno da produtividade e da competitividade. Não é por acaso que, nos dias de hoje, as pessoas se preocupam mais com seu próprio sucesso e desempenho do que com o desenvolvimento de sua humanidade. Observe com atenção e perceberá que a sociedade contemporânea incessantemente nos expõe a um intenso foco de expectativas e desafios. Por mais bem-sucedidos que sejamos, em qualquer atividade que empreendamos, a insatisfação persiste, levando-nos a questionar nossa capacidade e nos submetendo a uma vida sob pressão.
Parece-me relevante lembrar o ponto de vista do Cardeal José Tolentino Mendonça:
“Os nossos estilos de vida parecem irremediavelmente contaminados por uma pressão que não dominamos; não há tempo a perder; queremos alcançar as metas o mais rápido possível; os processos nos desgastam, as perguntas nos atrasam, os sentimentos são um puro desperdício: dizem-nos que temos de valorizar resultados, apenas resultados” (A mística do instante: o tempo e a promessa).
Temos uma compreensão superficial da dor, da angústia e do desespero gerados por essa forma de viver, que se acumula com o decorrer do tempo. No entanto, estamos decididos a validar esse estilo de vida e os valores que o acompanham, controlando nossos medos, contendo nossas ansiedades, mantendo-nos ocupados para não perceber e seguindo em uma corrida constante para evitar olhar para dentro e não experimentar nossa essência.
Será, então, que o fardo dos homens e mulheres contemporâneos é viver com medo de serem genuinamente eles mesmos e de revelarem seus sentimentos? A resposta pode ser “sim”, se enxergarmos por meio da perspectiva dominante, cujos valores fundamentais são “faça mais, sinta menos”. No entanto, do ponto de vista cristão, a resposta é “não” para uma vida permeada pelo medo e pela repressão dos sentimentos, pois “Cristo nos libertou para que vivêssemos em plena liberdade” (Gl 5,1).
Os sentimentos de Jesus
Sem dúvida, quando se fala de seguidores do cristianismo, Jesus Cristo é o modelo a ser seguido. Apenas Ele é capaz de afirmar plenamente: “aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas vidas” (Mt 11,29). Dessa forma, como cristãos, deveríamos refletir diariamente sobre os sentimentos de Cristo e sobre o que podemos aprender com Ele. Aqueles que praticam os Exercícios Espirituais se depararão com essa orientação enfatizado por Santo Inácio de Loyola, que devemos sempre buscar: “pedirei aqui conhecimento interno do Senhor que por mim se fez homem, para que mais o ame e o siga”. No entanto, até que ponto de fato conhecemos os sentimentos de Jesus?
Sabemos muito, exatamente porque a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se revelou na humanidade de um homem chamado Jesus de Nazaré (Jo 1, 14). O Concílio Ecumênico Vaticano II afirma:
“O Filho de Deus… trabalhou com mãos de homem, pensou com mente de homem, agiu com vontade de homem, amou com coração de homem” (Gaudium et spes, 22).
Em várias ocasiões, podemos testemunhar Jesus sorrindo com coisas que achava divertidas e chorando nos momentos de perda, demonstrando proximidade e envolvimento, com seus sentidos abertos e acolhedores. É justamente por essa razão que Jesus foi capaz de genuinamente vivenciar nossos sentimentos e nossas experiências emocionais, expressando uma sensibilidade totalmente direcionada e focada no Reinado de Deus. Essa realidade é mencionada nos evangelhos: quando Ele encontrou o homem com a mão ressecada (Mc 1, 41); quando presenciou uma mulher enlutada enterrando seu único filho (Lc 7, 13); ou ainda quando Bartimeu, o cego, clamou desesperadamente: “Filho de Davi, tem compaixão de mim” (Mc 10, 48). E lembremos também das vezes em que Ele alimentou aqueles que não tinham comida suficiente (Mc 6, 34; 8, 2 par.).
A forma como o Novo Testamento retrata a dinâmica de Jesus, revela que os seus sentimentos provinham profundamente do seu ser, sendo expressa nos evangelhos pelo verbo grego splagchnizomai. José Maria Castillo, no livro A ética de Cristo, oferece uma interpretação muito esclarecedora ao afirmar que splagchnizomai “implica literalmente sentir uma comoção das próprias entranhas”. Ele prossegue ao dizer: “Portanto, expressa uma reação visceral, a sensação mais íntima e humana que alguém pode experienciar”.
Jesus abriu seu coração ao amor, não teve medo de se conectar e ser autenticamente quem é. A ênfase principal agora reside em abrir espaço para os nossos próprios sentimentos, permitindo que se tornem uma fonte de inspiração que nos impulsiona a seguir Seu caminho, buscar uma maior humanidade e ser um agente de humanização em um mundo tão desumano. Nisso está a essência do “tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus” (Fl 2,5). Este é o horizonte que deve nos atrair. Mas por onde podemos começar?
Tornar-se mais humano
Nos evangelhos, é perceptível que a sensibilidade – splagchnizomai – de Jesus é mencionada sempre que a dignidade humana é ameaçada, desrespeitada ou violada de qualquer maneira. Fica evidente que há uma indicação de que a sensibilidade brota do mais profundo do ser diante da angústia, da solidão, da injustiça e da humilhação sofrida pelos outros. O oposto acontece quando alguém manifesta falta de sensibilidade diante de uma situação, permanece indiferente, de braços cruzados, preocupando-se apenas com o que lhe afeta pessoalmente, em uma prova evidente da atrofia e da redução da habilidade de sentir.
Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco demonstrou ser um fervoroso opositor dessa horrenda cultura que subtrai a humanidade e nos priva da capacidade de nos importar com a felicidade ou infelicidade dos outros. “Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de ‘padecer com’: a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar!” (Homilia do Santo Padre Francisco, viagem a Lampedusa).
Independentemente da intensidade da atrofia dos sentimentos e dos obstáculos para expressar emoções e reagir com afeto, o essencial para alcançar a cura e a liberdade é prestar atenção às necessidades das pessoas, especialmente as mais desfavorecidas. De acordo com o Evangelho, é exatamente nesse ponto que Jesus colocou seus sentimentos. Neste sentido, Jon Sobrino, nos lembra de que:
“Jesus aparece como quem se sente profundamente comovido pela dor alheia, reage diante dela salvificamente e faz dessa reação algo primeiro e último, critério de toda a sua prática”. (Jesus, o libertador: a história de Jesus de Nazaré).
É exatamente nesse momento, do encontro com o “outro”, de se deparar com o “rosto do outro”, que o peso do medo de ser autêntico e de revelar seus sentimentos é superado. Definitivamente, é através desse encontro com o outro que descobrimos nossa humanidade e, ao mesmo tempo, o aspecto mais sublime do Amor de Deus que se faz carne. Arrisquemos viver inteiramente livre para sentirmos!