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“Nunca afaste de algum pobre o teu olhar”, diz Papa Francisco

Na terça-feira (13), foi divulgada a Mensagem do Papa Francisco para o 7º Dia Mundial dos Pobres, instituído pela Igreja Católica em 2016 – na conclusão do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia. O dia simbólico será celebrado em 19 de novembro. Nunca afaste de algum pobre o teu olhar é o tema da mensagem, extraída do livro de Tobias (4,7). 

O livro de Tobias ensina a pessoa a ter atitudes concretas no agir com e pelos pobres. A história bíblica propõe uma cena de vida familiar, na qual o pai Tobit, julgando que ia morrer, oferece o seu testamento espiritual ao filho Tobias que partirá em uma viagem. Deseja ao filho não tanto bens materiais, mas sobretudo um sólido fundamento de amor a Deus em obras, servindo os pobres.

Segundo o Papa Francisco, “Tobit, no período da provação, descobre a própria pobreza, que o torna capaz de reconhecer os pobres. É fiel à Lei de Deus e observa os mandamentos, mas para ele isto não basta. A solicitude operosa para com os pobres torna-se-lhe possível, porque experimentou a pobreza na própria pele. Por isso, as palavras que dirige ao filho Tobias constituem a sua verdadeira herança: «Nunca afastes de algum pobre o teu olhar». Enfim, quando nos deparamos com um pobre, não podemos virar o olhar para o lado oposto, porque impediria a nós mesmos de encontrar o rosto do Senhor Jesus. Notemos bem aquela expressão «de algum pobre», de todo o pobre. Cada um deles é nosso próximo. Não importa a cor da pele, a condição social, a proveniência. Se sou pobre, posso reconhecer de verdade quem é o irmão que precisa de mim. Somos chamados a ir ao encontro de todo o pobre e de todo o tipo de pobreza, sacudindo de nós mesmos a indiferença e a naturalidade com que defendemos um bem-estar ilusório“, escreve o Pontífice.

No Brasil, a pobreza é um fenômeno histórico com vários condicionantes. Entre eles, o fato do país ter sido, no passado, uma colônia de exploração da Coroa Portuguesa que extraiu bens e recursos naturais para benefício próprio. Ela aumentou a sua riqueza e espoliou a do Brasil, provocou um sistema desigual, o que originou a estratificação social do país.

Para o sociólogo e professor do Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Dalmir Pacheco, “ao olharmos para a sociedade como um todo, encontramos esta situação ‘desenhada’ nas pirâmides hierárquicas, onde a base é formada pelos de menor posse (maioria), enquanto no topo (minoria) estão os mais favorecidos”. Essa foi a configuração posta no sistema de exploração da Coroa Portuguesa.

O professor comenta ainda que “A desigualdade social é sempre pensada dentro de um contexto econômico, relacionado à questão material. Mas outras variáveis devem ser consideradas, como: religião, etnia, sexo e idade. E é a partir desse cenário que podemos entender a estratificação social. Pois, historicamente, os sujeitos foram colocados à margem por suas condições materiais ou valoraria, é o caso do acesso aos serviços como moradia, transporte, educação, lazer e etc.”

Em recente pesquisa, o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), autarquia ligada à Secretaria de Estado de Economia e Planejamento do Espírito Santo, apontou que 70,7 milhões de brasileiros vivem em situações precárias oriundas da pobreza. A informação faz parte das conclusões do estudo do IJSN e feito com base nos dados de 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro e Estatística (IBGE) sobre rendimentos de todas as fontes.

A taxa de pobreza no Brasil era de 33%, em 2022. Quando comparada ao ano de 2021, reforça que o número de pobres no país caiu. Em 2021, se viu a mais alta taxa de pobreza dos últimos 11 anos, de 38,2%. Apesar do decréscimo de um ano para o outro, a taxa de pobreza ainda é elevada. Afinal, são mais de 70 milhões de brasileiros na pobreza.

Um dado alarmante da pesquisa é que das 27 unidades federativas do Brasil, nove delas têm a maior parte de sua população composta por pessoas em situação de pobreza acentuada. Dessas, três estão na região amazônica: Maranhão (58,9%), Amazonas (56,7%) e Acre (52,9%). Maranhão e Amazonas, respectivamente, estão no topo da lista das nove unidades federativas mais pobres.

Além desses, outros três estados da Amazônia, na Região Norte, computaram taxas acima da média nacional de 33%. Sendo eles: Amapá (49,4%), Pará (49,1%) e Roraima (46,8%).

Na linha da extrema pobreza encontrou-se, aproximadamente, 13,7% milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade, em 2022. As taxas mais elevadas, considerando a média do país que é de 6,4%, foram encontradas ainda na Amazônia, nos estados do Maranhão (15,9%) e do Acre (14,7%).

De acordo com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), para o cálculo das taxas, foram consideradas as linhas de pobreza e extrema pobreza estabelecidas pelo Banco Mundial. Assim, as referências mensais das famílias tomadas como limites foram de R$ 665,02 e R$ 208,73, para valores de 2022.

Uma história real de pobreza

A pobreza afeta pessoas como a dona Jandira Machado, que no próximo dia 9 de julho vai completar 57 anos. Ela é moradora do bairro conjunto Maguari, em Icoaraci, um dos oito distritos de Belém (PA), distante 20 quilômetros do centro da capital. Ela vive com os netos de 8 e 12 anos com a única renda que tem de R$ 650 mensais, do Programa Assistencial Bolsa Família.

Dona Jandira começou a trabalhar com 12 anos em uma casa de família. Vinda do município de Curralinho chegou a Belém para garantir o seu próprio sustento. Pois, desde muito nova identificou a pobreza ao seu redor. Até por isso, não concluiu os estudos. Parou de estudar no oitavo ano do antigo Ensino Fundamental.

Mais tarde, conheceu seu companheiro, porém logo se separaram e ela teve que criar sozinha quatro filhas. “Com muita luta”, como ela mesma disse. Levantou-se da cama cedo todos os dias para trabalhar em casa de família, sem nunca ter um registro formal em carteira.

Aos poucos, dona Jandira conseguiu juntar dinheiro e com a ajuda de amigos construiu a sua casa, modesta, mas sua. Até hoje, não pôde finalizar a obra. Parte da casa é alvenaria sem emboço e outra parte em madeira.

Desde 2011 está sem trabalhar, pois teve complicações em seu estado de saúde e precisou fazer uma intervenção cirúrgica. Segundo ela, depois que fez a cirurgia apareceram algumas hérnias de disco e lombalgia que a impossibilitaram de batalhar pelo seu sustento e de seus netos. Hoje, faz a ingestão de remédios periódicos para se locomover e diminuir a dor intensa que sente na coluna.

A mulher batalhadora passou a viver de caridade. Inclusive, todos os sábados ia em direção à Casa das Irmãs Franciscanas para pegar sopa, uma ação da Igreja Católica oferecida para a comunidade local. Ali também conheceu a equipe do Centro Alternativo de Cultura (CAC), obra social da Companhia de Jesus na Amazônia.

Hoje, o CAC colabora com cesta básica mensal, alguns remédios e acompanha a vida da dona Jandira. Segundo o coordenador do CAC, Juscélio Pantoja, “a história dela é uma história de negação de direitos também, mas o CAC tem tentado ajudá-la no sentido de buscar uma segurança e uma sustentabilidade financeira até que ela consiga o Benefício de Prestação Continuada (BPC)”, disse ele. Com essa colaboração, recentemente, a paraense iniciou a venda de bolo e mingau na frente da sua casa.

Além do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que ainda não chegou, Dona Jandira espera na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) para fazer a cirurgia da hérnia há quase 1 ano.

A pobreza resulta em graves consequências para a população de maneira geral, principalmente na dimensão do desenvolvimento humano e da qualidade de vida.

Semelhante à história dela há muitas outras. Essas também encontram dificuldade no acesso à saúde, à conquista da moradia adequada, à uma alimentação nutricional, etc.

Na pobreza é mais visível encontrar a ausência de saneamento básico, aumento da violência e da vulnerabilidade social, o crescimento do trabalho informal, o preconceito e a exclusão social.

ONU e a erradicação da pobreza

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um apelo global à ação para acabar, primeiramente, com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares.

No último ano, a ONU lançou o Relatório de Desenvolvimento Humano que apontou, pela primeira vez em 32 anos, a queda consecutiva (2021-2022) do índice de desenvolvimento que mede saúde, educação e padrão de vida de uma nação com o intuito de avaliar o bem-estar de uma população. Mais de 90 países registraram o declínio. O Brasil ocupou a 87ª posição no ranking entre as 191 nações analisadas.

No Relatório Anual da ONU e União Europeia em 2023 que trata sobre alimentação, o registro de pessoas que passam fome no mundo chega a 260 milhões. Os atingidos por “insegurança alimentar grave” saíram de 21,3% em 2021 para 22,7% em 2022, um aumento de 1,4%. Desde 2016, o número de cidadãos que vivem sob stress alimentar mais do que triplicou, de 83,3 milhões para 253 milhões em 2022.

Uma das metas da ONU para a erradicação da pobreza é, justamente, implementar medidas e sistemas de proteção social adequados e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e das pessoas em situação de vulnerabilidade.

Fonte: PAAM

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