Texto retirado de matéria do Jornal Porantins,
Ano XLIII • N. 447, 2020, do CIMI.
O “Documento de Morumbi”
Em 21 de fevereiro de 1968, ocorreu em São Paulo, no Morumbi, o 1º Encontro de Pastoral Indigenista sobre a presença da Igreja Católica junto às populações indígenas, onde se editou o Documento de Morumbi. Na época, o processo de aniquilação dos povos originários estava a pleno vapor e a ação missionária dava pequenos passos para abandonar as práticas catequizadoras, buscando assumir o modelo debatido na Conferência de Medellín, que aconteceu também em 1968.
Um ano antes, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A nova organização, entretanto, deu continuidade às atrocidades conduzidas pelo SPI, perpetuando o projeto de dissolução dos modos de vida dos povos.
Segundo artigo publicado no Informativo nº 327 da Companhia de Jesus, em maio de 1996, de autoria do padre José Moura e Silva, o Documento de Morumbi foi a base da renovação missionária indigenista que culminou com a criação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 1972. Ele explica que foi o também padre jesuíta Adalberto Holanda Pereira que editou o diretório indígena para a Missão do Diamantino – um conjunto de propostas aos missionários que trabalhavam nas aldeias atendidas pela prelazia -, e ainda promoveu, junto com o então Secretariado Nacional de atividade missionária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Seminário Missionários – Antropólogos, em conjunto com o 1º Encontro de Pastoral Indigenista, o chamado de 1º Encontro sobre Presença da Igreja nas Populações Indígenas, onde se editou o Documento de Morumbi.
Naquela época, a necessidade de mudança da política indigenista da Igreja junto aos indígenas foi apontada pelo Concilio Vaticano II (1965), pela II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, Medellín, Colômbia (1968) e pelo 1º Encontro sobre Presença da Igreja nas Populações Indígenas (1968). Em março de 2021, Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário, falou sobre o assunto em entrevista elaborada por Roberto Antonio Liebgott (Cimi) e Rodrigo de Medeiros Silva, da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap), que compõem o Fórum Justiça no Rio Grande do Sul. “Os missionários indigenistas se sentiram marginalizados [após a Conferência de Medellín]. Diante das reclamações, o Secretariado Nacional de Atividade Missionária (SNAM), da CNBB, convocou a reunião de missionários indigenistas realizada em Morumbi 02/1968. Lá, presenciei fortes discussões. Uma delas, entre um Salesiano e um Dominicano, me projetou luz sobre como enfrentar futuras situações. Em meio a uma acalorada discussão, o Salesiano, professor de universidade, esbravejou: “E onde fica então, a nossa obediência religiosa?” E o franzino Dominicano, missionário no Araguaia, respondeu: “Obediência, sim, mas obediência criativa!”
Me lembrei de Pedro que há 2.000 anos escreveu: “É preciso obedecer antes a Deus que aos homens.”
Havia necessidade de mudanças radicais na rotina missionária da Igreja. De volta em São Leopoldo, na Teologia, discutimos muito o assunto e, no ano seguinte, eu criei no Sul a Opan-Operação Anchieta, hoje Operação Amazônia Nativa, garantindo duas perspectivas novas para a política indigenista da Igreja do Brasil. A primeira inaugurou um novo modelo de presença missionária, não doutrinação, mas encarnação nas aldeias. A segunda garantiu novas forças, o vinho novo, para os odres novos que surgiam, agora com presença criativa, ágil, sem fronteiras políticas ou eclesiásticas e encarnada na realidade dos povos indígenas, esfacelados por todo o território brasileiro”, recordou Schwade.
Segundo Benedito Prezia – em seu livro “Caminhando na Luta e na Esperança: Retrospectiva dos últimos 60 anos da Pastoral Indigenista e dos 30 anos do Cimi” -, o 1º Encontro sobre a Presença da Igreja nas Populações Indígenas – realizado no Colégio Santo Américo, no Morumbi/SP, trouxe um aceno de colaboração da Funai que culminou na solicitação do órgão por uma assessoria do jesuíta Antônio Iasi Jr e, ainda, na indicação dos nomes de Dom Tomás Balduíno e padre Ângelo Venturelli para integrarem do Conselho Indigenista da Funai.
De acordo com a publicação, outras iniciativas também ocorreram, como a realização, em Brasília, em 1969, do 1º Simpósio Indigenista entre a Funai e Missões Religiosas. Prezia relatou ainda alguns dos trechos do relatório final do 1º Encontro de Pastoral Indigenista (1968), que destacava o respeito a cultura de cada grupo indígena e a procura por aculturar-se a ele, fomentando no índio o orgulho de sua origem e de sua raça. O documento trouxe também a necessidade do estudo de antropologia e linguística, bem como cursos de preparação para os missionários e coordenação da pastoral indígena.
– Para saber mais sobre Pe. Antônio Iasi Jr, SJ: No meio do caminho estava o CIMI: 50 anos do documento-denúncia “Y-Juca-Pirama” e a atuação do Pe. Antônio Iasi Jr, SJ – Instituto Humanitas Unisinos (IHU)
– Para saber mais sobre Egydio Schwade: “A atual política indigenista brasileira permanece nos moldes deixados pela ditadura militar”. Entrevista especial com Egydio Schwade – Instituto Humanitas Unisinos – IHU / Egydio Schwade – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
– Para saber mais sobre Adalberto Holanda Pereira, SJ: Blog de Quincuncá (CE): Biografia do Padre Jesuíta, Adalberto Holanda Pereira – Por Guilherme Pereira (blogdequincunca.blogspot.com)
Fonte: Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (Olma)