Palestra do jornalista brasileiro preso e torturado na Síria lota auditório na Unicap

 

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O lançamento do livro “Dias de Inferno na Síria: o relato do jornalista brasileiro que foi preso e torturado em plena guerra”, do  jornalista e escritor recifense Klester Cavalcanti (foto), lotou o auditório G2 da Unicap na noite desta segunda-feira, dia 25 de fevereiro. O evento, organizado pelo coordenador do curso de Jornalismo, professor Juliano Domingues, marcou a abertura oficial do semestre letivo do Centro de Ciências Sociais (CCS) e do 1º Ciclo.
 
Num tom descontraído, Klester, que é ex-aluno de Jornalismo da Unicap, falou também sobre sua trajetória profissional. A escolha pela profissão representou uma mudança de vida já que ele atuava na área de mecânica. “Fui almoçar com um amigo fotógrafo do Jornal do Commercio e ele se atrasou porque estava uma pauta. Ele foi fotografar uma modelo que havia contraido HIV. Na época, a doença provocava grande repercussão. Vendo aquele trabalho, achei interessante. Comprei equipamentos fotográficos, passei a ler mais jornais e revistas e decidi que queria fazer jornalismo.”
 
Até estagiar no Diario de Pernambuco, Klester trabalhou em duas empresas de assessoria de comunicação. “Na primeira eu ganhava R$ 90,00, metade de um salário mínimo. Eu ganhava seis vezes mais em mecânica, mas persisti. Depois fui para a MP, de Mônica Ayub. Passei a ganhar melhor”. Ao final do curso, foi convidado para ser correspondente da revista Veja na Amazônia. “Eles conheciam meu trabalho porque durante esse tempo atuei como colaborador de revistas da Editora Abril”.
 
O jornalista morou em Belém do Pará, onde fez várias matérias denunciando conflito agrário. Numa dessas pautas sobre posse de terra, acabou sequestrado e abandonado em plena selva amazônica. Depois do episódio, a revista Veja o transferiu para São Paulo, onde Klester passou por outras publicações do grupo, além dos portais Terra e Estadão. Apesar da trajetória de sucesso, o jornalista ainda não havia realizado o seu maior sonho profissional: cobrir uma guerra no Oriente Médio.
 
Quando o conflito na Síria explodiu entre as forças do ditador Bashar al-Assad e os rebeldes, Klester enxergou a oportunidade. Editor-executivo na Revista Isto É, ele fez a proposta à direção e tomou a iniciativa de se articular com o governo e os rebeldes sírios. Foram meses de negociação até a data do embarque em maio do ano passado.
 
Ele desembarcou em Beirute, no Líbano, e cruzou a fronteira com a Síria por terra. Na primeira tentativa, acabou sendo deportado. Depois, seguiu para Damasco, a capital da Síria. “A cidade estava normal, mas uma rua escura e com vários soldados armados me chamou a atenção. Tentei fotografar e imediamente fui proibido aos gritos e com armas apontadas. Guardei a máquina e saí. Mas precisava registrar e entender o porquê daquela barricada. Coloquei a máquina no modo vídeo e gravei sem que os soldados percebessem. Foi aí que entendi que eles protegiam os prédios públicos alvos dos rebeldes”.
 
O mais difícil da missão estava por vir. O objetivo de Klester era ir a Homs, região de conflitos mais intensos. Ele seguiu de ônibus e lá circulou de táxi tempo suficiente para documentar o cenário desolador da até então moderna cidade de 1,8 milhão de habitantes. Acabou detido num posto militar por não ter cumprido a recomendação escrita em português e árabe de se apresentar ao Ministério da Informação. O jornalista descumpriu o pedido porque sabia que seria cerceado por agentes do governo com o argumento de oferecer infraestrutura e segurança. “Eu não queria fazer assessoria de imprensa para o governo e sim mostrar a guerra”.
 
fotoTensão
Ao ser abordado, Klester conseguiu esconder o cartão de memória da câmera antes de entregar seus objetos. “Fiz contato com um representante da Embaixada do Brasil para dizer que estava preso e passei o celular para o militar. Ele desligou e guardou o aparelho. Aí pensei: isso não vai dar muito certo”.
 
Enquanto esperava, o jornalista ficou sob a vigília de um grupo de soldados. “Começamos a falar de futebol. Real Madrid ou Barcelona? Messi ou Cristiano Ronaldo? Maradona ou Pilí (eles chamam Pelé assim). Uma conversa leve, eles sorrindo, mas as armas (pistolas e fuzis) apontados pra mim o tempo todo”, contou Klester provocando risos do público.
 
Klester foi levado por uma milícia a uma delegacia improvisada, “civis que fazem o trabalho sujo do governo”. No trajeto, ele viu lojas saqueadas, ruas e edifícios destruídos. Ao chegar na ‘delegacia’, o jornalista se deparou com um ambiente escuro e hostil. “Nesse momento comecei a esperar pelo pior. Fui descendo escadas pensando no Salmo 23 da Bíblia (“Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam”). Ouvi um barulho de tiro e pensei. Estou morto! Morri. Ainda bem que nem doeu”, contou Klester ao se confundir com o barulho de uma porta de ferro fechando. As risadas no auditório foram inevitáveis.
 
Outros momentos de tensão estavam por vir. Ao terminar de prestar depoimento, um dos agentes obrigou Klester a assinar um documento em árabe. Diante das recusas, ele teve o rosto queimado com ponta de cigarro e foi ameaçado de ter o olho ferido com a brasa. As marcas das algemas também são visíveis em fotos.
 
No dia seguinte, com a promessa de ser liberado, Klester foi transferido para uma penitenciária onde ficou por 5 dias. “Colocaram-me numa cela de 40 m2 com 20 presos. Um deles falava inglês”. Como a ala era de detentos considerados não-perigosos, os objetos foram devolvidos como as principais ferramentas de trabalho de um jornalista: papel e caneta. “Passava o dia entrevistando os presos e escrevendo”. Após negociações entre os governos brasileiro e sírio, Klester teve permissão para voltar ao Brasil.
 
O resultado da aventura pode ser lido nas 285 páginas do livro. A Editora Benvirá preparou um site com textos, fotos e vídeos que serviram de material para a obra.
 
Fonte: Assessoria Unicap (Daniel França e Luísa Nóbrega)

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