As paróquias, para a Companhia de Jesus, são uma oportunidade para a concretização da preferência apostólica de serviço aos vulneráveis. Nelas, podemos concretizar as palavras de Santo Inácio aos estudantes de Coimbra, em 1547: “A amizade dos pobres nos torna amigos do Rei Eterno”. A pandemia aumentou o sofrimento dos empobrecidos e de nossas paróquias. Mesmo as que estão em áreas de população mais rica podem ser canais de solidariedade e fraternidade em vista de amenizar as dores dos mais vulneráveis. Como estamos fazendo isso? Ao termos as portas de nossos templos fechados, como estamos nos reinventando? No espírito de Santo Inácio, de buscar a maior glória de Deus e de ver Deus em todas as coisas, este tempo de deserto é oportuno para o encontro com o Senhor na vivência do Evangelho e no anúncio de seu Reino nas diversas formas de apoio aos sofredores. Tempo oportuno, tempo de revelação, assumindo os desafios na criatividade do Espírito Santo, podemos experimentar ‘os santíssimos efeitos da ressurreição do Cristo‘ no nosso dia a dia.
A Evangelium Gaudium, exortação apostólica do Papa Francisco que nos aponta para uma “Igreja em saída”, no número 28, apresenta a paróquia como uma estrutura de grande plasticidade que “pode assumir diferentes formas”. Ela pode se adaptar conforme as circunstâncias de cada tempo e conforme os lugares em que ela se encontra dependendo “da docilidade e criatividade missionária do Pastor e da comunidade”. No entanto, duvido que, nessa plasticidade, alguém, em sã consciência, pudesse prever as adaptações exigidas pela pandemia. Tudo é absolutamente novo. Informações se alternam a ponto de pensar que sabemos muito pouco ou quase nada sobre a covid-19.
Por isso, a resposta mais prudente e sensata da Igreja tem sido a afirmação daquilo em que ela sempre acreditou: os valores do Evangelho. Em nossas paróquias, essa resposta se dá, desde o primeiro momento, com uma preocupação prioritária no auxílio assistencial aos pobres e, num segundo momento, como continuar comunicando a boa nova do Evangelho. Pe. José Laércio, da Paróquia Cristo Rei de Fortaleza (CE), nos diz assim: “Vivendo em uma situação de crise, a Paróquia sentiu necessidade de se reinventar. Assim, como a caridade sempre foi um caminho seguro de encontro com o Senhor, nos dias de hoje, nos transforma em Igreja em saída, Comunidade de misericórdia – Casa do Pão”.
Retomando o número 28, a Evangelium Gaudium nos aponta que a paróquia “é a própria Igreja no meio de seus filhos e filhas”. Essa é a razão pela qual a primeira preocupação de nossas comunidades frente à pandemia é o socorro aos pobres. A paróquia está, realmente, em contato com as famílias e com a vida do povo, e não é uma estrutura complicada, separada das pessoas e, muito menos, um grupo de eleitos voltados unicamente sobre si mesmos. A paróquia é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento da vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a adoração e a celebração.
A proximidade com as pessoas em seus sofrimentos é sempre uma convocação e um desafio. Quando nos encontramos em situação de isolamento e distanciamento social, o desafio duplica. De imediato, exige-nos uma nova compreensão do conceito de proximidade. Isolamento e distanciamento social não podem ser sinônimos de isolamento afetivo, pelo contrário, a percepção da dor do outro e a busca de manifestar-lhe compaixão e empatia se faz, exatamente, pela abertura do coração. Portas fechadas, coração aberto aos necessitados.
Redes de solidariedade e fraternidade
Em Belo Horizonte (MG), passados mais de 100 dias do ‘fechamento‘ de nossas igrejas, a Arquidiocese apresentou um documento intitulado Ação missionária para um novo tempo. De imediato, pensamos tratar-se de um documento para a reabertura das nossas igrejas. Na verdade, trata-se de uma nova percepção da realidade e a proposta de uma reeducação em vista de continuar anunciando o Evangelho nas possibilidades do tempo presente. Ninguém arrisca um ‘quando’ para o fim da pandemia e ninguém aposta num retorno à situação anterior a ela. Logo, trata-se de viver a vida com os desafios da prática do amor.
A ansiedade pela ‘normalidade‘ é o reflexo do medo que a pandemia nos trouxe. “Não aguento mais dizer que já não aguento mais”, dizia uma radialista, e é assim que a maioria das pessoas experimentam o distanciamento. Uma grande parte de nossos paroquianos é composta por pessoas do grupo de risco. A vida de comunidade é vida de proximidade, de contato físico, de mão na mão, de rezar o Pai Nosso lado a lado… De repente, somos alertados de que essa prática pode ser vista como desrespeitosa e maligna para o outro, um risco de vida. Viver o amor ao próximo tornou-se evitar contato físico. Quando vai passar? Ao lado disso, as dificuldades pela manutenção da vida, pela sobrevivência, especialmente, dos mais carentes.
A mobilização em torno de dar de comer a quem tem fome é, especialmente, sensível ao povo em geral e de nossas comunidades, em particular. A alimentação é a mais essencial e a mais imediata de nossas necessidades físicas. A assistência social cresceu de modo perceptível. Campanhas de arrecadação de alimentos e de material de higiene, ações de solidariedade com pessoas em situação de rua, mutirão para produção de marmitex etc. Pe. Pedro Canísio, da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, de Cuiabá (MT), nos relata “a gente vive a sensação, em certos momentos, de que este era o modo de partilha dos cristãos nas comunidades primitivas”.
A assistência aos pobres também mobilizou outras forças da sociedade e parcerias se desenvolveram. A Paróquia Santíssima Trindade, de Santa Luzia (MG), promoveu a campanha Ser Solidário na Quarentena, em conjunto com outras paróquias, com lideranças políticas e com a Polícia Militar em vista de arrecadar alimentos e material de higiene. Essa parceria cresceu e envolveu o Núcleo Apostólico dos Jesuítas com suas diversas comunidades. A Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) tornou-se um lugar de recepção de donativos, que também são repartidos na Paróquia São Francisco Xavier, de Belo Horizonte (MG). Em Fortaleza (CE), a Paróquia Cristo Rei desenvolveu ampla campanha com posterior auxílio de diversas instituições, conforme conta o Pe. José Laércio: “Os beneficiários das doações foram povos indígenas, imigrantes venezuelanos, Morro de Santa Teresinha, Oitão Preto, Rosalina e paroquianos necessitados. Atendemos também às necessidades de algumas famílias dos bairros de Fortaleza, como Centro, Praia do Futuro, Bom Jardim, Siqueira, Vicente Pinzon, Pirambu, Praia de Iracema, Mondubim, Cajazeiras, Jangurussu e Parangaba, alcançando, também, os municípios vizinhos de Maracanaú e Aquiraz. Conseguimos, pela Graça de Deus, enviar uma ajuda financeira para a Paróquia São Vicente de Paulo, que é jesuíta, na periferia do Recife (PE)”. Como se vê, uma solidariedade para além do meramente paroquial.
A valorização do on-line
Portas fechadas, janelas virtuais abertas. As nossas paróquias descobriram a importância e o valor da Pastoral da Comunicação. Conforme a organização dessa pastoral e das condições oferecidas pela internet, nossas paróquias buscaram modos de se conectar com seu público.
O virtual tem seus limites e somos propensos à desconfiança com relação ao uso dos meios de comunicação. No entanto, é um meio. E Santo Inácio nos ensina o “tanto quanto”. Usamos deles tanto quanto nos ajudam ao fim que perseguimos. A necessidade é a mãe da criatividade e as respostas são, mais ou menos, expressivas conforme a experiência e organização da pastoral da comunicação em cada lugar. Há de se ter em conta que, grosso modo, as atividades pastorais em uma paróquia se desenvolvem na base do voluntariado. Os jovens dispõem de maior gosto e jeito para esse trabalho. E, na maior parte, os aparatos técnicos são simples, na base do gratuito e do automático. É uma área que nos demanda atenção e profissionalismo.
As muitas ofertas de missas on-line, pelo rádio e pela TV não são impedimentos à busca de um modo mais adaptável à nossa caminhada pastoral e com uma apresentação mais de acordo com a nossa identidade. Quando iniciei as transmissões das missas pelas redes sociais, uma paroquiana nos agradeceu: “Obrigada, padre, por nos proporcionar uma missa segundo nossos costumes”. Por “nossos costumes”, havemos de entender que, para essa paroquiana, há um modo próprio às nossas comunidades e que ela não via nas celebrações de outros meios. Em geral, a nossa iniciação no on-line se dá pelas missas, mas logo percebemos outras possibilidades que, nesses meios de comunicação, são mais eficazes: multiplicam-se as lives numa diversidade impressionante, catequese por Whatsapp, reuniões virtuais etc. As ofertas são infinitas e a grande novidade está em poder acessar conteúdos que, antes, exigiam investimentos de tempo e de dinheiro. No entanto, mesmo sendo conteúdos riquíssimos, nossa experiência de vida comunitária se embasa no contato presencial direto. Por isso, trazemos sempre um certo desejo de que tudo isso seja transitório, podendo ser uma oferta a mais no futuro, e não a única possibilidade como está sendo agora.