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Solidariedade durante incêndio em Manaus (AM)

Na última terça-feira (27/11), um grande incêndio atingiu uma comunidade em Manaus, no estado do Amazonas, quase 2.000 pessoas ficaram desabrigadas. A Irmã Arizete, da Equipe Itinerante de Manaus*, fez um depoimento emocionado sobre como começou o incêndio e a importância da solidariedade das pessoas.

 

Já é o começo do dia 28 de novembro de 2012, não consigo dormir, ainda tenho o corpo quente do calor que vivenciamos com o incêndio, das muitas casas da Comunidade Arthur Bernardes, onde vivemos.

Cheguei de viagem as duas e pouco da manhã em casa, conversamos um pouco com a companheira Graça Gomes, que havia marcado seu início de uma nova etapa de vida: celebrou seus 50 aninhos de feliz existência. “E que luxo!… que privilégio celebrar na comunidade itinerante”, dizia ela agradecida a sua Congregação das Catequistas Franciscanas e aos companheiros jesuítas, que com carinho e gratuidade estiveram juntos celebrando a vida em abundância.

Cedo da manhã as crianças estavam em casa e começaram a dizer: “tia o que está acontecendo?”, “Estão correndo pra associação”. Com a Graça corremos também para ver e… uma casa pegando fogo!!. Ligamos para o corpo de bombeiros e nada…, fomos socorrer uma senhora idosa que passava mal, tentávamos ‘acalmar’ as pessoas para que pudéssemos agir entre ajudando-nos e o fogo se alastrava. Uma correria só, o fogo aumentava e o desespero bateu, nossos corpos tremiam vendo aquela realidade, o chororô saía sem pedir licença… muita humanidade.

Fomos chamando os vizinhos. “A voz da verdade” orientava os comunitários e pedia para colocarmos as coisas no meio do campo e retirássemos as crianças e idosos. Foi rápido o domínio do irmão fogo.

Muita solidariedade entre as pessoas vizinhas, familiares e amigos. Muito roubo também, infelizmente teve gente que ficou sem nada, devido a atitudes feias de alguns.

Nós da Equipe Itinerante recebemos muita solidariedade, telefonemas, presenças, ajudas concretas. Meus pais sofriam vendo de longe a fumaça que saía do bairro, minhas irmãs e irmão avisavam os amigos que chegavam para ajudar.

Nossa casa esteve acolhendo a vizinhança que trazia suas coisas para guardar. E… será que receberam algum sinal de que nossas casas não queimariam? Justamente as casas vizinhas as nossas também não queimaram. Mas para seguir as ordens do pessoal do corpo de bombeiros, depois de ajudarmos os comunitários, cuidamos também de tirar as nossas. Os dois noviços jesuítas que fazem comunidade conosco, simplesmente foram companheiros, solidários, irmãos de uma vida entregada a serviço de outras vidas.

Os vizinhos do outro lado do igarapé colaboraram, atravessando na canoa do seu Chico, todas as bagagens de uma boa parte dos moradores.

Depois de muitas horas da demonstração do poder do fogo, os bombeiros o conseguiram controlar; o estrago estava feito. Nosso bairro parecia um campo de concentração, mal comparado, mas com a alegria de ter salva as muitas vidas. Muitos estão nos centros comunitários, casas de parentes e amigos. Mas muitas famílias continuam no bairro.

A fumaça, os muitos esteios queimados e muita gente cuidando e procurando o que sobrava. O corpo de bombeiro deixou muito a desejar, com poucas pessoas e um equipamento incompleto para a exigência do momento, até a mangueira de jogar água estava incompleta.

No final do dia, em casa a Luciana, companheira do Marcelo, desmaiou, pois desde cedo ajudou a tirar coisas, a molhar com a mangueira, e grávida, sem comer, cansada, desempregada e ter perdido praticamente todos seus pertences, não aguentou. A polícia militar precisou ser mandada para leva-lá ao pronto socorro. Por duas escadas o Alex, do grupo de capoeira (que havia recebido uma dose de quimioterapia, mas foi nos ajudar) desceu com a Luciana nos ombros. Depois os policiais o ajudaram e caíram os três que a carregavam, pois o barranco cedeu… Meu Deus e Nosso Deus! Só mesmo com a presença da Mãe do Céu Morena, a gente segue.

Muitas famílias ficaram com a vida e a roupa do corpo. O bairro ficou sem água, sem luz elétrica. Mas mantém a esperança e a certeza de que é na organização, união e solidariedade que vencermos essa batalha que apenas continua.

Muitas perguntas alimentam nossa luta.

Com Cáritas e Direitos Humanos, estamos conversando para encaminhar os próximos passos. Agora tenho que ir-me, mas antes partilhar este ato: o Ney Valente (desempregado…) e amigos do Centro Intercultural Fernando Lopez, bairro da Compensa, depois de ter passado a manhã inteira ajudando a carregar, derrubar casa para o fogo não avançar, telefonou dizendo: “Mãezinha, estamos preparando um painelão de sopa e vamos levar aí pro pessoal!”.

Essa atitude não nos emociona? São gestos que a gente reconhece a magia espiritual do Deus de diferentes nomes, tão presente nas obras de sua criação e do seu infinito amor. façam isto em minha memória… vida entregada!

Um abraço caloroso, com cheiro de fumaça, obrigada pelo apoio.

Arizete

 

*A Equipe Itinerante é composta de jesuítas, leigos e religiosos de várias congregações.

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