José Alberto Romero Blanco
Coordenador do Centro Social Liberdade – Fundação Fé e Alegria do Brasil
Ao longo dos anos, aprendemos que a vida não é exatamente uma viagem tranquila, mas, sim, um passeio na montanha-russa que, às vezes, nos surpreende com mudanças que geram incerteza e exigem força e coragem até o fim. Não tem parada no meio da jornada, eu sei porque sou um migrante que, junto com milhares de peregrinos, viajamos sem poder parar, cuja única direção possível é “para frente”. O Norte do Brasil, hoje, é um palco para esse tipo de realidade, porém sabemos que, em todo o mundo, existem centenas de lugares onde essa situação é replicada: milhares e milhares de migrantes forçados, resumem suas vidas em, apenas, uma mala. Quase metade deles são crianças e adolescentes que sofrem e não entendem, já os ouvimos dizer: “Quero dormir na minha cama, onde fica minha casa, por que não voltamos?”. Lembramo-nos de um adolescente dizendo: “meu pai é viciado e minha mãe não está nem aí, por favor me ajude porque eu quero estudar”; e, assim como ele, milhares de vozes que gritam todos os dias nos motivam a continuar trabalhando e enfrentando desafios tão grandes que nos fazem sentir incapacitados e insuficientes. Por isso, Fé e Alegria (FeA) está se adaptando a essa nova realidade, gerando serviços para apoiar essas pessoas.
Hoje, esse sentimento de impotência se torna maior, um problema sobre outro, a migração e a pandemia da covid-19. De repente, enfrentamos um contexto que muda rapidamente e exige de nós, além de rapidez, assertividade na tomada de decisão – o que só podemos alcançar discernindo as coisas espiritualmente, não apenas para reconhecer e entender o que está acontecendo, mas, principalmente, para ser direcionado por Deus no propósito dele e responder como servos e discípulos fiéis. Em resumo, Ele nos mostra onde, quando e de qual maneira agir, e, assim, nossa impotência faz sentido e nos leva ao ponto mais alto que podemos alcançar: de joelhos em oração.
No meio desse turbilhão, estamos com recursos sempre limitados, com tempo sempre curto, observando, discernindo, agindo. Cada um de nós que faz parte da Companhia de Jesus – sacerdotes, religiosos, leigos, colaboradores ou voluntários – contribuímos com alguma tarefa para sustentar quem está na ponta e quem, por sua vez, nutre, cuida, cura, ensina e protege. Reforçando o conceito de unidade em que trabalham, a Fundação Fé e Alegria, o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados e a Pastoral Universitária constituem uma força expandida que visa abraçar as famílias de maneira integral, cada uma com seus projetos e objetivos específicos, mas com um espírito de grande colaboração e fraternidade. Para nós, o trabalho constitui um chamado para servir, é estarmos cientes de que nossas ações podem mudar a vida das pessoas para o bem e de que toda dádiva boa vem de Deus. Aprendemos que o dono da obra é Jesus Cristo e por essa razão nosso papel se estende de um simples funcionário para um servo. Nossa certeza não se baseia em conceitos mentais, mas em dons superiores e gratuitos, como a fé e a alegria dadas por Aquele que nos chamou.
Vamos, humildemente, reconhecer que não podemos fazer a obra sozinhos, mas que, com a direção de Deus e a companhia dos nossos colegas servos, avançaremos na construção das obras que os nossos predecessores começaram neste território inspirado pelo amor e pela piedade. Lembremos também que todos trabalhamos com todos, porque para quem trabalhamos é muito claro; eles são os nossos beneficiários, imagens vivas de nosso Senhor Jesus. Olhando por essa perspectiva, em que qualquer hierarquia é resumida na palavra servo, entendemos melhor nosso trabalho porque, além das descrições de cargo e responsabilidades de cada um, sabemos que fazemos parte de algo maior, na FeA, somos todos Companhia de Jesus.
Isso nos ajuda a reconhecer os outros e a lidar com a tentação de pensar que existem conquistas individuais; na realidade, todos nós contribuímos, mas é pela graça de Deus que podemos enfrentar esses imensos desafios juntos e seguir em frente. Lendo o Evangelho de Lucas 17:10, encontramos um versículo que resume essa realidade: “Assim também vós, depois de terdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: Somos servos como quaisquer outros; fizemos o que deveríamos fazer”.
Para conferir a edição 66 do informativo Em Companhia, acesse: https://issuu.com/noticiassj/docs/em-companhia-ed66