Em 1612, o padre jesuíta André de Soveral estabeleceu-se nas terras do Rio Grande do Norte. No estado, ele passou a atuar no Vale de Cunhaú, junto à Capela de Nossa Senhora das Candeias, atual município de Canguaretama, localizado a cerca de 80 km da capital Natal. Na região, grande parte da população era simples, humilde e vivia da terra, um povo muito fiel e temente a Deus. “No contexto local, padre Soveral foi um verdadeiro líder religioso, dando assistência aos moradores do Engenho Cunhaú e demais habitantes. Ali, ele viveu cerca de 30 anos até o dia do seu martírio”, conta o padre José Freitas Campos, do Clero da Arquidiocese de Natal e autor do livro O sangue dos mártires – A história dos primeiros mártires do Brasil.
A obra, recém-lançada pela Edições Loyola, conta de forma mais detalhada o contexto histórico, teológico e eclesial, no qual aconteceu o martírio de dezenas de pessoas, em 1645, durante as invasões holandesas. Entre as vítimas do massacre, estavam o padre Soveral e outros 70 fiéis que acompanhavam a missa dominical, em Cunhaú, e foram cruelmente mortos por protestantes calvinistas e índios potiguares, em junho daquele ano.
Em outubro, quatro meses após o primeiro massacre, outro ataque aconteceria, agora em Uruaçu, comunidade no atual município de São Gonçalo do Amarante, a 18 km de Natal. Na ofensiva, mais de 80 pessoas foram mortas, entre elas o padre Ambrósio Francisco Ferro e o camponês Mateus Moreira, que teve o coração arrancado pelas costas, enquanto repetia a frase ‘Louvado seja o Santíssimo Sacramento’. “Padre Ambrósio era pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Apresentação, a única existente na capitania. O religioso sempre se mostrou aberto ao diálogo com os holandeses”, explica padre Campos.
Para o autor do livro, a intolerância religiosa aliada à ambição de poder político e econômico foram os principais fatores que motivaram os massacres. “O Engenho Cunhaú era situado em um dos vales mais férteis da capitania e com extensas áreas de criação de gado. Além disso, a produção de açúcar, carne e farinha era exportada para regiões como Pernambuco e Paraíba. Tudo isso foi alvo da ambição e da cobiça dos holandeses, na ânsia de dominar toda a região e controlar sua economia”, afirma padre Campos, atualmente, pároco da Paróquia de São Sebastião em Natal, assessor da Comissão Bíblico-catequética da Arquidiocese e diretor Espiritual do postulantado I dos Frades Capuchinhos.
“Na obra, eu apresento a figura dos mártires e também conto a contribuição da presença da Companhia de Jesus e dos demais protagonistas da missão primeira em terras de além-mar”
Pe. José Freitas, autor do livro
Ao saber que 30 daqueles mártires seriam canonizados pelo Papa Francisco em 2017, padre Campos sentiu-se impelido a contar essa história. “Eu vi que essa história precisava ser relembrada. Então, pensei em colocar numa linguagem popular, para o entendimento do povo de Deus, o texto da Positio super Martyrio do Monsenhor Assis, que fundamenta essa causa de santidade”, conta padre Campos, que explica que o número de mártires foi menor do que o de vítimas, pois nem todas as pessoas foram identificadas. “A Congregação para as Causas dos Santos exige não somente o número, mas também a identificação de cada um, ou pelo nome ou por uma referência indireta, como filiação, parentesco ou outro dado. O Monsenhor Assis chegou a identificar apenas 30, porém os demais também são mártires, pois a motivação foi a mesma. O Papa João Paulo II teve o cuidado de se referir a essa ‘massa de anônimos’ como verdadeiros mártires”, ressalta.
No dia 15 de outubro do ano passado, o Papa Francisco canonizou os protomártires brasileiros, que são conhecidos assim porque são os primeiros mártires do País. “Na obra, eu apresento a figura dos mártires e também conto a contribuição da presença da Companhia de Jesus e dos demais protagonistas da missão primeira em terras de além-mar”, conclui. O livro de padre Campos nos conta um pouco mais sobre a vida dessas pessoas e, com ela, poderemos fortalecer a nossa fé e pedir a Santo André, Santo Ambrósio, São Mateus e companheiros mártires que roguem a Deus por nós!
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Essa matéria foi publicada na 41ª Edição do informativo Em Companhia (Jan./Fev. 2018). Quer ler a edição completa? Então, clique aqui!