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Entrevista com Pe. Franklin Alves Pereira, SJ

O livro No princípio era a poesia, um itinerário poético segundo os Exercícios Espirituais, lançado no final de julho, traz textos e artes de jesuítas, leigas e leigos. Entre os autores, com os poemas Humano, Fantasmas e Demônios, Lágrimas e O Senhor Deus, está o Pe. Franklin Alves Pereira, SJ, que, nesta entrevista, conta um pouco de como se dá a relação entre criação poética e a espiritualidade. 

Pe. Franklin nasceu em Santo André (SP), no dia 04 de junho de 1977, e ingressou na Companhia de Jesus em 31 de janeiro de 2003. Fez a graduação em Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje/MG), e Mestrado e Doutorado também em Teologia, com especialização em Teologia Bíblica, na Universidade Gregoriana em Roma (Itália). Atualmente, trabalha como professor e pesquisador na Faje.  

  1. Como a poesia surgiu em sua vida?

Minha experiência poética está relacionada, principalmente, à visão. Tenho a impressão de que a poesia é um grito de um corpo que ecoa em outros corpos, rompendo a barreira do tempo-espaço. Então, cada um de nós parece ter um lugar do corpo que capta… Sente… Grita! No meu caso seriam os meus olhos. Tenho inveja dos pintores, porque eles escrevem com as tintas e cores aquilo que eu tento pintar com as palavras. Desde criança, comecei a sentir… “intuir” as dores dos outros. A poesia foi a maneira que encontrei para expressar ou dar cores às dores que eu con-sentia (sentia do outro), para sentir que a dor dos outros ecoa dentro de mim e ver, fora de mim, a beleza que grita mais forte que a dor… Acredito que assim surgiu a poesia na minha vida desde cedo. 

Comecei a escrever aos 12 anos de idade, mas nunca mostrei a ninguém meus textos. Escrever era necessidade… Era para não morrer sufocado pelas dores! Minha primeira experiência poética? Tinha uns sete anos de idade. Morava de favor com minha família na casa de um tio. Era uma vida muito dura por causa da pobreza. Sentia muita dor e angústia e também me sentia amado por meus pais e parentes. Um dia, depois de voltar da casa dos meus avós maternos, chegando em casa, vi a “mesa” da cozinha mudar de forma. Ela parecia ter ficado mais volumosa e muito bonita! Aquilo me encheu de alegria! Sentia-me visto e via, ao mesmo tempo, a mesa que já não era apenas uma mesa. O tempo parecia ter parado e o espaço dobrado. Desde então, minhas experiências quase sempre eram parecidas. Aquilo que aprendi com o passar do tempo foi a transpor as experiências para o papel, “pintando” o que eu via, usando as pa-lavras.

Com o tempo, a sensibilidade foi crescendo e passou para os ouvidos, o nariz, a boca, a pele… Hoje, sinto que minha percepção continua muito aguçada, mas senti mudanças na maneira de dar forma àquilo que eu usualmente vejo e em poucos instantes, não sei por que, passa a me ver, deixando impresso n’alma uma saudade não sei de quê. Desenvolvi, então, um estilo de escrever a partir da experiência originária. Uso as “aspas”, o hí-fen e as reticências… Continuo com medo e ao mesmo tempo apaixonado pela efemeridade da existência… A experiência poética que sinto tenta parar o tempo e modificar o espaço para, quem sabe, dar sentido à existência tão dura, descolorida e rápida, fazendo-a tornar-se vida.

Vida e existência não são sinônimos para mim. Tenho a impressão de que começamos a viver, de fato, quando temos a coragem de deixar que os outros nos amem (ver e ser visto), pois o amor seria a única força capaz de parar o tempo e dobrar o espaço. As reticências, nos meus textos, seriam uma maneira de deixar a existência fluir… sem tentar, inutilmente, controlar o efêmero. Porém, sinto o desejo de parar aquilo que rompe o “efêmero”, por isso, coloco entre aspas as palavras que gritam o desejo de eterno… As palavras duras eu as corto com um hífen nos lugares mais i-nu-sitados porque sinto que elas nos excitam a ver na existência nua algo “mais”…

  1. Ser jesuíta e ser poeta é um desafio?

A Companhia de Jesus me ajudou a dar nome ao que eu sentia e vivia desde criança. Nunca me senti poeta. Foram os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola que me ajudaram a dar cores às experiências, e a dar o nome correto àquilo que eu sentia e escrevia. Por isso, ser jesuíta e ser poeta não é um desafio, mas ser jesuíta é ser poeta porque posso ajudar a construir/fazer o Reino de Deus com a minha sensibilidade. Poeta e jesuíta usam, principalmente, a palavra como ferramenta na edificação do Reino. Gosto muito da poeta portuguesa Florbela Espanca. Ela tem dois poemas sobre ser poeta em que eu me vejo muito quando os leio. Leia os sonetos de Florbela:

SER POETA

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…

É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!

POETAS

Ai as almas dos poetas

Não as entende ninguém;

São almas de violetas

Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,

Como as estrelas no ar;

Sentem o vento gemer

Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito

Dores amargas e secretas

É que em noites de luar

Pode entender por poetas

E eu arrasto amarguras

Que nunca arrastou ninguém

Tenho alma para sentir

A dos poetas também!

Agora, depois de ter lido os sonetos, substitua a palavra poeta/poetas pela palavra jesuíta nos sonetos de Florbela e os releia. Você vai entender o que sinto quando digo: ser jesuíta é ser poeta. Não é um desafio. É graça!

 

  1. Qual é a relação entre a poesia e a espiritualidade inaciana? Como elas se conectam?

Quando eu descobri a espiritualidade inaciana, me encantei com a maneira como as orações estavam apresentadas nos Exercícios Espirituais: oração(contemplação)-repetição-aplicação dos sentidos. A contemplação inaciana parece trabalhar muito com a visão-imaginação e isto me parecia muito familiar, porque minha experiência poética está ligada principalmente à visão. Ver e ser visto pela beleza na existência dura, sem cores e rápida… para dar “voz” às dores minhas e dos outros que car-rego dentro de mim, transformando o meu deserto interior em jardim. A existência seca e estéril parece esconder um lugar onde tudo que aparece como distorcido, nEle se trans-forma. A espiritualidade inaciana me ensinou que este lugar se chama Deus. Ele é o lugar. A espiritualidade inaciana me ensinou a olhar para Jesus e ver como Ele agia diante da dor dos outros: com-paixão. Depois descobri que a compaixão seria um atributo divino, pois Deus se apresenta como Aquele que vê a aflição do seu povo, escuta o seu clamor, sente as dores do seu povo e desce para libertá-lo (Ex 3,7-14). Esta característica divina se encontra nos evangelhos, principalmente, em Lucas-Atos. Descobri que posso mudar as vozes distorcidas, fruto das dores que sinto, em palavras construtivas. Aqui, para mim, poesia e espiritualidade inaciana se conectam. A minha experiência poética, que tenta parar o tempo e dobrar o espaço dando sentido à existência, nasce da visão da beleza em meio às dores. Ela se aproxima da espiritualidade inaciana que ensina a ver(contemplar)-repetir-aplicar os sentidos no drama de Jesus, que nos ensina como agir diante das dores, transformando-as em poesia, na construção do Reino.

 

Conheça também o livro de poesias escritas por jesuítas e leigos(as) inacianos: https://bit.ly/3ejscOg 

Boa leitura!

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