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O exercício do contexto na educação: força para mover-se

Ir. Raimundo Barros, SJ
Diretor-presidente da Rede Jesuíta de Educação Básica

A experiência de travessia em mar revolto traz exigências que vão além da estabilidade para suportar o balanço das águas. É viver a incerteza com o olhar voltado para o horizonte que, a qualquer hora, se descortinará como uma nova realidade.

Santo Inácio tinha sempre na sua frente um horizonte, um caminho, um para onde ir. Quando esse horizonte ficou embaralhado, Inácio empreendeu um mergulho interior, mobilizou todas as suas faculdades humanas e espirituais e teve coragem para fazer novas perguntas; de se questionar quanto ao vir a ser. Foi para o seu deserto, em Manresa (Espanha) e viveu um mundo novo; um homem novo foi se constituindo, novos caminhos foram se configurando e aquilo que poderia ser considerado por alguns como fuga, na verdade, era um grande movimento para viver a realidade com a intensidade necessária e para conferir sentido à sua própria vida.

Viver essa experiência, como nos mostra Santo Inácio, é parte da caminhada e deve ser experimentada com o coração voltado para o alto, pois, somente do alto, é possível contemplar a imensidão da vida, presente em todas as criaturas. É ir ao deserto para fazer a experiência do encontro.

A pandemia tem exigido muitos deslocamentos existenciais, intelectuais, conceituais, operacionais, afetivos etc. Tem sido uma experiência involuntária viver sem muitas das referências de antes, pautando a vida de uma forma sem precedentes para a maioria dos seres humanos que vivem nessa grande Casa Comum. De uma hora para outra, ruíram dinâmicas que regulavam relações sociais, sumiram certezas, surgiram dúvidas e a pergunta sobre o vir a ser passou a fazer parte do cotidiano das pessoas não como manifesto de desejo, mas como imperativo sobre a própria vida. O desafio de seguir caminhando passou a ser intercalado com a necessidade de parar.

Hora de construir novos horizontes, fazer novas perguntas e de viver experiências que ajudem na busca para onde ir. Nesse sentido, a experiência de Santo Inácio ajuda a compreender esse momento como possibilidade de uma nova realidade que poderá ser construída e renova o chamado, permanente, para o pôr-se em movimento.

Mas não pode ser um movimento aleatório ou desordenado, e, aqui, vamos encontrar um ponto muito importante: fugir do efêmero que mostra a vida como lampejos de subjetividades e de desejos individualizados. Santo Inácio nos ensina que a caminhada adquire sentido na proporção em que os deslocamentos do individual chegam ao coletivo; onde o reconhecimento de si se dá no encontro com o outro, formando uma comunidade de encontros.

E esse encontro não deve acontecer sem a referência do chão onde a vida acontece. Esse chão é o que, na pedagogia inaciana, chamamos de contexto e que vem carregado de sentidos adquiridos na caminhada de cada sujeito. O contexto coloca a todos no lugar onde as narrativas se encontram e compartilham experiências e atua como catalisador para novas construções sobre o caminhar.

Ter a perspectiva do contexto como parte constitutiva dos movimentos que impulsionam os sentidos para a experiência é trazer para o centro a vida dos sujeitos e de seus vínculos sociais, afetivos, históricos etc. É considerar a bagagem de cada um como força motriz para o caminhar junto e como janela para ampliar a visão de mundo, no sentido mais alto que isso pode significar.

O contexto nos liga com o ontem, todavia esse vínculo não é como experiência de nostalgia ou de memória esquecida. É a celebração da experiência vivida e o registro da memória afetiva que vincula os indivíduos com a sua própria história. E como isso pode nos ajudar nesse momento que estamos vivendo?

As respostas são amplas e variadas, mas é certo que todas deverão comportar a capacidade de conexão que o contexto permite. Ele liga os sujeitos e desencadeia movimentos de aproximação que só acontecem no reconhecimento da experiência trazida pelo outro e, mais ainda, permitem a construção de novas experiências.

Na pandemia, as incertezas trouxeram sensações e experiências das mais variadas formas, chegando a causar impressões de que o contexto já não fazia sentido. Ficou parecendo que era preciso ficar desprovido do contexto para poder suportar todas as pressões e, principalmente, encontrar fôlego suficiente no enfrentamento das intempéries.   

Em certos momentos, era como se o presente fosse tão imprevisível que olhar para o passado fosse um exercício saudosista de quem não conseguia encontrar coragem para dialogar com o que estava acontecendo. Era como se, de lá, não fosse possível encontrar elementos que ajudassem a entender o presente; muitos remaram como se isso fosse certeza absoluta, perdendo vinculações importantes, tanto sociais como emocionais.

O olhar para o passado, como apresenta Santo Inácio, é parte da caminhada para ordenar a vida; para compreender os movimentos internos na busca pelo equilíbrio. Isso é muito importante no atual momento que vivemos, pois somos parte de tudo  que acontece e também temos responsabilidade sobre os desdobramentos decorrentes da forma como enfrentamos os desafios da pandemia.

Sem a experiência da noite escura, não é possível sentir a intensidade do amanhecer, e isso não é só um exercício retórico. Não dá para falar de pós-pandemia, o que faremos no futuro etc., sem viver a intensidade da pandemia, hoje.

É preciso ter clareza que tudo está conectado e que o hoje traz consigo o vivido ontem e semeia o que viveremos amanhã, com vinculações diretas, explícitas, como também sutis e até imperceptíveis em algumas situações. O grande desafio é encontrar a harmonização entre tudo isso e buscar o equilíbrio.

O pós-pandemia será o que construirmos como perspectiva de futuro e, como educação básica, estamos empenhados na vivência dessa experiência, tirando proveito para poder alicerçar o que virá pela frente. Não temos certezas, e talvez nem precisamos de muitas delas, mas temos a convicção de que a experiência que está sendo vivida tem gerado muitos aprendizados; um deles é o de trabalhar em tempos de incertezas.

Santo Inácio aponta para viver a experiência do sentir e do saborear para poder tirar proveito. Talvez seja essa a grande estratégia que temos como aprendizado neste momento. De uma hora para outra, todos os envolvidos no apostolado da educação básica tiveram que sair de um lugar habitual e passaram a habitar em tantos outros lugares, reais ou virtuais. Foi preciso atribuir sentido para novas possibilidades de interação para poder dar conta das demandas geradas por alunos, educadores e famílias.

O que sei viu foi uma explosão de criatividade; a construção de novas experiências, não sem medo e sem incerteza, mas carregadas de sentido e cheia do espírito de fazer novas perguntas. Ora, se a experiência inicial causou desarranjos e fomos capazes de criar novas possibilidades, podemos dizer que a experiência vivida foi possível porque, como Santo Inácio, nos dispomos a fazer o caminho.

Assim, olhar, sentir e viver a realidade é um exercício necessário para poder alimentar a esperança e juntar forças para gerar novos movimentos. Como disse acima, é preciso fazer novas perguntas para poder estabelecer novos horizontes de respostas, ou seja, sair em busca de novos caminhos.

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