Tempos de Esperança e Solidariedade

2020 chegou e, em seu início, parecia um ano “normal”, como os anteriores, apesar de já circularem notícias de que uma nova epidemia despontava na cidade de Wuhan, na China. No Brasil, tínhamos a falsa sensação de que estávamos protegidos, porque parecia tudo distante demais para nos preocuparmos. No entanto, com o passar dos dias, o número de países afetados e de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus não parava de crescer.

Ainda em janeiro, ciente de que se tratava de um surto sem precedentes, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou emergência sanitária global. Naquele momento, o vírus já estava espalhado em 18 países. Um mês depois, a Europa demonstrava os primeiros sinais de preocupação. Ainda assim, as autoridades brasileiras mantiveram o Carnaval, mesmo sabendo que havia o risco de o vírus se propagar pelo país, dado o grande fluxo de turistas. Naquele momento, acreditava-se que era do exterior que vinha o maior risco de transmissão no Brasil.

O primeiro caso em território brasileiro foi confirmado em 26 de fevereiro, um dia após o fim do Carnaval e o primeiro dia da Quaresma, período em que somos chamados a elevar nosso olhar a Deus. Coincidência ou providência, o apelo da Campanha da Fraternidade 2020, escolhido dois anos antes, é extremamente pertinente ao momento em que estamos vivendo: Fraternidade e vida: dom e compromisso e o lema Viu, sentiu compaixão e cuidou dele.

Extraído da Parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 33-34), o lema da campanha quer “Conscientizar, à luz da Palavra de Deus, para o sentido da vida como Dom e Compromisso, que se traduz em relações de mútuo cuidado entre as pessoas, na família, na comunidade, na sociedade e no planeta, nossa Casa Comum” (CF 2020, Texto-base, p. 21).

Passados seis meses desde que a primeira infecção de covid-19 foi notificada na China, o mundo ultrapassou 5 milhões de casos confirmados e mais de 330 mil mortes provocadas pelo novo coronavírus. No Brasil, os números decorrentes da doença já ultrapassaram a marca de 350 mil infectados e 20 mil mortes, sem contar as possíveis subnotificações. Em 25 de maio, já figurávamos como o terceiro país no mundo com o maior número de casos, atrás apenas do Estados Unidos e da Rússia.

Em função desses números, estamos vivendo tempos difíceis em meio à pandemia e o momento exige esperança, coragem, atenção e muita solidariedade. O crescimento diário de casos da doença no Brasil e no mundo nos assusta e vem mudando drasticamente nossa rotina em todos os aspectos – social, profissional, familiar e religiosa.

Para enfrentar a pandemia, a Companhia de Jesus busca inspiração justamente na Campanha da Fraternidade 2020, na Encíclica Laudato Si’ e nas quatro Preferências Apostólicas Universais, promovendo relações de cuidado mútuo entre as pessoas.

Compromisso de servir o bem comum

Ao longo de meio milênio de história, a ordem dos jesuítas sempre buscou ser presença segura e solidária junto aos irmãos e às irmãs em extrema vulnerabilidade social e empobrecidos, principalmente, em situações de emergência, cuidando do corpo, da saúde mental e do equilíbrio espiritual. Tradição que se mantém viva até os dias atuais…

Desde que as medidas de distanciamento social começaram a ser implementadas, as universidades, as escolas, as paróquias e as obras assistenciais que integram a Companhia de Jesus têm se mostrado atuantes e solidárias em meio à grave crise gerada pela pandemia. As iniciativas são inúmeras e criadas visando a finalidades específicas, que vão desde a doação de alimentos e produtos de higiene até o processamento de testes da covid-19. O corpo apostólico da Companhia continua avançando com as frentes de trabalho e redes de cuidado, buscando reduzir o avanço do coronavírus e atenuar os impactos da pandemia na vida de quem mais precisa.

O Em Companhia reuniu abaixo algumas das ações já implementadas. E no portal da Companhia de Jesus do Brasil (https://jesuitasbrasil.org.br/), é possível acompanhar outras iniciativas em andamento.

  1. MOSTRAR O CAMINHO PARA DEUS

Para atravessarmos esse tempo com fé e esperança, é necessário mantermos acesa a chama da oração. Mesmo com as igrejas fechadas devido à pandemia do novo coronavírus, as paróquias e comunidades encontraram alternativas para a celebração de missas, para evangelizar, para mostrar o caminho para Deus mediante os Exercícios Espirituais e o discernimento, assim como sugere a primeira Preferência Apostólica Universal.

– Mosteiro de Itaici (Indaiatuba, São Paulo)

É o que fez o Mosteiro de Itaici, em Indaiatuba (SP), que está produzindo e divulgando em suas redes sociais vídeos diários com reflexões sobre o evangelho e um breve comentário motivacional para rezar. A ideia surgiu no início da pandemia atendendo aos pedidos dos fiéis que estão impossibilitados de participar das celebrações devido ao distanciamento social. Além disso, o Mosteiro disponibilizou 117 dormitórios da casa de retiros para receber profissionais da saúde que estão trabalhando no combate à pandemia da covid-19 na cidade.

– Sagrado Coração de Jesus (São Leopoldo, Rio Grande do Sul)

No Santuário do Sagrado Coração de Jesus, em São Leopoldo (RS), as orientações, os acompanhamentos e a direção espiritual presencial sempre foram frequentes. Com a pandemia, automaticamente os jesuítas colocaram-se à disposição para seguir o trabalho de forma remota.

– Colégio São Francisco Xavier (São Paulo)

O colégio desenvolveu um programa de escuta terapêutica. O atendimento é feito por um psicólogo, um integrante da pastoral escolar e um padre jesuíta e busca amenizar a ansiedade causada pelas mudanças de rotina, dificuldades, incertezas ou pelo distanciamento de amigos e familiares neste tempo de pandemia.

– Noviciado Nossa Senhora da Graça (Feira de Santana, Bahia)

O noviciado adotou medidas de prevenção à pandemia da covid-19 e adaptou horários e experimentos para vivenciar melhor esta etapa de formação. Após o discernimento comunitário, optou-se por fazer transmissões ao vivo, via Facebook, das celebrações eucarísticas realizadas aos domingos, às 11h, e da adoração ao Santíssimo Sacramento, realizada às sextas-feiras, às 21h. A comunidade do noviciado também disponibiliza pelas redes sociais – Youtube e Instagram – vídeos com reflexões inacianas e momentos de oração.

  1. CAMINHAR JUNTO AOS POBRES E AOS DESCARTADOS PELA SOCIEDADE

Inspirados pela segunda Preferência Apostólica Universal “Caminhar junto aos pobres, os descartados pelo mundo, os vulnerados em sua dignidade, numa missão de reconciliação e justiça”, instituições de ensino, as obras assistenciais e paróquias da Companhia de Jesus se articularam para garantir amparo imediato a grupos sociais em situações de dificuldade.

– Projeto Oficinas Culturais Anchieta (Embu das Artes, São Paulo) 

Fundado em 2002, o Projeto OCA tem como missão auxiliar jovens em situação de vulnerabilidade social em seu desenvolvimento sociocultural, valorizando suas histórias de vida, fomentando seu preparo para o exercício da cidadania, sua qualificação para o trabalho, seu espírito comunitário e solidário.

Até o momento, mais de 200 cestas básicas foram doadas para as famílias de crianças e adolescentes atendidas. Na Páscoa, o Projeto fez a alegria dos menores, que foram presenteados com ovos de chocolate, doados pelo Pateo do Collegio.

– Fundação Fé e Alegria (Unidades no Brasil)

A Fundação Fé e Alegria, movimento de educação popular da Companhia de Jesus, distribuiu 4.500 cestas básicas para as famílias atendidas por suas unidades e que estão em situação de vulnerabilidade social. Dessas, 458 foram adquiridas com doações feitas pela ordem dos jesuítas e o restante com recursos de outras mobilizações. Ao todo, 14 estados brasileiros com unidades de Fé e Alegria foram beneficiados pelas doações.

A instituição também está realizando a campanha Alimente uma Família, ação nacional de mobilização de recursos para a compra de cestas básicas, cuja captação é feita por meio do site https://fealegria.org.br/doe-agora/ e a distribuição do valor arrecadado feita de acordo com o estado do doador. Já a unidade de Montes Claros (MG) está confeccionando máscaras e aventais para serem doados às comunidades da região e à rede hospitalar do município.

– Centro Alternativo de Cultura Pe. Freddy (Belém, Pará)

O CAC articulou a Rede Amazônica de Solidariedade e Resistência, um coletivo formado por diferentes instituições, igrejas, congregações religiosas, movimentos sociais e populares para arrecadação de recursos financeiros e insumos essenciais. A ação visa diminuir os impactos da doença em mais de 1200 famílias que sofrem com a ausência de condições básicas. Desse total, cerca de 500 famílias já foram atendidas, o que totaliza 6 mil toneladas de alimentos distribuídos, sendo mil toneladas de alimentos orgânicos da agricultura familiar, produzidos por trabalhadores rurais sem terra.

– Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA)

Em conjunto com outras 160 organizações da sociedade civil, conseguiu que o projeto de renda básica emergencial saísse do papel e fosse sancionado pelo Governo Federal. A vitória garantiu a concessão de auxílio emergencial no valor de 600 reais a trabalhadores informais, autônomos e sem renda fixa e o dobro do valor a mães responsáveis pelo sustento da família, durante a crise provocada pela pandemia da covid-19. O objetivo da medida é amenizar os impactos desta crise sobre famílias com vulnerabilidade financeira.

– O Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR Brasil)

Em Belo Horizonte (MG), o SJMR passou a distribuir alimentos e itens de higiene para a população de rua e migrantes desabrigados. Além disso, identificou a necessidade de fazer atendimentos psicológicos a distância e oferecer orientações sobre as garantias e os direitos do trabalhador migrante, também de forma remota. Em Manaus (AM), a instituição passou a distribuir produtos de higiene e cestas básicas, principalmente, para indígenas venezuelanos da etnia Warao nos abrigos da cidade, uma população extremamente vulnerável. Também foi implementada a escuta direta por telefone e está sendo iniciado um auxílio do pagamento dos aluguéis, evitando que famílias sejam despejadas.

Em Porto Alegre (RS), o SJMR passou a fazer visitas de sensibilização sobre a covid-19 e a distribuir álcool em gel às famílias de reassentados pelo projeto realizado em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e o Governo Federal. Em Brasília (DF), foram entregues cestas básicas e máscaras de proteção, fruto de doação e da ajuda dos voluntários.

Em Boa Vista (RR), um trabalho de acompanhamento dos casos de proteção está sendo feito, voltando a atenção para casos de internações e altas hospitalares, oferecendo transporte, compra de medicamentos e também de alimentos. Assim como em Manaus, o SJMR também buscou alternativas de moradia para aqueles ameaçados de despejo dos aluguéis. A instituição também iniciou um projeto de produção de máscaras de proteção, feitas por costureiras migrantes, que serão distribuídas gratuitamente à população migrante e refugiada de Manaus e de Boa Vista.

– Universidade do Vale do Rio dos Sinos (São Leopoldo, Rio Grande do Sul)

De acordo com a decana da Escola de Saúde da Unisinos, Rochelle Rossi, priorizou-se a realização de testes para diagnóstico da covid-19, uma parceria entre a Universidade, o Tecnosinos e o Hemocord, o que tem contribuído para diminuir a subnotificação e tem auxiliado na tomada de decisões pelo poder público; o conserto e a duplicação da capacidade de respiradores de hospitais públicos da região, bem como o conserto de desfibriladores; a produção e doação de 3 mil unidades do face shield (escudo facial) para profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate à pandemia; o projeto Saúde Mental, para avaliar as condições de saúde psicológica de colaboradores da Universidade no contexto da pandemia. Além dessas ações, também a cooperação no estudo epidemiológico da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), encomendado pelo governo do estado do Rio Grande do Sul, no qual estudantes voluntários e pesquisadores da Unisinos estão realizando coletas nas cidades de Canoas e de Gravataí, o que permite estimar a velocidade da evolução do contágio no estado e o direcionamento de políticas públicas em prol da população.

  1. ACOMPANHAR OS JOVENS NA CRIAÇÃO DE UM FUTURO PROMISSOR

– Programa MAGIS Brasil

“Acompanhar os jovens na criação de um futuro cheio de esperança” é o que recomenda a terceira Preferência Apostólica Universal e está em sintonia com as ações do Programa MAGIS Brasil, ação apostólica da Companhia de Jesus com a juventude.

Neste tempo de isolamento social, as atividades locais e presenciais dos Centros e Espaços MAGIS foram transformadas, na medida do possível, em atividades virtuais. O Programa também optou por estender a Campanha Ser mais Amazônia para todo o ano de 2021. São realizados exercícios espirituais para jovens, exercícios espirituais na vida cotidiana, tarde de espiritualidade, oração de Taizé, terço, lives com temas e partilhas num horizonte de conversação espiritual, projeto de vida, acompanhamento espiritual, materiais de oração diária, semanal e mensal. Além disso, toda sexta-feira, às 20 horas, os jovens se conectam por meio da oração pelo fim da pandemia.

  1. COLABORAR NO CUIDADO DA CASA COMUM

O Papa Francisco tem, com frequência, falado sobre questões ambientais e a responsabilidade do homem diante da criação. O novo coronavírus avança no Amazonas. Manaus está entre as cidades brasileiras com maior incidência de casos de contágio. Além disso, publicações recentes mostraram que o desmatamento na Amazônia durante o tempo de distanciamento social aumentou 64%, comprovando que o mal não descansa. Mobilizado para reduzir os impactos da pandemia na região, o SARES tem participado de reuniões e acompanha, de perto, a situação dramática em que se encontra o Estado e as irregularidades que estão ocorrendo na área da saúde.

Juntamente com as Pastorais Sociais da Arquidiocese, a instituição tem feito lives semanais a fim de comemorar o quinto aniversário da Encíclica Laudato Si sobre o cuidado da Casa Comum. “Acredito que estamos dentro de uma imensa tempestade que vai durar por muito tempo. Pedimos a Deus sabedoria e discernimento, pois vivemos uma incerteza muito grande”, desabafou o coordenador do Sares, Pe. Paulo Tadeu Barausse.

EXEMPLOS DE DOAÇÃO E ENTREGA

Nestes tempos tão difíceis, católicos de todo o mundo recorrem à intercessão dos santos e santas de Deus que, ao longo da história, se solidarizaram com os atingidos pelas pestes e epidemias e dão testemunho de como uma pandemia pode se tornar uma maneira de servir a Deus e ao próximo. Entre tantas histórias, destacamos as vidas de São José de Anchieta e São Luís Gonzaga, jesuítas conhecidos pela dedicação aos doentes.

SÃO JOSÉ DE ANCHIETA (1534-1597)

José de Anchieta nasceu em 19 de março de 1534, em Tenerife, Ilhas Canárias, na Espanha. Em 1551, ingressou na Companhia de Jesus, em Portugal, e veio para o Brasil, como missionário, dois anos depois.

O jesuíta não só trabalhou como catequista, mas também tornou-se dramaturgo, poeta, gramático, linguista e historiador. Participou da fundação de escolas, cidades e igrejas. Mesmo com a saúde frágil, Anchieta foi diligente e generoso no serviço aos pobres e doentes. Há diversos registros dos cuidados físicos de enfermos, do interesse em conhecer a medicina indígena para curar as doenças e, sobretudo, da sua profunda oração e inabalável esperança na misericórdia e providência divina.

Falecido em 9 de junho de 1597, José de Anchieta é reconhecido como copadroeiro do Brasil e foi canonizado em 3 de abril de 2014, pelo Papa Francisco.

SÃO LUÍS GONZAGA (1568 -1591)

Nascido na Itália, em 9 de março de 1568, Luís Gonzaga sentiu o chamado para seguir Cristo na Companhia de Jesus, mas, para isso, teve de vencer muitas dificuldades e resistências por parte da família, principalmente, de seu pai, cujo desejo era que o filho seguisse a carreira militar.

Durante sua formação, uma grande epidemia ocorrida na Itália fez muitas vítimas. Na época, a Companhia de Jesus fundou um hospital e ele ficou encarregado de retirar as pessoas infectadas das ruas. O jesuíta lavava e alimentava as vítimas da doença, com o intuito de lhes dar esperança. O envolvimento foi tanto que ele também ficou doente e morreu, com apenas 23 anos, no dia 21 de junho de 1591. Luís Gonzaga foi canonizado em 31 de dezembro de 1726, pelo papa Bento XIII. Ele é reconhecido como Padroeiro da Juventude.

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