Pe. Agnaldo Duarte aceitou o desafio de anunciar a Boa Nova do Reino de Deus em uma sociedade hiperconectada. O jesuíta, referência no trabalho com as Juventudes e Vocações em Curitiba (PR), sentiu-se chamado pela Companhia de Jesus quando encontrou, no legado de Santo Inácio de Loyola, a abertura à pluralidade de diálogos e o incentivo à criatividade no trabalho apostólico. Em entrevista ao informativo Em Companhia, Pe. Agnaldo nos convida a olhar com atenção para o protagonismo dos jovens na mudança de época que vivenciamos:
1. Conte-nos um pouco sobre a sua história.
Nasci em São Miguel Paulista (SP), mas foi em um pequeno distrito no interior da Bahia (BA) que cresci e aprendi o significado da fé, a conviver na simplicidade com as pessoas, a entender suas lutas e apreciar suas devoções e esperanças. Sou o terceiro filho de cinco irmãos de uma família muito querida, que, desde cedo, procurou educar os filhos mostrando a importância dos valores cristãos. Foi com a minha mãe que aprendi a rezar o Pai Nosso e, com meu pai, aprendi a rezar os Benditos após as refeições. Com eles, aprendi a descobrir os segredos da natureza e a importância do trabalho.
2. Como conheceu a Companhia de Jesus? Por que decidiu ser jesuíta?
Durante a adolescência e a juventude, fiz o percurso que tocou a caminhada de fé. Celebrava os sacramentos, pertencia ao grupo de jovens da comunidade, ajudava na igreja na liturgia e, também, fui catequista. Tinha os mesmos sonhos que todos os jovens da minha idade, queria estudar e ter um bom emprego que me desse dinheiro. A questão da vocação para a vida religiosa foi chegando de modo tímido, depois de um questionamento de amigos: você já pensou em ser padre? A minha resposta, naquele momento, foi que não tinha essa vocação.
Por ocasião das Santas Missões Populares na minha cidade, Senhor do Bonfim (BA), um missionário foi falar sobre o que era vocação. Foi a partir desse momento que passei a querer saber mais sobre esse tema, comecei a participar de um grupo vocacional na minha cidade e, aos poucos, fui percebendo que Deus me chamava para algo maior. Por meio desse grupo, conheci um vocacionado jesuíta, Pe. Genilson Lopes Neri, que me convidou para participar de uma missão jovem. Nessa missão, em Jacobina (BA), conheci o primeiro jesuíta, Pe. Bruno Schizzerotto, que era promotor vocacional e passou a me acompanhar.
O que chamou a minha atenção na Companhia de Jesus foi o modo de viver dos jesuítas: a abertura ao diálogo com todo tipo de pessoa, o trabalho apostólico intenso e criativo, e, principalmente, a vida de Santo Inácio de Loyola e o contato com a sua espiritualidade, além do modo de rezar e de encontrar Deus e a Sua vontade em todas as coisas. Todos esses elementos contribuíram para a minha decisão de querer ser também um jesuíta, que, embora pecador, é chamado a ser companheiro de Jesus.
3. Quais as experiências mais marcantes que o senhor vivenciou durante sua formação como jesuíta?
Durante esses 20 anos em que estou na Companhia de Jesus, já vivenciei muitas experiências significativas que contribuíram no meu processo formativo. As experiências vividas no noviciado (a primeira etapa da formação na Companhia), sem dúvida, foram as mais fortes. Os Exercícios Espirituais de 30 dias continuam vivos, pois foi um momento único de sentir e de aprofundar a presença amorosa de Deus no caminho da oração e na intimidade com o sagrado. Essa experiência me alimenta até hoje. A peregrinação também foi uma forte experiência de sentir a providência divina que me acompanhou durante toda a jornada, Deus se esconde nos pequenos gestos de solidariedade. Muitas experiências de missões, de inserção em comunidades rurais, o contato com o povo nas comunidades e nas diversas pastorais são marcas indeléveis da presença de Deus em todo meu processo de formação.
4. Como sua experiência na área de educação teológica contribui para o trabalho com as juventudes?
A proposta de educação da Companhia de Jesus leva ao compromisso com a construção do Reino de Deus em uma atitude de maior serviço. A educação jesuíta sempre teve uma visão teológica, ou seja, um compromisso com o Serviço da Fé e a Promoção da Justiça em uma entrega corajosa de constante discernimento para encontrar a vontade de Deus. Dessa forma, acredito que a educação teológica me ajuda a perceber que o jovem não é um ser fechado em si mesmo, mas que a sua vocação, a sua vida e o seu destino vão mais além, por isso é capaz de se relacionar com os outros, com o mundo e com Deus. Acredito que o ser humano é um ser aberto ao Transcendente.
A educação jesuíta só pode ser compreendida como um processo educacional que busca o desenvolvimento da pessoa na integralidade de seus dons, bem como no conhecimento da realidade do mundo e do ser humano sob a perspectiva cristã da vida, ou seja, ler as diversas áreas do conhecimento humano pelo referencial da experiência da transcendência, na busca da maior glória de Deus.
5. Como o Transcendente circula na sociedade hiperconectada?
Somos hiperconectados, estamos carregados de instrumentos cibernéticos: celulares, iPads, iPods, tablets… Estamos mergulhados em uma comunicação que ocorre pelo Facebook, Whatsapp. Nessas redes, nos relacionamos com muitas pessoas, conhecidas e desconhecidas, e disparamos, todos os dias, em todas as horas e para todas as direções, uma série de likes.
No entanto, no nosso cotidiano, nem sempre temos uma vida rodeada de pessoas como parece ser: as nossas redes sociais não estão repletas de amigos bonzinhos e os likes dados e recebidos nem sempre revelam o que realmente pensamos e desejamos. Podemos até encher de fotografias e mensagens o nosso mundo digital, estarmos em muitos grupos e aplicativos, mas a vida real é exigente.
Assim, penso que, ao passarmos, diariamente, entre a multidão hiperconectada, precisamos criar, de alguma forma, ferramentas que possibilitem o acesso ao sagrado. Tem muita gente conectada, mas com a sensação de não pertencer a nenhum lugar. Daí a importância da transcendência para lidarmos com a solidão, com o vazio que cada ser humano carrega. Creio que o sagrado circula pelo mundo digital de forma ainda muito discreta. No entanto, é essencial, em nosso contexto, colocar questionamentos a respeito do verdadeiro sentido da vida entre os jovens. E o sentido da vida não está no que eu faço, mas no que eu sou, em como eu construo as minhas coisas e quais são as minhas referências.
6. De que maneira os jovens percebem e vivenciam a experiência da fé?
Em contato com muitas realidades juvenis, desde as etapas iniciais da minha formação na Companhia de Jesus, penso que a juventude é uma fase belíssima da vida humana que precisa ser acompanhada com muito carinho. Sabemos que é uma fase exigente e de cobrança por todos os lados. No entanto, as juventudes de qualquer tempo se identificam com as atitudes de Jesus e de seu Evangelho. Buscam e falam da liberdade e da verdade, denunciam as hipocrisias e as incoerências de uma vida em sociedade. Vivem a dimensão profética à medida que lutam por causas justas, buscam a justiça social e se comprometem com as causas ecológicas. As juventudes buscam uma vida comunitária, vivem em grupos com a criação de suas regras, símbolos, gestos, lealdades e, por isso, testemunham as suas relações fraternas pela acolhida e pela generosidade. Desse modo vivem experiências profundas de fé.
7. Neste contexto de pandemia e de mudança de época, como a espiritualidade inaciana colabora para pôr em prática a Preferência Apostólica de acompanhar os jovens na criação de um futuro promissor?
A espiritualidade inaciana ajuda a confiarmos na ação do Espírito Santo, que se revela e se dá a todas as gerações. Por isso, o compromisso com as juventudes não pode ser reduzido a mero recrutamento. Os jovens são protagonistas neste tempo de grande mudança que vivemos. Desse modo, é fundamental, da nossa parte, a abertura para acolher as juventudes nas suas buscas. Devemos apresentar espaços abertos ao diálogo, à criatividade e à profundidade para que cada jovem que passa por nossas obras possa encontrar o sentido para sua vida e, assim, aproximar-se de Deus. A espiritualidade inaciana contribui para que o jovem faça o discernimento do seu projeto de vida. Cabe a nós acompanhar e caminhar com as juventudes nesse processo de desenvolvimento das suas potencialidades mostrando um futuro cheio de esperança.